
No nosso artigo “Hezbollah busca reforço nas urnas em meio a crescentes apelos por desarmamento”, falamos sobre o contexto de destruição no sul do Líbano e as pressões internas e externas pelo desarmamento. Agora, com os resultados oficiais das eleições municipais de maio de 2025 em mãos, é possível aprofundar a análise sobre como a vitória eleitoral do Hezbollah, apesar de expressiva, revela fissuras na sua base e desafia sua estratégia para os próximos meses.
Urnas favoráveis, apoio relativo
As três rodadas de votação revelaram a força organizacional do Hezbollah em regiões como o sul do Líbano e os subúrbios ao sul de Beirute, onde suas listas venceram até mesmo em cenários com concorrência significativa. Em cidades como Jiyeh, Wardaniyeh e Joun, as alianças com Amal saíram vitoriosas, superando coalizões de partidos tradicionais e candidatos independentes.
No entanto, dados de sondagens e relatos de campo apontam uma queda no entusiasmo popular. Em áreas como Dahiyeh, a fortaleza xiita nos arredores de Beirute, o apoio ao grupo caiu de 78% (2020) para 61% (março de 2025), refletindo um descontentamento crescente com os custos humanos e materiais do último conflito.
O surgimento de alternativas civis
Entre os sinais mais notáveis do pleito está o avanço de listas cívicas independentes, formadas por acadêmicos, ativistas e empresários locais. Em municipalidades devastadas, essas forças conseguiram vitórias pontuais ao prometerem uma gestão pública eficiente e desvinculada de disputas geopolíticas. Para analistas, trata-se do primeiro indício eleitoral de que parte da comunidade xiita começa a imaginar um modelo político alternativo ao da resistência armada.
Vitória sem trégua
Mesmo em meio ao processo eleitoral, ataques aéreos israelenses continuaram atingindo distritos ao sul de Nabatieh e áreas periféricas de presença da UNIFIL. Em 22 de maio, o primeiro-ministro Nawaf Salam condenou esses ataques, destacando o risco de colapso do cessar-fogo e o impacto direto sobre o voto em regiões instáveis.
Apesar das promessas de retirar armamentos pesados do sul, o Hezbollah mantém seu arsenal como elemento de barganha. Qualquer negociação sobre desarmamento, segundo o grupo, depende da retirada israelense de cinco posições estratégicas e do fim dos voos de reconhecimento e bombardeios.
Desafio estratégico: vitória e isolamento
A vitória eleitoral oferece ao Hezbollah fôlego político, mas acirra os dilemas estratégicos: como continuar sendo pilar comunitário sem acesso à reconstrução formal? Como manter sua autoridade frente a um Estado que, pressionado por doadores internacionais, exige monopólio da força?
Segundo estimativas do Banco Mundial, o Líbano precisará de cerca de US$ 11 bilhões para reconstruir infraestrutura básica e moradias. Esses recursos, no entanto, estão condicionados à transparência institucional, ao cumprimento do cessar-fogo e ao desarmamento de milícias.
O que esperar?
A permanência do Hezbollah como força dominante em várias municipalidades pode atrasar ou até bloquear a chegada de fundos internacionais. Ao mesmo tempo, sua resiliência nas urnas demonstra que boa parte da população continua a vê-lo como referência diante da inação do Estado libanês.
Nos próximos meses, o Líbano terá de negociar entre dois caminhos: fortalecer seu pacto nacional com base na soberania estatal ou continuar confiando em forças paraestatais como garantidoras de segurança e bem-estar comunitário.
As eleições deram ao Hezbollah um voto de confiança — mas não um cheque em branco.
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