Bancos de Israel em Xeque: O Impasse sobre Sanções Europeias a Colonos

Ministro das Finanças de Israel Bezalel Smotrich durante inauguração da nova linha de trem leve em Petah Tikva, Israel, agosto de 2023.
O ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, participa da cerimônia de inauguração da nova linha de trem leve da área metropolitana de Tel Aviv, em Petah Tikva, agosto de 2023./ Reuters

O embate entre o governo israelense, sob influência do ministro das Finanças Bezalel Smotrich, e o sistema bancário do país em torno do cumprimento das sanções impostas pela União Europeia (UE) a colonos israelenses ganhou novos contornos nas últimas semanas. Em 5 de junho de 2025, Smotrich condenou duramente bancos que se recusaram a prestar serviços a nacionais listados pela UE e anunciou que pretende aprovar legislação que obrigue as instituições financeiras a compensar generosamente os colonos afetados. Em contrapartida, o Banco de Israel reafirmou a necessidade de observância de sanções internacionais, mas sinalizou medidas para evitar recusa genérica de atendimento. Este texto revisa e aprofunda o debate, com foco em desenvolvimentos recentes, motivações políticas, repercussões internas e externas, contexto jurídico e potenciais desdobramentos.

Contextualização: As sanções europeias e seus motivos

No segundo semestre de 2024, a União Europeia impôs sanções direcionadas a cinco colonos israelenses acusados de envolvimento em episódios de violência contra palestinos na Cisjordânia. As medidas incluíram o congelamento de bens em território europeu e proibição de acesso a contas bancárias ou facilidades financeiras ligadas ao sistema financeiro da UE. Segundo relatórios de organizações de direitos humanos, esses colonos foram identificados como responsáveis por atos de intimidação, destruição de propriedade e agressões físicas a civis palestinos, frequentemente em coordenação com grupos de colonos radicais.

Embora sancionadas individualmente, as restrições motivaram uma reação em cadeia dentro do setor bancário israelense. No temor de violar regras extraterritoriais, várias instituições entenderam que precisariam adotar uma política de “risco zero” em relação a qualquer pessoa vinculada a recursos financeiros ou transações susceptibles de estarem listadas nos regimes sancionatórios europeus e norte-americanos. Tal postura resultou em recusas de abertura ou manutenção de contas, empréstimos e serviços a colonos que, por sua vez, sentiram-se abandonados “sob a justificação de cumprimento de sanções estrangeiras”.

A carta de Smotrich e as motivações políticas

Bezalel Smotrich, líder do partido de direita radical Religious Zionism (Zionismo Religioso) e ministro das Finanças desde o início de 2023, articula sua agenda política em torno da manutenção e expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia. Ao enviar, em 5 de junho de 2025, uma carta ao supervisor bancário de Israel, Smotrich acusou as instituições financeiras de “abandonar civis israelenses sob a capa de conformidade com sanções estrangeiras” e defendeu que as entidades estatais e privadas utilizem sua força econômica para combater as “injustas sanções” a colonos. Em suas próprias palavras:

“Os enormes lucros dos bancos lhes permitem assumir riscos calculados em favor de seus clientes — especialmente quando se trata de uma injustiça moral nacional.”

O ministro insinuou que apresentará, de forma emergencial, projeto de lei para que bancos sejam obrigados a pagar “compensações substanciais” aos colonos que tiverem seus serviços negados, e que o Banco de Israel próprio ofereça contas e facilidades financeiras a esses cidadãos, caso as instituições privadas se recusem a fazê-lo.

Tais declarações servem a dois propósitos políticos centrais:

  1. Reforçar a narrativa nacionalista: Smotrich busca consolidar sua base eleitoral nos assentamentos, sobretudo entre colonos que se sentem “punidos” por potências ocidentais ao ter a vida econômica restringida. Ao brandir a retórica de defesa incondicional, ele se posiciona como porta-voz dos colonos “abandodados” pela diplomacia israelense tradicional.
  2. Pressionar economicamente: ao ameaçar impor indenizações bilionárias, Smotrich eleva o custo político para que bancos sigam uma postura cautelosa. Caso bancos enfrentem sanções financeiras secundárias de contrapartes europeias ou norte-americanas, a pressão recairá diretamente sobre o sistema financeiro interno e poderá gerar cadeia de protestos entre executivos bancários.

