Chefe do Pentágono Garante Quase Consenso em Torno da Meta de 5% do PIB para Gastos com Defesa na OTAN

Secretários de Defesa dos EUA, Reino Unido, Turquia e outros participam de reunião da OTAN em Bruxelas, 5 de junho de 2025.
Pete Hegseth (EUA), John Healey (Reino Unido), Yasar Guler (Turquia) e outros ministros da Defesa durante reunião da OTAN em Bruxelas, 5 de junho de 2025. Foto: Yves Herman/Reuters.

Na esteira das negociações preparatórias para a cúpula de líderes da OTAN, marcada para 24 e 25 de junho de 2025, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, afirmou em 5 de junho, após reunião dos ministros da Defesa em Bruxelas, estar “muito encorajado” com o progresso observado entre os países-membros para adotar a proposta de elevar os gastos militares para 5% do Produto Interno Bruto (PIB) — meta defendida pelo presidente Donald Trump. Segundo Hegseth, boa parte das delegações “já ultrapassa os 2%” e o grupo se aproxima de um “quase consenso” para formalizar o compromisso até o encontro em Haia, Países Baixos.

Proposta de Mark Rutte: 3,5% em Defesa “Dura” e 1,5% em Segurança Relacionada

Sob a liderança do até então secretário-geral interino da OTAN, Mark Rutte, a proposta aceita por Hegseth combina um crescimento para 3,5% do PIB em gastos diretos com as Forças Armadas (“hard power”) e mais 1,5% em atividades “relacionadas à defesa” — termo que incluiria:

  1. Cibersegurança (defesa de infraestrutura crítica e centros de resposta a incidentes digitais);
  2. Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em tecnologias avançadas, como veículos não tripulados, sistemas anti-mísseis e inteligência artificial militar;
  3. Infraestrutura Dual-Use (rodovias, ferrovias e aeroportos que possam suportar mobilidade de tropas e equipamentos em crises);
  4. Treinamento e Logística (expansão de centros multinacionais de instrução, estoques de munição e centros de comando interoperáveis);
  5. Apoio a Países em Conflito (transferência de equipamentos excedentes, assistência a veteranos e programas de modernização de arsenais ou infraestrutura de segurança).

Segundo Rutte, esse modelo visa equilibrar as responsabilidades financeiras entre Europa, Canadá e Estados Unidos, enquanto reforça a capacidade de deterrência contra a Rússia. Ele afirmou que, na cúpula da Haia, “decidiremos sobre uma meta de investimento muito mais alta para todas as nações da OTAN”.

Divergência de Posições entre os Aliados

Embora o consenso esteja se consolidando em níveis ministeriais, as disparidades orçamentárias e políticas persistem:

  • Espanha: A ministra da Defesa, Margarita Robles, reafirmou que “2% é suficiente” para cumprir compromissos atuais e que o governo prioriza investimentos sociais. Segundo ela, cada país “deve respeitar seus limites fiscais internos” e “não sacrificar objetivos domésticos por metas exigidas externamente”. Como insistência, Madri resiste a prazos curtos para chegar a 5%.
  • Alemanha: Sob forte pressão de Trump, o chanceler Friedrich Merz e o ministro da Defesa, Boris Pistorius, mantêm posição cautelosa. Merz declarou que atingir 5% exigiria “cerca de 200 bilhões de euros anuais”, quase metade do orçamento federal, inviabilizando o plano sem “grandes aumentos de impostos ou cortes drásticos em áreas-chave”. Pistorius, por sua vez, defende que o foco deve ser “cumprir as metas de capacidade” (número de tropas, estoques de munição e interoperabilidade), mais do que porcentagens fixas.
  • Estados do Leste Europeu: Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia, mais próximas geograficamente da Rússia, fazem duras cobranças por prazos curtos. O ministro estoniano Hanno Pevkur defende 5% em cinco anos, argumentando que “a ameaça é real”, e não há espaço para cronogramas dilatados. A Polônia, que em 2024 chegou a 4,12% do PIB em gastos militares (o maior índice europeu), já prometeu 4,7% neste ano e trabalha para atingir 5% em 2026.
  • Suécia: Embora ainda formalmente associada (por meio do programa Parceria para a Paz) e em processo de adesão plena, Estocolmo anunciou meta de 3,5% até 2028 e 5% até 2030, buscando garantir interoperabilidade e proteção em um contexto de guerra na Ucrânia.
  • Reino Unido: Londres está entre os países que mais já investem em defesa (>2,3% do PIB em 2024), mas enfrenta tensão entre prioridades sociais no pós-Brexit e secções do Parlamento que questionam a viabilidade de 5%. O primeiro-ministro Rishi Sunak acena com avanço gradual: 3% em 2026, 4% em 2028 e 5% até 2030, em consonância com a proposta holandesa, porém sem data fixa para o topo do ciclo.

