
Sob as luzes de holofotes e sirenes, Los Angeles tornou-se o epicentro de uma crise constitucional e política de proporções históricas. Centenas de fuzileiros navais dos EUA desembarcaram na cidade na noite de segunda-feira, sob ordem direta do Presidente Donald Trump, marcando uma escalada militar sem precedentes em resposta a protestos contra batidas imigratórias federais. O movimento, descrito pelo governador da Califórnia, Gavin Newsom, como “uma afronta à democracia e à soberania do estado”, ocorre enquanto a agitação civil se espalha por pelo menos dez cidades americanas.
Contexto e Desencadeamento dos Protestos
Na madrugada de 9 de junho de 2025, cerca de 350 dos 700 fuzileiros navais ordenados pelo presidente Donald Trump chegaram ao Aeroporto Internacional de Los Angeles (LAX) para reforçar a segurança de instalações federais, enquanto o restante da tropa desembarcaria ao longo do dia seguinte. A mobilização integra um total de aproximadamente 4.000 soldados da Guarda Nacional já ativados pelo governo federal para conter as manifestações desencadeadas por uma série de operações de imigração em massa realizadas pela Imigração e Alfândega dos EUA (ICE) desde sexta-feira passada.
As manifestações tiveram início em frente ao Metropolitan Detention Center, no centro de Los Angeles, com multidões que ultrapassaram 1.000 pessoas em alguns momentos, segundo estimativas de manifestantes. Em Santa Ana, no Condado de Orange, protestos menores se concentraram em frente ao prédio federal local, enquanto outras mobilizações ocorreram em ao menos nove cidades pelo país — incluindo Nova York, Filadélfia, São Francisco e Austin —, com abordagens policiais que variaram do diálogo até o uso de gás lacrimogêneo e projéteis de borracha.
Desdobramentos Operacionais e Logísticos
A chegada dos fuzileiros surpreendeu autoridades locais: o chefe de polícia de Los Angeles, Jim McDonnell, declarou não ter sido notificado com antecedência, classificando o movimento como “um desafio logístico e operacional significativo” para o LAPD. Unidades da Guarda Nacional formaram barreiras humanas ao redor de prédios federais, enquanto agentes do Departamento de Segurança Interna (DHS) executavam mandados de busca e detenção.
Apesar de a maioria dos protestos ter sido pacífica, incidentes isolados ocorreram: manifestantes lançaram pedras e alguns carros foram incendiados. Em resposta, policiais usaram bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e munições de borracha, resultando em mais de 120 prisões apenas em Los Angeles até a noite de segunda-feira.
Implicações Legais: Posse Comitatus e Lei de Insurreição
O emprego de tropas ativas para fins de policiamento civil é historicamente raro nos EUA, regulamentado pelo Posse Comitatus Act de 1878, que veda — salvo invocação da Lei de Insurreição de 1807 — o uso das Forças Armadas em operações de segurança interna. Até o momento, a Casa Branca afirma que a presença de fuzileiros destina-se apenas à proteção de propriedades federais, sem participação direta nos confrontos com manifestantes.
No entanto, críticos apontam que o presidente não invocou formalmente a Lei de Insurreição, gerando debate jurídico sobre a legalidade da manobra e o risco de precedentes para futuras intervenções militares em protestos civis.
Confronto Político entre Governo Federal e Califórnia
O governador Gavin Newsom ajuizou, em 9 de junho, uma ação federal em San Francisco contestando a ativação da Guarda Nacional e o envio dos fuzileiros, alegando violação da soberania estadual e pedido prévio necessário para tal medida. Em sua conta no X, Newsom acusou o governo federal de “usar Los Angeles como campo de testes político” e de agravar a crise para satisfazer “ego presidencial”.
A prefeita Karen Bass reforçou a crítica, ressaltando que “a maioria absoluta dos manifestantes é pacífica” e advertiu que a militarização das ruas pode intensificar a tensão e desviar recursos da polícia local.
Repercussão Nacional e Internacional
No Congresso, o senador Jack Reed (D-RI), líder democrata na Comissão de Serviços Armados, declarou-se “gravemente preocupado” com a presença de tropas federais em solo americano, lembrando que a intervenção militar em protestos civis rompe com tradições democráticas estabelecidas desde a fundação da república.
Em nível internacional, líderes como o primeiro-ministro australiano Anthony Albanese e ex-oficiais de governos estrangeiros qualificaram a medida de “excessiva” e “antidemocrática”, enquanto organizações de direitos civis preparam novas mobilizações em protesto contra o que consideram a militarização da segurança interna dos EUA.
Impacto nas Comunidades Locais
As comunidades de imigrantes, sobretudo latino-americanas, registram aumento de medo e desconfiança em relação às autoridades, com relatos de vigilância intensificada e dificuldade de acesso a informações sobre familiares detidos. Grupos de apoio jurídico e psicológico mobilizaram voluntários para oferecer assistência às famílias dos detidos.
Líderes sindicais, como David Huerta, do SEIU, foram detidos em confrontos isolados, gerando protestos coordenados de religiosos e ativistas em frente a delegacias locais. Empresários do Centro de Los Angeles também protestaram contra bloqueios e interrupções de trânsito que têm prejudicado o comércio regional.
Perspectivas e Cenários Futuros
Com a ação judicial em andamento e o anúncio da secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, de novas operações de detenção de imigrantes, a tensão permanece elevada. Especialistas em direito constitucional acompanham a possibilidade de a Suprema Corte intervir para delimitar os poderes presidenciais sobre o uso de tropas em solo nacional.
Politicamente, a disputa entre governo federal e Califórnia deverá influenciar as eleições de 2026, com debates centrados em segurança fronteiriça e liberdades civis.
Conclusão
A mobilização de fuzileiros navais e tropas da Guarda Nacional em Los Angeles marca um momento crítico nas relações entre autoridades federais e estaduais, questionando os limites legais do uso de força militar em protestos civis e reafirmando o papel constitucional da liberdade de expressão e reunião pacífica nos EUA contemporâneos.
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