Atualização: Expansão de assentamentos e tensão diplomática

Nas mesmas semanas em que Smotrich soltou sua carta, em 28 de maio de 2025, o governo israelense anunciou planos para estabelecer 22 novos assentamentos na Cisjordânia — o maior pacote de expansão em anos —, conforme relatório do Financial Times. O anúncio foi conduzido por Smotrich em conjunto com o ministro da Defesa, Israel Katz, e representa uma resposta estratégica a ataques palestinos, segundo eles, mas é amplamente entendido como passo em direção à efetiva anexação de territórios ocupados. Essa decisão reforça a percepção internacional de que o atual governo de coalizão de direita segue uma agenda expansionista, ignorando os avisos de importância de manter vias de negociação para uma solução de dois Estados.

A medida causou nova onda de críticas na Europa. Ministros de Relações Exteriores da UE iniciaram, no começo de junho, debates para revisar o Acordo de Associação Israel-UE, sinalizando que poderão adotar sanções econômicas mais amplas caso esse tipo de política prossiga. Segundo analistas, a UE tende a priorizar sanções direcionadas a setores-chave — como comércio de tecnologia, serviços financeiros e investimentos em infraestrutura — para penalizar Jerusalém sem prejudicar por completo a população civil israelense.

Em paralelo, o Fundo Soberano da Noruega e grandes bancos europeus já começaram a adicionar empresas ligadas a projetos de assentamentos na lista de exclusão — uma estratégia que encarece o crédito e dificulta a captação de recursos para construtoras e empreiteiras envolvidas nesses planos de expansão.

A resposta do Banco de Israel e riscos de conformidade

Na prática, o Banco de Israel (BoI) emitiu resposta pública no mesmo dia da carta de Smotrich, afirmando que “os bancos devem cumprir sanções internacionais para mitigar riscos de conformidade, ant lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo, riscos legais e reputacionais” e que “desrespeitar sanções pode expor todo o sistema bancário a graves consequências”.

Contudo, o BoI publicou um draft de diretriz que visa “assegurar que serviços bancários apropriados sejam oferecidos a clientes afetados” sem que fosse necessária uma recusa automática. Em linhas gerais, propõe-se:

  • Contas separadas em shekels: manutenção de contas domésticas exclusivamente em moeda local, sem possibilidade de transações em euros ou dólares;
  • Avaliação individual de risco: análise caso a caso para verificar se o cliente tem vínculos estritamente com as sanções. Caso tenha apenas sanções europeias, mas não norte-americanas, permitir transações não intermediadas pelo sistema financeiro dos EUA;
  • Oferecer alternativas de produtos financeiros: como linhas de crédito limitadas ao mercado interno e impedimento de emissão de cartões internacionais.

Essa solução técnica busca contornar as demandas de Smotrich, satisfazendo-o parcialmente ao evitar “recusa total de atendimento”, mas sem ferir as normas europeias e americanas de sanções. Ao mesmo tempo, tenta preservar a reputação do setor bancário israelense, que necessita de acesso aos mercados de capitais internacionais para manter a liquidez e a confiança de investidores estrangeiros.

Implicações jurídicas: soberania nacional versus obrigações extraterritoriais

A proposta de Smotrich de aprovar legislação para obrigar bancos a indenizar colonos cria um dilema jurídico sem precedentes. Em linhas gerais, o sistema bancário israelense mantém corresponsabilidades com a rede Swift e contas de passagem em euros e dólares em bancos europeus. Caso uma lei obriguem instituições locais a contornar sanções extraterritoriais, as alternativas incluem:

  1. Descumprir obrigações internacionais: riscos de sanções secundárias por reguladores europeus e americanos, como multas que variam de dezenas a centenas de milhões de euros ou dólares, bloqueio de operações de câmbio e até exclusão de bancos correspondentes;
  2. Descumprir lei interna: se a Knesset aprovar norma que imponha sanções ou obrigações diretas sobre bancos, as instituições que seguirem sanções estrangeiras ou recusarem atendimento podem ser acionadas judicialmente e obrigadas a pagar indenizações elevadas.

