
Sentada sob o sol escaldante entre dezenas de mães e crianças, a jovem Najlaa Ahmed reviveu o terror vivido há uma semana, quando homens da Força de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês) invadiram o maior campo de deslocados de Darfur, em Zamzam. “Eles saquearam as casas, incendiavam tudo e atiravam sem discriminação, enquanto drones sobrevoavam e explosões de artilharia abafavam nossos gritos”, relatou Najlaa, uma das poucas sobreviventes que conseguiu chegar a Tawila, cidade controlada por um grupo rebelde neutro, a 60 km de distância.
Uma onda de violência planejada?
O ataque, ocorrido há exatos sete dias (12 de abril de 2025), deixou um rastro de pelo menos 300 mortos e obrigou 400 mil pessoas a fugir em busca de segurança, segundo balanço das Nações Unidas. Testemunhas ouvidas pela Reuters — cujos relatos não puderam ser verificados de forma independente — descrevem execuções sumárias, torturas e incêndios sistemáticos em aldeias e tendas.
“Vi sete pessoas morrerem de fome e sede na trilha até Tawila. Outras ficaram feridas e sucumbiram aos ferimentos”, contou Najlaa.
ONGs internacionais, incluindo a Médicos Sem Fronteiras (MSF), já alertavam para a situação de fome no campo de Zamzam desde agosto de 2024, quando a falta de chuvas e as restrições de acesso humanitário agravaram o quadro de fome severa. Vídeos publicados pela RSF mostraram o vice-comandante Abdelrahim Dagalo prometendo assistência alimentar aos deslocados, mas as imagens de vítimas famintas e prédios incendiados contradizem essa narrativa.
Relatos de execuções em massa
Moradores de al-Fashir, capital de North Darfur, relataram à agência Reuters o encontro com corpos alinhados após um ataque a uma escola religiosa. “Encontramos 24 corpos — alguns foram mortos enquanto rezavam”, disse um morador que preferiu não se identificar. Outro ancião afirmou que 14 pessoas foram executadas a queima-roupa dentro de uma mesquita: “A mesquita deveria ser sagrada, mas eles invadiram e mataram quem buscava abrigo”.
Vídeos verificados pela Reuters mostram soldados da RSF interrogando e fuzilando homens desarmados próximos a mesquitas e mercados improvisados. Em contrapartida, o grupo paramilitar nega as acusações, rotulando as imagens como forjadas.
A disputa por Darfur e o papel histórico da RSF
Formada em 2013, a Força de Apoio Rápido tem suas raízes nas milícias Janjaweed, responsáveis por grandes massacres na região entre 2003 e 2005. A atual guerra civil, iniciada em abril de 2023, opõe a RSF ao Exército Regular do Sudão, depois que o governo tentou integrar as duas forças. A vitória em al-Fashir significaria para a RSF a consolidação de um governo paralelo em Darfur, desafiando diretamente o comando central em Cartum.
Analistas do Yale School of Public Health estimam que 1,7 km² do campo de Zamzam foi consumido pelas chamas, incluindo seu mercado central, e que as labaredas continuaram por dias após o ataque. Checkpoints instalados pelos paramilitares impedem a saída de muitos deslocados, aumentando o sofrimento de quem permanece cercado pela destruição.
Crise humanitária se agrava em Tawila
Em Tawila, a chegada maciça de refugiados sobrecarregou serviços de saúde já precários. A MSF registrou 154 feridos — o paciente mais jovem tinha apenas sete meses e quase todos apresentavam ferimentos de arma de fogo, segundo Marion Ramstein, coordenadora de emergência da organização. Água potável, alimentos e abrigo são escassos. “Os mais afortunados conseguem se abrigar sob uma árvore; muitos dormem no chão sem nenhum objeto”, descreveu Ramstein.
Ahmed Mohamed, recém-chegado à cidade, resumiu o desamparo de milhares de pessoas: “Perdemos tudo no caminho. Fomos roubados pelos soldados e agora não temos nem um cobertor. Precisamos de tudo para sobreviver”.
Impasses na resposta internacional
Apesar de condenações em organismos como o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos e apelos de ONGs, a comunidade internacional enfrenta dificuldades de acesso e de imposição de sanções efetivas. A instabilidade política em Cartum e a fragmentação das facções armadas em Darfur complicam operações de socorro e investigações sobre possíveis crimes de guerra.
Para especialistas em segurança e direitos humanos, o ataque a Zamzam evidencia dois problemas estruturais: a falta de mecanismos de proteção civil no Sudão e o risco de instrumentalização de crises humanitárias como justificativa para expansões territoriais paramilitares.
Conclusão
O cerco e a tomada do campo de Zamzam desencadearam um novo ciclo de violência em Darfur, ameaçando a vida de centenas de milhares de deslocados. À medida que RSF e Exército disputam o controle da região, civis pagam o preço mais alto — seja pela fome, pela guerra de extermínio ou pela simples luta por um abrigo seguro. A comunidade internacional, de olho em futuros debates no Conselho de Segurança da ONU, precisará agir com urgência para evitar que o Sudão se transforme num terreno de genocídio prolongado.
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