Obstáculos Econômicos e Políticos

Restrições Orçamentárias

Diversos aliados reportam que, após os elevados gastos decorrentes da pandemia de COVID-19 e pacotes de recuperação, bem como as pressões inflacionárias de 2022–2024, há pouco “espaço fiscal” para reajustes a curto prazos. Na Itália, por exemplo, a ministra da Defesa, Guido Giorgia Meloni, admite avançar de 1,5% para 2,5% do PIB até 2030, mas argumenta que 5% imediatamente é “pouco realista”, diante de um déficit orçamentário que já ultrapassa 120% do PIB. França e Bélgica enfrentam cenário similar: ampliar para 5% implicaria adiar reformas sociais centrais (saúde, educação) e contrair empréstimos adicionais.

Opinião Pública

Pesquisas recentes indicam que a maioria dos europeus apoia um reforço moderado na Defesa, mas hesita em sacrificios de programas sociais para financiar “muito mais tanques e aviões”. Em países mediterrâneos como Espanha, Itália e Grécia, menos de 40% da população apoia elevação acima de 2,5% do PIB em defesa, citando prioridades domésticas (assistência médica, aposentadorias, combate ao desemprego) como mais urgentes. Esse desconforto político pressiona governos de coalizão, especialmente em democracias com legislativos fragmentados, a diluir compromissos de curto prazo.

Caminho para a Cúpula de Haia

Até 20 de junho, diplomatas e assessores ministriais buscarão fechar o texto da declaração final, definindo:

  1. Cronograma Escalonado
    • Proposta holandesa:
      • 3% até 2027;
      • 4% até 2030;
      • 5% até 2032.
    Países do Leste querem antecipar cada fase em dois anos — ou reduzir para 2026, 2028 e 2030, respectivamente. O bloco central europeu (Alemanha, França, Itália) pressiona por prazos que evitem “sobrecarga em um único mandato governamental”, mas não renunciam a prazos intermediários claros.
  2. Definição de “Despesas Relacionadas”
    • Debate sobre contagem de gastos com cibersegurança, P&D em defesa, infraestrutura dual-use e apoio a operações multinacionais.
    • Aliados como França e Alemanha exigem auditoria independente para evitar inflar números com rubricas pouco militares; Estônia e Polônia pedem critérios estritos, limitando-se a programas de “prontidão ou aquisição”.
  3. Metas de Capacidades Operacionais
    • Será detalhado quantos batalhões de infantaria mecanizada, esquadrões de caças de quinta geração e sistemas de defesa antiaérea cada país deve manter em “Nível de Prontidão 1” (disponíveis para deslocamento em até 72 horas).
    • Alemanha anunciou investimento em 50–60 mil recrutas adicionais para cumprir as metas; Reino Unido e França devem expandir estoques de munição e prepositioning (estoques pré-posicionados) no flanco leste.
  4. Mecanismo de Monitoramento
    • Proposta para criar painel semestral de “KPIs” (Key Performance Indicators) que avalie progresso orçamentário e operacional em termos absolutos e percentuais.
    • Revisão anual até 2028 para readequar metas conforme desempenho econômico e cenário estratégico.

O secretário-geral Jens Stoltenberg (já nomeado para assumir em 15 de junho) afirmou que espera anunciar, durante a cúpula, um “plano de trabalho robusto” para transição gradual e sustentável, ressaltando que “sem o comprometimento pleno de todas as nações, a solidez da aliança é colocada em xeque”.

Desenvolvimentos Recentes e Gargalos Legislativos

Na mesma semana, fontes diplomáticas confirmaram que o presidente Trump indicou o tenente-general Alexus Grynkewich para chefiar o Comando Europeu dos Estados Unidos (EUCOM). Essa nomeação é vista como “sinal de que os EUA não recuarão de seu compromisso”, ainda que paire incerteza sobre a aprovação pelo Senado americano, especialmente diante de tensões políticas internas em Washington. Caso a indicação seja confirmada antes de 24 de junho, Grynkewich poderá participar, de forma remota ou presencial, de mesas-redondas que discutam a redistribuição de forças no flanco leste.

Entretanto, a aprovação dos orçamentos nacionais ainda precisa passar por parlamentos locais. Muitos governos europeus adotarão cláusulas condicionais: pactuam o texto da cúpula, mas submetem o grau de execução às deliberações legislativas de 2026–2027. Isso tende a criar “zonas de sombra” de compromissos não vinculantes — situação que, se não for bem administrada, pode ser explorada pela Rússia para alimentar narrativas de “déficit de credibilidade ocidental”.