Especialistas em direito constitucional israelense apontam que, caso a questão seja levada ao Supremo Tribunal de Israel, a corte terá de decidir entre:

  • Princípio da supremacia da lei nacional: dar primazia à legislação aprovada pelo Parlamento, mesmo que conflite com regulamentos estrangeiros;
  • Responsabilidade de Estado perante o sistema internacional: impedir que leis nacionais exijam atos que coloquem o sistema financeiro do país em risco e prejudiquem as relações diplomáticas e comerciais.

O desfecho dessa disputa juris­di­cional poderá estabelecer precedentes sobre o alcance do poder legislativo de Israel em relação à interferência de sanções extraterritoriais — tema de relevância crescente em uma era de regulação globalizada.

Repercussões internas: economia, sociedade e opinião pública

No plano doméstico, a ofensiva de Smotrich encontrou apoio considerável entre colonos radicais, que veem o congelamento de contas como parte de uma trama internacional para frear o avanço de assentamentos na Cisjordânia. Pesquisa de instituto local, divulgada em maio de 2025, indica que cerca de 45% dos residentes de assentamentos aprovam a iniciativa de Smotrich de forçar os bancos a reverter bloqueios financeiros, enquanto 35% demonstraram preocupação com retaliações europeias que possam afetar a economia israelense como um todo. O restante da população se mostrou dividida, temendo consequências na estabilidade macroeconômica.

Por outro lado, grandes conglomerados ligados à tecnologia, indústria farmacêutica e agronegócio manifestaram receio de que uma escalada de sanções europeias venha a onerar o custo do crédito e reduzir investimentos externos em corporações israelenses listadas em bolsas de Londres e Frankfurt. Em vídeos informais gravados por executivos de bancos comerciais de grande porte, obtidos por veículos especializados em economia, destacam-se menções a “possíveis perdas de correspondent banking” e “aumento de spreads de financiamento internacional” caso o governo insista em forçar retaliações jurídicas contra bancos que sigam procedimentos de risco zero.

No setor financeiro, executivos e diretores de instituições como Hapoalim e Leumi têm adotado discurso mais cauteloso. Ambos declararam publicamente que “respeitam requisitos legais externos” e enfatizaram a necessidade de “análise acurada de cada caso” para não violar sanções de países parceiros. Ainda assim, fontes internas confirmam que a pressão política se intensificou, com reuniões no Ministério das Finanças cobrando relatórios semanais de eventuais clientes sancionados e propostas de “planos de contingência” para reverter bloqueios.

Implicações para as relações Israel–União Europeia

As sanções contra colonos israelenses inseriram-se em um quadro mais amplo de tensão entre Bruxelas e Jerusalém. Conforme destacado pelo Financial Times, a UE demonstrou “insatisfações crescentes” com as políticas israelenses em Gaza e na Cisjordânia, e iniciou a revisão do Acordo de Associação Israel-UE, que regula comércio, cooperação acadêmica e política externa. Além das sanções a colonos, países como França, Reino Unido e Canadá sinalizaram providências punitivas adicionais caso o governo israelense prossiga com a expansão de assentamentos ou obstrua a ajuda humanitária a Gaza.

Para Europeus, a lei internacional oferece amparo jurídico: resoluções do Conselho de Segurança da ONU e pareceres da Corte Internacional de Justiça qualificam como ilegítima a ocupação de territórios a partir de 1967 e qualquer ação que implique em anexação de fato. Segundo diplomatas da UE ouvidos sob condição de anonimato, Bruxelas avalia criar um painel para monitorar a origem de produtos exportados de assentamentos, impondo tarifas aduaneiras extras a mercadorias originárias dessas áreas. Tais medidas seriam desenhadas para não afetar completamente as exportações israelenses, mas sim atingir diretamente empresas e cooperativas que operam dentro de assentamentos – cenário que tornaria mais custosa a atividade econômica nas regiões ocupadas.

Além disso, a UE sinaliza a possibilidade de recusar financiamento de projetos de pesquisa acadêmica que envolvam instituições israelenses que atuem em universidades localizadas nos assentamentos – uma reação direta às veementes declarações de Smotrich de que “colonos devem ser defendidos contra pressão internacional”.

O contexto humanitário e o clima de guerra

Em segundo plano do debate, mas de relevância premente, está a situação humanitária na Faixa de Gaza, intensificada desde o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 e a retaliação subsequente de Israel. Organizações internacionais acusam Jerusalém de criar barreiras que impedem o fluxo de alimentos, combustíveis e insumos médicos, resultando em crise de abastecimento e risco de colapso de infraestrutura básica. Esses fatos colocaram a UE e outras potências ocidentais em uma posição ambígua: pressionar para a tutela dos direitos humanos, sem romper completamente laços de segurança num região estratégica.

