
A África do Sul, a maior economia do continente, vive um momento de tensão fiscal. Pela terceira vez, na sessão marcada para 21 de maio, o ministro das Finanças, Enoch Godongwana, apresentará ao Parlamento a proposta orçamentária para o ano fiscal de 2025/2026, buscando fechar um rombo de 75 bilhões de rand (aproximadamente $4,1 bilhões) deixado pela desistência do aumento do Imposto sobre Valor Agregado (VAT). O desafio de manter a meta de estabilidade da dívida enquanto reconquista a confiança dos mercados é o centro deste embate.
Colapso das Propostas Iniciais
- Proposta de 19 de fevereiro: aumento de 2 pontos percentuais no VAT. Rejeitada pela coalizão, principalmente pela Democracia Cristã (DC).
- Proposta de 12 de março: elevações graduais de 0,5 ponto em dois anos, judicializada pela DC.
- Decisão final: recuo total no aumento do VAT, gerando déficit de 75 bi de rand ao longo de três anos.
O revés expôs a fragilidade inédita da coalizão que substituiu a maioria absoluta do ANC nas eleições de 2024.
Caminhos para Cobrir o Déficit
Cortes de Gastos
Godongwana sinaliza reduções em despesas não prioritárias e revisão de subsídios a estatais. Mas cortes excessivos podem comprometer saúde, educação e a já combalida Eskom.
Desempenho Fiscal Positivo
A Autoridade Tributária (SARS) reportou em abril arrecadação 8,8 bi de rand acima da previsão para 2024/2025. Se mantiver ritmo de crescimento e combate à evasão, parte do déficit pode ser suprida sem alterar alíquotas.
Uso da Reserva de Contingência
A Conta de Reserva de Ouro e Câmbio atingiu 390 bi de rand em 30 de abril. A lei permite saques sem aprovação parlamentar, reduzindo a necessidade de novos empréstimos.
Emissão de Títulos
O mercado doméstico de renda fixa, já pré-financiado, poderia ver uma leve elevação nos leilões semanais — hoje em 3,75 bi de rand — sem gerar pânico, embora pressões de alta nos rendimentos sejam esperadas.
Vozes e Perspectivas
“Manter a meta de superávit primário é essencial para restaurar a confiança dos mercados”, destaca o professor Sipho Nxele (UCT). “Cortes cirúrgicos e uso estratégico das reservas são cruciais.”
“Se o orçamento não for aprovado em até 16 dias úteis, haverá forte impacto em serviços públicos”, alerta a S&P Global Ratings, que revisará o rating do país na próxima sexta-feira.
A Health for All, ONG atuante em saúde pública, adverte que cortes drásticos podem agravar indicadores de mortalidade infantil em áreas rurais. O COSATU já sinalizou paralisações caso salários de servidores sejam afetados.
Panorama Histórico
Ano | Déficit (rand) | Fonte de Ajuste |
---|---|---|
2018/2019 | 50 bi | Aumento de impostos, uso de reservas |
2020/2021 | 120 bi | Programas emergenciais, mais endividamento |
2024/2025 | 75 bi | Recuo no VAT, sem alternativa imediata |
Este comparativo mostra que o déficit atual, embora menor que o choque pandêmico, ocorre sem um plano claro de receitas.
Riscos e Cenários Futuros
- Instabilidade política: Uma nova ruptura na coalizão pode inviabilizar a aprovação e forçar cortes automáticos após 16 dias úteis.
- Avaliação de risco: Um resultado consistente pode garantir o primeiro upgrade de rating em 20 anos; o contrário, elevar o custo de captação.
- Serviços essenciais: A limitação de gastos a 45% do orçamento anterior pode reduzir significativamente verbas para saúde, educação e segurança.
Conclusão
O terceiro voto, agendado para 21 de maio, será um termômetro da capacidade de governabilidade da atual coalizão. Equilibrar cortes, aproveitar a arrecadação robusta e empregar as reservas de contingência serão medidas decisivas. Se este for, de fato, o “third time lucky”,(terceira é a sorte) a África do Sul poderá retomar a trajetória de estabilidade fiscal e retomar o interesse de investidores; caso contrário, o país corre o risco de aprofundar sua crise política e econômica.
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