Trump e Musk: Da Parceria ao Conflito Público – Análise dos Impactos Políticos e Econômicos

Donald Trump e Elon Musk durante coletiva no Salão Oval da Casa Branca em 30 de maio de 2025.
O presidente dos EUA, Donald Trump, e o empresário Elon Musk durante coletiva de imprensa no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, D.C., 30 de maio de 2025. Foto: Nathan Howard/Reuters.

O anúncio de uma ligação entre Donald Trump e Elon Musk, agendada para esta sexta-feira, 6 de junho de 2025, ganha relevo em meio a uma disputa pública que expôs diferenças profundas entre o presidente dos Estados Unidos e o bilionário de tecnologia. A crise teve início quando Musk criticou abertamente o projeto de lei de cortes fiscais e orçamentários defendido por Trump — o “One Big Beautiful Bill Act” — chegando a qualificar o texto como “uma abominação repugnante” e alertando para o risco de ampliar o déficit federal, já superior a US$ 36 trilhões . Em retaliação, Trump ameaçou revisar subsídios e contratos federais concedidos às empresas de Musk — sobretudo Tesla e SpaceX — o que levou a uma queda de mais de 14% no valor de mercado da Tesla num único pregão, eliminando cerca de US$ 150 bilhões em valor de mercado . Neste artigo, analisamos o histórico da aliança Trump–Musk, os eventos que deflagraram a crise, as repercussões políticas e econômicas imediatas e o potencial impacto de médio e longo prazo na indústria automotiva, no setor espacial e na dinâmica interna do Partido Republicano.

Contexto e Escalada do Conflito

Em 5 de junho de 2025, os rumores de atrito entre o presidente Donald Trump e o bilionário Elon Musk se transformaram em um confronto público de grande repercussão. A despeito de décadas de colaboração informal — com Musk tendo investido cerca de US$ 300 milhões na campanha de Trump em 2024 e atuado como uma espécie de “chefe de eficiência governamental” nos bastidores da Casa-Branca —, o relacionamento ruiu após críticas de Musk ao pacote de cortes de gastos e impostos batizado por Trump como “One Big Beautiful Bill Act”. Musk qualificou o texto como “uma abominação repugnante” e advertiu que isso aumentaria significativamente o déficit federal, estimado em US$ 36,2 trilhões.

Dois dias depois, em 7 de junho, a Casa-Branca confirmou o agendamento de uma ligação para sexta-feira, 6 de junho de 2025, na tentativa de reaglutinar o que restava da aliança. Enquanto as conversas ainda não haviam ocorrido no momento em que a notícia foi divulgada, essa chamada foi vista como um gesto de boa vontade para conter o estrago político e econômico que a disputa já provocava.

Histórico da Parceria Trump–Musk

A aproximação entre Trump e Musk começou já em 2023, quando o CEO da Tesla e da SpaceX se mostrou disposto a injetar recursos vultosos na campanha republicana. Após a vitória eleitoral de Trump em novembro de 2024, Musk foi informalmente encarregado de liderar o recém-criado “Department of Government Efficiency” (DOGE), uma estrutura voltada a promover cortes e otimizações no aparato federal. Embora não registrado oficialmente em documentos administrativos, Musk iniciou uma série de reuniões com ministros e assessores para discutir a reorganização de agências, redução de programas de subsídios e remodelagem de contratos estatais .

Em público, Trump exaltava Musk como um parceiro estratégico para rejuvenescer a economia americana com tecnologia de ponta, especialmente ao mencionar planos de produzir em massa veículos elétricos e fortalecer a indústria espacial dos EUA. Ao mesmo tempo, Musk angariava influência em Washington ao aconselhar cortes orçamentários sem distinções setoriais: fazer com que agências como o CFPB e a USAID passassem por reestruturações, questionar subsídios de research labs e instituições acadêmicas que não se alinhassem ao objetivo declarado por ele de “reduzir o déficit a qualquer custo”.

Críticas ao “One Big Beautiful Bill Act” e Ponto de Ruptura

O estopim do racha ocorreu quando Musk, em 28 de maio, publicou no X (antigo Twitter) que o “One Big Beautiful Bill Act” promoveria cortes falhos e agravaria o endividamento federal. Ele insistiu que o texto não oferecia contrapartidas eficazes e chamava a atenção para gastos que, em sua visão, elevavam a dívida de US$ 36,2 trilhões para algo entre US$ 38,6 trilhões e US$ 41,2 trilhões no médio prazo . A crítica reverberou na ala moderada do Partido Republicano, suscitando manifestações de senadores como Rand Paul e Mike Lee, que passaram a questionar a viabilidade do projeto no Senado.

