
O novo presidente sírio, Ahmed al-Sharaa, herdou um país devastado por mais de uma década de guerra civil, fragmentado por facções, com um legado de extremismo e uma crise humanitária sem precedentes. Sua missão é monumental: estabilizar a Síria, combater grupos jihadistas e restaurar a ordem, tudo isso enquanto tenta lidar com as complexas dinâmicas internacionais. No entanto, as primeiras semanas de sua administração indicam que ele pode estar indo na direção errada, à medida que enfrenta a pressão crescente de potências ocidentais e locais para realizar mudanças significativas.
A Pressão Internacional
Desde a sua ascensão ao poder, Sharaa se viu frente a uma realidade difícil: o apoio internacional, especialmente do Ocidente, não será concedido de forma irrestrita. Três enviados europeus, em uma reunião com o ministro das Relações Exteriores da Síria, Asaad al-Shibani, em março de 2025, deixaram claro que a prioridade era a repressão aos jihadistas que continuam a causar massacres, especialmente contra a minoria alauíta. O massacre de civis foi uma das questões centrais levantadas pelos diplomatas, que exigiram a responsabilização dos responsáveis e uma ação contundente contra esses grupos extremistas.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da França, Christophe Lemoine, afirmou claramente: “Não há cheque em branco para as novas autoridades”, indicando que o apoio internacional, crucial para a reconstrução da Síria, não será garantido sem resultados concretos. Washington também reforçou a posição, com um porta-voz do Departamento de Estado afirmando que monitorariam as ações de Sharaa para ajustar sua política em relação ao país.
O Desafio da Fragmentação e a Dependência dos Jihadistas
Um dos principais problemas de Sharaa é a composição de suas forças de segurança. Sua principal força, o Hayat Tahrir al-Sham (HTS), é uma coalizão relativamente pequena de cerca de 20.000 combatentes, de acordo com avaliações ocidentais. No entanto, para manter seu poder, ele depende de grupos jihadistas mais radicais, que, por sua vez, são os mesmos contra os quais ele precisa tomar medidas firmes. Essa relação de dependência coloca Sharaa em uma posição delicada, pois qualquer ação contra esses grupos pode desencadear uma nova guerra civil ou uma luta pelo poder entre facções.
Essa dinâmica lembra o colapso do exército iraquiano após a queda de Saddam Hussein, quando a dissolução de uma instituição central levou ao caos e à ascensão de grupos extremistas. O desmantelamento do exército sírio por Sharaa tem impactos semelhantes, resultando em uma força de segurança fragmentada, dependente de milícias e grupos armados fora do controle central.
A Dilema Geopolítico: O Jogo das Potências Regionais
Além das questões internas, Sharaa também tem que lidar com as potências estrangeiras que têm interesses estratégicos na Síria. O país se tornou um tabuleiro de xadrez geopolítico, com potências como Estados Unidos, Rússia, Irã, Turquia e Israel disputando influência no território sírio. A Turquia controla o norte, apoiando forças da oposição e combatendo as ambições curdas. O Irã e seus aliados xiitas têm uma presença significativa, enquanto as forças curdas, com o apoio dos EUA, controlam o leste do país, onde estão localizados os campos de petróleo.
Esse cenário torna qualquer tentativa de consolidar o poder na Síria ainda mais complicada. A falta de um controle centralizado sobre o território e a presença de múltiplos atores externos cria uma situação de instabilidade permanente. Além disso, a criação de uma estrutura de governo inclusiva, que represente todas as facções da sociedade síria, é uma exigência fundamental para a estabilidade do país. Isso inclui a integração de alauítas, cristãos, curdos e outras minorias no novo governo.
O Paradoxo de Sharaa: Reforma ou Repressão?
Sharaa se encontra preso em um paradoxo. Por um lado, ele precisa responder às demandas do Ocidente e da comunidade internacional para uma governança inclusiva e a proteção das minorias. Por outro, ele deve equilibrar os interesses internos de facções que são difíceis de controlar e que podem, a qualquer momento, retornar à violência.
Seu governo, com sua constituição que concede poderes absolutos ao presidente, pode ser visto como uma continuação da tradição autoritária do regime de Bashar al-Assad. Em vez de implementar reformas democráticas significativas, a constituição aprovada por Sharaa consolidou o poder em suas mãos, com o presidente também assumindo os cargos de primeiro-ministro, chefe das forças armadas e chefe de segurança nacional. Além disso, a constituição declara que a “lei islâmica” será a fonte principal da legislação, algo que pode alienar segmentos significativos da sociedade síria e gerar descontentamento entre as minorias não muçulmanas.
Essa abordagem levanta sérias questões sobre o futuro político da Síria. A adoção de um modelo autoritário com uma fachada de governança inclusiva pode levar a um fracasso semelhante ao do Egito, onde o ex-presidente Mohamed Mursi, embora eleito democraticamente, também fracassou em unir uma nação fragmentada e foi derrubado pelo exército.
A Necessidade de um Modelo Inclusivo
Analistas políticos afirmam que a única maneira de Sharaa estabilizar a Síria é adotar um modelo de governança inclusivo que respeite a diversidade religiosa, étnica e cultural do país. O simples retorno ao autoritarismo e a exclusão das diversas comunidades sírias, como os curdos, alauítas, drusos e cristãos, provavelmente levará a um novo ciclo de revoltas e instabilidade.
O fundador do Gulf Research Center, Abdulaziz Sager, adverte que a presença de “grupos fora da lei”, como os jihadistas estrangeiros, representa uma ameaça significativa à autoridade do estado sírio e à segurança do país. Ele destaca que a liderança síria não tem outra opção a não ser adotar ações firmes contra essas violações para restaurar a ordem.
Além disso, a restauração da economia síria, que está em ruínas, depende diretamente da suspensão das sanções internacionais impostas durante o governo de Assad. A comunidade internacional, incluindo os Estados Unidos e a União Europeia, condiciona o alívio das sanções à implementação de reformas reais e à proteção das minorias, um desafio que Sharaa terá que enfrentar rapidamente para evitar uma crise econômica ainda maior.
O Futuro da Síria: Uma Luta Pela Estabilidade
Em última análise, o futuro da Síria depende das decisões políticas que Sharaa tomará nos próximos meses. Se ele continuar a adotar uma abordagem autoritária, a Síria poderá se aprofundar ainda mais na instabilidade, com divisões internas ainda mais profundas e uma crescente intervenção estrangeira. No entanto, se ele buscar uma verdadeira governança inclusiva e implementar reformas políticas que respeitem as diferentes comunidades e promovam a paz, há uma chance, ainda que pequena, de a Síria iniciar um caminho de reconstrução e recuperação.
O maior desafio para Sharaa será equilibrar as demandas internacionais por reformas com a necessidade de manter a coesão interna e controlar as facções que ainda exercem grande influência sobre o território sírio. Se ele falhar em encontrar esse equilíbrio, a Síria pode se ver novamente à beira de mais uma guerra civil, colocando em risco o futuro de sua população e da região como um todo.
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