Cúpula da OTAN na Haia: entre o apelo de Trump por mais gastos e a sombra do Irã

Bandeiras da OTAN tremulam antes da cúpula em Haia, Holanda, 23 de junho de 2025.
Bandeiras da OTAN tremulam na entrada do centro de convenções em Haia, onde líderes se reúnem para a cúpula da aliança em 23 de junho de 2025. REUTERS/Yves Herman

Na próxima semana, de 24 a 25 de junho de 2025, 32 países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) estarão reunidos em Haia para uma cúpula com dois grandes imperativos: atender ao exigente apelo do presidente americano Donald Trump por elevação substancial dos gastos militares europeus e lidar com a escalada de tensão no Oriente Médio, após os recentes bombardeios americanos em sítios nucleares iranianos. O encontro de dois dias, marcado pela busca de unidade diante de ameaças russas e instabilidades geopolíticas, ganha contornos imprevisíveis em razão dos desdobramentos no Golfo Pérsico.

O desafio de conquistar Trump

Desde 2017, Trump não cessa de criticar o desequilíbrio nos gastos em defesa, pressionando os aliados a cumprir — e agora ampliar — a meta estabelecida em 2014 de 2% do PIB. Para satisfazer o presidente dos EUA, o rascunho do comunicado final propõe:

  • 3,5% do PIB em “defesa central” (tropas, armas, operações regulares);
  • 1,5% do PIB em “investimentos de segurança”, voltados à adaptação de infraestrutura (rodovias, portos, pontes), proteção de redes críticas e ciberdefesa.

Esse incremento, gradualmente implementado ao longo de dez anos, representaria centenas de bilhões de dólares adicionais ao esforço conjunto — hoje em 2,6% do PIB agregado, equivalente a cerca de US$ 1,3 trilhão em gastos totais, sendo US$ 818 bilhões aportados pelos EUA em 2024. Espanha, porém, já declarou que não seguirá a meta dos 5%: o premiê Pedro Sánchez afirmou que Madrid não planeja elevar seus gastos a esse nível, ainda que tenha ratificado o comunicado.

A Rússia, ameaça persistente — ou secundária?

O objetivo declarado em Haia é também enviar um alerta claro a Vladimir Putin, reafirmando o Artigo 5 do Tratado de Washington (“ataque a um é ataque a todos”). Ainda assim, o texto final conterá apenas uma menção breve à “ameaça russa” e outra ao apoio à Ucrânia, na tentativa de manter Trump engajado e evitar divisões internas. Enquanto líderes europeus veem a Rússia como o maior risco desde a Guerra Fria, Trump tem sinalizado interesse em reaproximação econômica com Moscou, o que inquieta Bruxelas.

O fator iraniano e a imprevisibilidade

Os ataques dos EUA a instalações nucleares iranianas em Fordow, Natanz e Isfahan deram novo fôlego às tensões no Golfo. Teerã já indicou que “retaliações são inevitáveis”. A cúpula deve incluir:

  • Avaliação conjunta de riscos às rotas de energia e à segurança de bases europeias no Oriente Médio;
  • Comentários oficiais de chefes de governo, caso o Irã responda antes ou durante o encontro;
  • Coordenação informal entre ministros de Defesa e Segurança, na véspera, para planejar cenários de escalada.

O governo alemão já confirmou que o Irã será tema de debate na cúpula.

Segurança reforçada e protestos em Haia

Os Países Baixos lançaram a Operação Orange Shield, mobilizando mais de 10.000 militares e policiais, helicópteros de combate, patrulhas marítimas, esquadrões antibombas e sistemas de defesa aérea para proteger o evento. Além disso, desde 23 de junho vigora uma zona de exclusão aérea num raio de 16 km ao redor de Haia, proibindo voos civis — salvo emergências médicas.

Na contramão dessa ostentação, cerca de 5.000 manifestantes se reuniram no dia 22 de junho contra a militarização da OTAN, criticando tanto os novos gastos propostos quanto os recentes ataques ao Irã. O movimento de esquerda e grupos pacifistas organizam um “contra-cúpula” paralelo em defesa da paz e do desarmamento.

Participantes de destaque e ausências

  • Outros líderes: a maioria das capitais europeias enviou chefes de Estado ou de Governo, mas evitou temas potencialmente explosivos nos discursos de abertura — para não desagradar Washington.
  • Donald Trump: confirmado para os dias 24 e 25, mas o programa foi encurtado para atender à sua agenda — inclusive sem a tradicional coletiva conjunta com o secretário-geral Mark Rutte.
  • Volodymyr Zelensky: presente apenas no jantar prévio a portas fechadas, sem vaga na sessão plenária de chefes de Estado, em razão de sua relação conturbada com Trump.
  • Fumio Ishiba (Japão): não participará, optando por reuniões em Tóquio com parceiros indo-pacíficos.

Riscos de coesão e cenários futuros

Caso o comunicado de Haia falhe em demonstrar um compromisso sólido e equilibrado entre enfrentar tanto o desafio russo quanto a nova crise iraniana, a OTAN poderá ser vista como:

  1. Dividida, se os 5% de PIB não tiverem clara trajetória de implementação;
  2. Surpreendida, caso ações iranianas comprometam rotas de energia ou imponham missões de evacuação naval;
  3. Relativa dependente, diante de ameaças de cortes de tropas americanas na Europa — uma hipótese sempre presente em discursos de Trump.

A coesão da aliança será testada nos próximos meses, especialmente na linha de frente dos Bálcãs, Mar do Norte e Mar Cáspio — mas, acima de tudo, no Estreito de Ormuz.

Conclusão

A cúpula da OTAN em Haia emerge num momento de tensões múltiplas: a pressão sem precedentes de Trump por mais gastos, a persistente ameaça russa e a imprevisibilidade de um conflito ampliado no Oriente Médio. A efetividade do encontro dependerá menos de promessas de metas orçamentárias e mais da capacidade de reação imediata a crises — teste decisivo para uma aliança que busca reinventar-se 76 anos após sua criação.

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