Trump, surpreendido pela repercussão, declarou em 5 de junho na Casa-Branca que estava “muito desapontado” com Musk, deixando claro que não toleraria oposição interna ao seu principal projeto orçamentário. Ao ser questionado sobre a chamada telefônica futura, o ex-presidente reforçou que “sem mim, Trump teria perdido a eleição”, enfatizando o papel de Musk na campanha de 2024, que incluiu doações de quase US$ 300 milhões . Em resposta, Musk replicou no X que Trump demonstrava “ingratidão” e o acusou de ter evitado ler o próprio texto que criticava, rebatendo o comentário de Trump sobre o conhecimento que ele teria do projeto.

Troca de Agressões nas Redes Sociais

No início de junho, Trump recorreu ao Truth Social para afirmar que “a maneira mais fácil de economizar bilhões e bilhões de dólares” seria rescindir subsídios e contratos governamentais de Musk. Entre esses contratos, destacam-se os incentivos fiscais ao comprador de veículos elétricos Tesla e as encomendas da SpaceX para lançamentos de satélites militares e missões tripuladas da NASA. A ameaça explícita de Trump criou apreensão imediata no setor espacial, pois a nave Dragon da SpaceX é atualmente a única capaz de levar astronautas americanos à Estação Espacial Internacional (ISS). Musk chegou a anunciar que, em retaliação, poderia descomissionar a Dragon — o que deixaria a NASA sem alternativa nacional para transporte orbital, recorrendo novamente a veículos russos.

Os mercados reagiram com forte volatilidade: as ações da Tesla despencaram mais de 14% em 5 de junho, eliminando aproximadamente US$ 150 bilhões de valor de mercado num único pregão — o maior recuo absoluto já registrado pela montadora em um dia solo. Na pré-abertura dos mercados europeus em 6 de junho, o papel recuperou 5% após o anúncio da ligação programada entre Trump e Musk, sugerindo que investidores aguardavam um possível arrefecimento das hostilidades.

A Decisão de Revogar a Nomeação de Jared Isaacman

Na mesma semana, Trump surpreendeu colaboradores ao revogar a nomeação de Jared Isaacman – bilionário e aliado próximo de Musk – para ocupar cargo de administrador da NASA. Oficialmente, o ato havia sido apresentado como uma “revisão de prioridades políticas”, mas bastidores em Washington indicam que a medida foi diretamente motivada pelas críticas públicas de Musk ao pacote fiscal. Isaacman era responsável por estreitar o diálogo entre a Casa Branca e a agência espacial, e sua remoção representou uma clara mensagem de que Trump não toleraria dissidências internas de aliados até então privilegiados. A repercussão foi imediata entre especialistas em políticas espaciais, que alertaram para o risco de atrasos em programas da NASA dependentes da parceria com empresas privadas — uma reversão que já vinha sendo sinalizada em reuniões internas desde março, quando Trump determinou restrições maiores à atuação informal de Musk em cargos estratégicos.

Reações no Partido Republicano e na Base MAGA

A disputa entre Trump e Musk evidenciou fissuras internas no Partido Republicano. Uma parte da base “trumpista” tradicional, voltada a pautas conservadoras de defesa, soberania nacional e combustíveis fósseis, via em Musk um aliado potencial para impulsionar a indústria tecnológica americana. Já a ala mais ortodoxa via o magnata do Vale do Silício com reservas, considerando-o muito próximo de interesses oligárquicos e representando um risco à identidade populista de Trump. No bistrô Butterworth’s, ponto de encontro da ala MAGA em Capitol Hill, houve comemoração entre figuras como Raheem Kassam e CJ Pearson, que saudaram o rompimento como a “purificação” do movimento, denunciando Musk como “instável e oportunista” .

Por outro lado, estrategistas republicanos de Brasília e de Nova York manifestaram preocupação com o impacto eleitoral: Musk havia sido responsável por grande parte da “ground game” digital e financeira durante as eleições de 2024 em estados-chave como Pensilvânia, Michigan e Geórgia. Caso ele optasse por cortar investimentos para as eleições de meio de mandato em 2026, calcula-se que cada 1 ponto percentual perdido na influência de bairros mais “midiáticos” poderia custar até três cadeiras no Congresso em disputa . Além disso, protestos do movimento “Tesla Takedown”, iniciado em fevereiro de 2025, pressionavam Musk a reduzir sua exposição política para evitar boicotes às vendas e às ações da Tesla.