À medida que Smotrich defende que “sanções a colonos são um desserviço ao esforço de paz” e que “o Estado deve proteger seus cidadãos contra interferências”, as potências europeias replicam que a continuidade das políticas de ocupação inviabiliza qualquer retomada de negociações diretas com a Autoridade Palestina. Consequentemente, o impasse bancário reflete um nó político-humanitário: até que ponto a retórica defensiva interna justifica medidas que alimentam o isolamento diplomático de Israel?

Cenários para os próximos meses

O conflito latente entre a ordem legal nacional e as obrigações internacionais cria algumas rotas prováveis de desdobramento:

  1. Mediação técnica pelo Banco de Israel
    • Se o BoI conseguir aprovar diretrizes detalhadas que permitam o atendimento de colonos em contas limitadas a shekels, sem acesso a transações internacionais, Smotrich poderá alegar que “ao menos há canais de atendimento”, evitando—momentaneamente—um choque direto com o sistema bancário.
    • A definição de limites estritos para operações evitaria sanções secundárias europeias e americanas, mantendo a lucratividade dos bancos.
  2. Ação judicial no Supremo Tribunal de Israel
    • Caso a Knesset aprove legislação que obrigue indenizações substanciais, é muito provável que grandes bancos — cujos executivos sinalizam alto grau de apreensão — recorram ao Supremo para contestar a constitucionalidade da norma.
    • O veredito do tribunal poderá estabelecer jurisprudência sobre a hierarquia entre lei nacional e normas extraterritoriais, com repercussão decisiva para setores econômicos que dependem de capital estrangeiro.
  3. Reação europeia escalonada
    • Se Israel insistir em anistiar ou reverter sanções a colonos, é esperado que o bloco europeu concretize medidas mais duras, atingindo um espectro maior de produtos exportados a partir de assentamentos — possivelmente impondo tarifas aduaneiras extras ou suspensão temporária de acordos de livre comércio em determinados setores.
    • A União Europeia pode também congelar verbas de projetos de pesquisa dotados por fundos comunitários que envolvam universidades localizadas em áreas sob ocupação, criando um efeito dominó na cooperação acadêmica e tecnológica.
  4. Intensificação do debate interno e riscos à coesão social
    • A crescente politização do sistema bancário pode gerar protestos internos, tanto de grupos de direitos humanos e oposição de centro-esquerda, quanto de movimentos de colonos que se empenham em campanhas de financiamento paralelo.
    • A fragmentação política poderá enfraquecer a estabilidade da coalizão governamental — liderada por Benjamin Netanyahu, mas influenciada de modo significativo por Smotrich e outros ministros ultra-nacionalistas — em um momento em que a margem para negociações de cessar-fogo ou reabertura de passagens humanitárias para Gaza já se mostra estreita.

Conclusão: O algoz da interdependência entre política e finanças

O impasse sobre o cumprimento das sanções europeias a colonos não é apenas um confronto econômico; é um reflexo das múltiplas tensões que perpassam Israel — entre soberania nacional e exigências do sistema financeiro global; entre ideais expansionistas e obrigações humanitárias; entre retórica de defesa intransigente e receio de isolamento diplomático. Enquanto Smotrich mobiliza o discurso de “unidade nacional contra ingerência estrangeira”, bancos e reguladores alertam para riscos práticos de afastar-se das redes de pagamentos internacionais e de reduzir drasticamente o acesso a capital externo indispensável para a economia local.

A questão pode se decidir, nos próximos meses, tanto pela via das diretrizes técnicas do Banco de Israel, quanto pela atuação do Supremo Tribunal ou pela escalada de retaliações diplomáticas da União Europeia. De toda forma, o confronto serve como um importante alerta: em uma era de interdependência financeira global, nenhuma política doméstica — por mais estratégica ou ideológica que seja — existe isoladamente. O futuro dos assentamentos, do sistema bancário e do equilíbrio político em Israel dependerá, em última análise, da capacidade de seus atores em negociar não apenas no plano interno, mas também de reconhecer limites impostos por tratados e normas internacionais.

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