Vitória sob pressão: Hezbollah vence eleições municipais, mas enfrenta erosão de apoio e novos desafios internos

Mulher segura folheto com retratos de líderes do Hezbollah em seção eleitoral em Nabatieh, no sul do Líbano, durante as eleições municipais de maio de 2025.
Uma eleitora segura um folheto com retratos dos líderes do Hezbollah, Hassan Nasrallah (à direita) e Hashem Safieddine, em uma seção eleitoral em Nabatieh, sul do Líbano, em 24 de maio de 2025. Mesmo sob bombardeios israelenses, o grupo convocou sua base a garantir uma vitória expressiva. [Foto: Mahmoud Zayyat/AFP]/ Al Jazeera

No nosso artigo “Hezbollah busca reforço nas urnas em meio a crescentes apelos por desarmamento”, falamos sobre o contexto de destruição no sul do Líbano e as pressões internas e externas pelo desarmamento. Agora, com os resultados oficiais das eleições municipais de maio de 2025 em mãos, é possível aprofundar a análise sobre como a vitória eleitoral do Hezbollah, apesar de expressiva, revela fissuras na sua base e desafia sua estratégia para os próximos meses.

Urnas favoráveis, apoio relativo

As três rodadas de votação revelaram a força organizacional do Hezbollah em regiões como o sul do Líbano e os subúrbios ao sul de Beirute, onde suas listas venceram até mesmo em cenários com concorrência significativa. Em cidades como Jiyeh, Wardaniyeh e Joun, as alianças com Amal saíram vitoriosas, superando coalizões de partidos tradicionais e candidatos independentes.

No entanto, dados de sondagens e relatos de campo apontam uma queda no entusiasmo popular. Em áreas como Dahiyeh, a fortaleza xiita nos arredores de Beirute, o apoio ao grupo caiu de 78% (2020) para 61% (março de 2025), refletindo um descontentamento crescente com os custos humanos e materiais do último conflito.

O surgimento de alternativas civis

Entre os sinais mais notáveis do pleito está o avanço de listas cívicas independentes, formadas por acadêmicos, ativistas e empresários locais. Em municipalidades devastadas, essas forças conseguiram vitórias pontuais ao prometerem uma gestão pública eficiente e desvinculada de disputas geopolíticas. Para analistas, trata-se do primeiro indício eleitoral de que parte da comunidade xiita começa a imaginar um modelo político alternativo ao da resistência armada.

Vitória sem trégua

Mesmo em meio ao processo eleitoral, ataques aéreos israelenses continuaram atingindo distritos ao sul de Nabatieh e áreas periféricas de presença da UNIFIL. Em 22 de maio, o primeiro-ministro Nawaf Salam condenou esses ataques, destacando o risco de colapso do cessar-fogo e o impacto direto sobre o voto em regiões instáveis.

Apesar das promessas de retirar armamentos pesados do sul, o Hezbollah mantém seu arsenal como elemento de barganha. Qualquer negociação sobre desarmamento, segundo o grupo, depende da retirada israelense de cinco posições estratégicas e do fim dos voos de reconhecimento e bombardeios.

Desafio estratégico: vitória e isolamento

A vitória eleitoral oferece ao Hezbollah fôlego político, mas acirra os dilemas estratégicos: como continuar sendo pilar comunitário sem acesso à reconstrução formal? Como manter sua autoridade frente a um Estado que, pressionado por doadores internacionais, exige monopólio da força?

Segundo estimativas do Banco Mundial, o Líbano precisará de cerca de US$ 11 bilhões para reconstruir infraestrutura básica e moradias. Esses recursos, no entanto, estão condicionados à transparência institucional, ao cumprimento do cessar-fogo e ao desarmamento de milícias.

O que esperar?

A permanência do Hezbollah como força dominante em várias municipalidades pode atrasar ou até bloquear a chegada de fundos internacionais. Ao mesmo tempo, sua resiliência nas urnas demonstra que boa parte da população continua a vê-lo como referência diante da inação do Estado libanês.

Nos próximos meses, o Líbano terá de negociar entre dois caminhos: fortalecer seu pacto nacional com base na soberania estatal ou continuar confiando em forças paraestatais como garantidoras de segurança e bem-estar comunitário.

As eleições deram ao Hezbollah um voto de confiança — mas não um cheque em branco.

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