Implicações Econômicas e para a Indústria Espacial

A volatilidade nas ações da Tesla, agravada pela retórica antagônica de Trump, repercutiu imediatamente nas contas de investidores. Em 5 de junho, a queda de 14% fez com que a fortuna pessoal de Musk encolhesse em cerca de US$ 33,9 bilhões, segundo estimativa da Bloomberg. Em contrapartida, o movimento de 5% de alta nos primeiros minutos de 6 de junho sugere que o mercado apostava numa possível trégua, mas analistas alertam que danos à confiança de investidores podem persistir por mais tempo, sobretudo se novas crises voltarem a surgir.

No setor espacial, a ameaça de descomissionar a nave Dragon lançou dúvidas sobre a continuidade dos voos tripulados americanos à Estação Espacial Internacional. Caso a NASA ficasse sem alternativa nacional, teria de renovar parcerias com agências estrangeiras, como a Roscosmos da Rússia, gerando atraso em missões críticas do programa Artemis e abrindo espaço para concorrentes internacionais — China (CNSA) e Índia (ISRO) — conquistarem fatias maiores do mercado global de lançamentos. Além disso, planos de expansão de contratos militares, como os relacionados a sistemas de defesa de mísseis e infraestrutura estratégica, dependeriam de negociações tensas entre a Casa Branca e Musk caso o conflito se estendesse.

No mercado automotivo, concorrentes da Tesla, como Ford, General Motors, Rivian e Lucid Motors, começaram a monitorar intensamente possíveis mudanças nos créditos fiscais a compradores de veículos elétricos. Qualquer redução repentina de subsídios poderia reequilibrar a disputa de mercado, beneficiando fabricantes com linhas híbridas ou com forte presença em segmentos de menor custo. Ao mesmo tempo, analistas ressaltam que a própria Tesla pode capitalizar com venda de ativos não essenciais, na tentativa de reforçar caixa caso novas batalhas políticas tragam incertezas prolongadas.

O Que Esperar da Chamada Telefônica e Desdobramentos Futuros

A chamada telefônica entre Trump e Musk, programada para hoje, 6 de junho de 2025, foi inicialmente apresentada como uma tentativa de “estancar a hemorragia” política e econômica. Fontes do governo afirmaram que Trump buscava garantir estabilidade nos contratos da SpaceX com a NASA e com o Departamento de Defesa, ao passo em que Musk pretendia assegurar que os investimentos no programa Apollo XXI (próxima missão tripulada à Lua) e em estruturas críticas para a ISS não seriam ameaçados.

Analistas em Washington acreditam que o diálogo também estande a possibilidade de um acordo de “não-agressão recíproca”: Musk provavelmente moderaria críticas públicas ao “One Big Beautiful Bill Act” em troca de garantias de que Trump não interviria abruptamente em contratos e subsídios vitais aos seus negócios. Porém, especialistas alertam para a volatilidade dos dois protagonistas, ambos com histórico de declarações explosivas e mudanças de posição repentinas.

O médio prazo promete manter a disputa em evidência. As eleições de 2026 se aproximam, e a lealdade de Musk — seja na forma de doações, mobilização digital ou outras influências — poderá ser fator decisivo em estados oscilantes. Caso Musk recue de vez, o Partido Republicano terá de repensar sua estratégia de arrecadação e engajamento com jovens eleitores urbanos. Adicionalmente, reforços regulatórios e investigações do Congresso sobre possíveis conflitos de interesse entre empresas de Musk e agências federais podem emergir nos próximos meses, aprofundando a preocupação de acionistas e legisladores.

Conclusão: O Preço da Influência na Era Digital

A trajetória de parceria entre Trump e Musk, que prometia reinventar a eficiência governamental e impulsionar a tecnologia americana, encontra-se em ponto crítico. A tensão atingiu o ápice ao expor como alianças político-empresariais podem se desfazer em instantes diante de divergências públicas, resultando em efeitos econômicos imediatos — como a queda de US$ 150 bilhões no valor de mercado da Tesla — e ameaçando a estabilidade de contratos fundamentais à estratégia espacial dos EUA.

Se a chamada de 6 de junho consolidar uma trégua duradoura, ambos poderão alinhar interesses para manter patamares mínimos de cooperação, mas a sombra de desconfiança paira sobre qualquer entendimento. Em um cenário em que redes sociais amplificam mensagens em tempo real e grandes fortunas podem se erguer ou ruir com um único tweet, a história Trump–Musk torna-se um case paradigmático sobre a intersecção entre política, mercado e mídias digitais. Nos próximos meses, todas as atenções estarão voltadas aos desdobramentos dessa relação: a força de um bilionário tecnológico frente ao poder presidencial e a capacidade de uma Casa Branca de neutralizar dissidentes internos sem minar a confiança de setores-chave.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*