Impactos Potenciais para a Arquitetura de Segurança Transatlântica

  1. Fortalecimento da Dissuasão
    Se o texto final estabelecer calendário claro e percentuais firmes, a OTAN poderá acelerar processos de aquisição:
    • Compra de novos sistemas anti-mísseis (PAC-3, SAMP/T);Aquisição conjunta de drones de médio alcance;Ampliação de esquadrões de caças F-35 na Europa, com foco no Leste.
    Isso elevará o patamar de prontidão, reduzindo o tempo de resposta a crises;
    porém, o custo agregado para alcançar 5% do PIB em 32 países rondaria US$ 2,4 trilhões anuais, conforme cálculo preliminar do Pentágono.
  2. Rebalanceamento Interno na OTAN
    Ao reduzir a disparidade em investimentos, surgirá demanda por maior voz de Berlim e Paris nas decisões estratégicas. Já existe debate informal sobre a transição de responsabilidade operacional de algumas regiões (ex.: Bálticos) para forças europeias, liberando tropas americanas para focar em Ásia-Pacífico. Esse esquema exigirá protocolos claros de comando e região de responsabilidade (Area of Responsibility – AOR).
  3. Risco de Fragmentação Política
    Caso a cúpula aprove metas sem cláusulas de monitoramento rígidas, haverá espaço para “vacilar” em anos de estagnação econômica. Países como Itália, Espanha e Bélgica poderão alegar “circunstâncias excepcionais” para adiar programas, ainda que isso corroa a confiança de EUA e de nações vulneráveis (Estônia, Lituânia, Letônia, Polônia). Se o texto final não contiver mecanismos de sanção mínima (multilaterais) em caso de descumprimento, corre-se o risco de criar “dois ritmos” dentro da aliança, fragilizando a dissuasão coletiva.

Análise Final: Cenários até a Cúpula

1. Scenário de Acordo Equilibrado

  • A maioria dos 32 membros concorda com 3,5% para “hard power” até 2027, 4% até 2030 e 5% até 2032, com cláusulas de revisão semestrais.
  • O texto final inclui definição abrangente, porém clara, de “despesas relacionadas” (cibersegurança, P&D, infraestrutura).
  • Parlamentos nacionais ratificam cronogramas escalonados.
  • Consequência: OTAN reforça prontidão, amplia capacidade de produção de munição e antivírus cibernéticos, enquanto mantém coesão político-militar transatlântica.

2. Scenário de Compromisso Parcial

  • A cúpula adota 5% apenas como “nível aspiracional”, sem prazos nem mecanismo de “sanção” — delegando a definição de cronogramas aos governos.
  • Alguns países (Polônia, Estônia, Lituânia) assumem compromissos concretos; outros (Espanha, Itália) selam cooperação verbal, mas sem cronogramas firmes.
  • Consequência: Coesão formal, porém sem impacto imediato em gastos; manutenção da presença americana na Europa, mas sem ganhos adicionais significativos na dissuasão.

3. Scenário de Ruptura Parcial

  • Espanha, Itália e Bélgica vetam diferimentos para metas de 5%, negociando 3% para 2027 e cláusula de revisão apenas em 2028.
  • Países do Leste rejeitam, exigindo “compromissos vinculantes” para 2026; Parlamento americano retarda confirmações orçamentárias, gerando impasse.
  • Consequência: Fitch Ratings ou S&P podem rebaixar perspectivas de risco geopolítico europeu, gerando instabilidade nos mercados de defesa; OTAN pode restringir exercícios militares conjuntos, aumentando vulnerabilidade no flanco oriental.

Conclusão

Ao cruzar informações até 5 de junho de 2025, observa-se que a meta de 5% do PIB em gastos com defesa para a OTAN personifica um choque entre pressões orçamentárias domésticas e a necessidade de reforçar a dissuasão euro-atlântica em face da Rússia. A “confiança” manifestada por Pete Hegseth reflete avanços nas negociações técnico-diplomáticas, mas, até o momento, carece de detalhamento final de cronogramas, definições de rubricas e mecanismos de monitoramento. A cúpula de Haia, portanto, funcionará como teste definitivo dessa convergência: o sucesso — mensurado em adesão quase unânime e cronogramas exequíveis — colocará a OTAN em posição de maior resiliência estratégica; o fracasso, mesmo parcial, poderá abrir fissuras que Putin não deixará de explorar.

Nos dias que antecedem o encontro de 24–25 de junho, além das negociações relativas à pauta formal, circula a expectativa de que um eventual anúncio de reforço de tropas americanas no leste (sob o comando do general Alexus Grynkewich) e promessas de pacotes bilaterais de equipamentos à Ucrânia sirvam de “âncora política” para que os aliados se sintam seguros ao elevar seus orçamentos. Ainda assim, permanece o receio de que o contexto eleitoral europeu de 2025 (com eleições em França e Alemanha) e as incertezas fiscais pós-pandemia reduzam a margem de manobra diplomática. É nesse cenário de múltiplas forças em tensão que a OTAN tentará selar o maior aumento de gastos desde o fim da Guerra Fria — cuja concretização dependerá mais do equilíbrio político-doméstico de cada capital do que de palavras firmes em Bruxelas.

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