A Liderança da China na Zona de Livre de Armas Nucleares do Sudeste Asiático: Implicações e Perspectivas

Mao Ning em coletiva do Ministério das Relações Exteriores da China sobre tratado SEANWFZ
Mao Ning, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, durante coletiva sobre o tratado SEANWFZ em 3 de julho de 2025 (Foto: FMPRC).

A Zona de Livre de Armas Nucleares do Sudeste Asiático (SEANWFZ), formalizada pelo Tratado de Bangcoc em 15 de dezembro de 1995 e vigente desde 28 de março de 1997, proíbe a fabricação, o teste, a aquisição e o trânsito de armas nucleares em toda a região, incluindo plataformas continentais e zonas econômicas exclusivas (EEZ) de seus Estados-Partes. Em 3 de julho de 2025, o porta‑voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Mao Ning, afirmou que Pequim está disposta a “liderar a assinatura” do Protocolo do tratado, posicionando‑se como pioneira entre as potências nucleares reconhecidas, enquanto os Estados Unidos ainda avaliam sua participação. Além disso, com a adoção em maio de 2025 do aditamento ao Tratado para facilitar a adesão de Timor‑Leste, espera‑se que este país, já observador da ASEAN, se torne Estado-Parte até o final do ano, expandindo o alcance político e geográfico da SEANWFZ.

Contexto Histórico e Escopo Jurídico

  • Tratado de Bangcoc (1995/1997): Redigido por dez Estados do ASEAN, o texto proíbe a fabricação, o trânsito e a colocação de armas nucleares na zona, estendendo‑se às águas territoriais, plataformas continentais e EEZs dos signatários.
  • Protocolo das Potências Nucleares: Aberto à assinatura de China, EUA, Rússia, Reino Unido e França, o Protocolo prevê garantias negativas de segurança (não emprego de armas nucleares contra Estados‑Partes) e reforça o arcabouço de não proliferação regional citeturn0search8.
  • Aditamento para Timor‑Leste: Em 25 de maio de 2025, ministros das Relações Exteriores da ASEAN adotaram o draft addendum que permite a Timor‑Leste concluir os trâmites internos e tornar‑se Estado‑Parte até o fim de 2025.

A Posição Singular da China

  1. Assinatura sem Reservas: Desde 1999, a China declarou‑se disposta a assinar o Protocolo sem impor reservas territoriais, desde que não abranja suas próprias zonas marítimas adjacentes.
  2. Política de “Não Primeiro Uso” (NFU): Reiterada em seu Livro Branco de Defesa de 2019, essa doutrina reforça a coerência entre sua postura interna e os compromissos do SEANWFZ.
  3. Interesses Geoestratégicos: Apoiar o tratado fortalece a estratégia A2/AD (negação de acesso) de Pequim no Mar do Sul da China, limitando legalmente a projeção de forças nucleares rivais em águas vizinhas.

Desenvolvimentos Recentes

  • Declarações Oficiais (3 jul 2025): Mao Ning destacou a disposição chinesa em liderar a assinatura, alinhando‑se à Rússia, enquanto os EUA permanecem em análise interna citeturn0news12.
  • Progresso de Timor‑Leste: A ratificação do aditamento em 25/05/2025 e o empenho do governo timorense indicam que o país deve formalizar a adesão ao tratado até dezembro de 2025.
  • Reuniões da Comissão SEANWFZ: No encontro de abril de 2025 em Kuala Lumpur, a Comissão revisou o Plano de Ação 2023‑2027 e debateu detalhes técnicos de implementação, incluindo questões de delimitação de EEZs e operações de verificação.

Comparativo com Outras Potências Nucleares

PotênciaEstado Atual de AdesãoCondições/Relevância
ChinaPronta para assinar sem reservasNFU incondicional; estratégia A2/AD
RússiaInteresse declarado, mas cautelosaDebate interno sobre escopo territorial e transitório
Estados UnidosEm fase de avaliação internaPreocupação em conciliar dissuasão nuclear e alianças (AUKUS)
Reino UnidoSem anúncio oficialSimilar aos EUA, vigilante sobre obrigações de trânsito
FrançaSem anúncio oficialAcompanhando discussões, sem cronograma definido

Impactos Regionais e Desafios

  • Fortalecimento da Não Proliferação: A liderança chinesa pode incentivar outras potências a acelerar suas assinaturas, consolidando o regime normativo.
  • Tensões Normativas: Acordos como AUKUS se veem contrapostos a este regime, gerando “guerras normativas” pela influên­cia estratégica no Indo‑Pacífico.
  • Desafios Técnicos: Delimitação de fronteiras marítimas, definição de portos seguros para inspeção e garantias de trânsito aéreo/marítimo ainda carecem de soluções jurídicas e operacionais detalhadas.

Perspectivas Futuras

  1. Flexibilidade Jurídica: Ajustes territoriais e de trânsito serão cruciais para acomodar diferenças entre potências nucleares.
  2. Diálogo Contínuo: Encontros regulares da Comissão SEANWFZ e fóruns multilaterais (ex.: UNGA) podem facilitar pontes de entendimento e verificação cooperativa.
  3. Compromisso Coletivo: A adesão unânime das cinco potências e de Timor‑Leste oferecerá o maior grau de segurança coletiva já visto em uma zona livre de armas nucleares.

Verificação Técnica

O SEANWFZ não opera isoladamente, mas se integra ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) de 1970 e ao Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT). Enquanto o TNP estabelece o marco global de não proliferação e uso pacífico da energia nuclear, o SEANWFZ reforça essas obrigações a nível regional, proibindo especificamente testes e estacionamentos de armas nucleares no Sudeste Asiático. A eventual ratificação da CTBT pelos Estados-Partes agregaria uma camada adicional de segurança, fechando lacunas que o tratado de Bangcoc não cobre diretamente (testes subterrâneos e subaquáticos).

Voz dos Países do ASEAN

  • Indonésia: Defensora histórica da SEANWFZ, Jakarta apoia fortemente a adesão de todas as potências nucleares, vendo-a como pilar de estabilidade regional.
  • Vietnã: Com memória de guerras químicas e pressões externas, Hanoi destaca a necessidade de mecanismos robustos de verificação e transparência.
  • Malásia: Foca em garantir acesso igualitário a portos para inspeção de embarcações, evitando que cláusulas territoriais criem disparidades operacionais.
    Essas três nações, entre outras, trabalham ativamente na Comissão SEANWFZ para equilibrar interesses de segurança e soberania nacional.

Conclusão

A disposição da China em liderar a assinatura do Protocolo SEANWFZ representa um avanço sem precedentes na segurança coletiva do Indo‑Pacífico. Para capitalizar esse momento, sugere-se a criação de um Grupo Técnico Permanente da ASEAN com representantes das cinco potências nucleares e Estados-Partes do tratado, com o objetivo de:

  1. Harmonizar definições territoriais e de trânsito em documentos detalhados.
  2. Estabelecer procedimentos padronizados de verificação e inspeção portuária/marítima/aérea.
  3. Promover exercícios conjuntos de monitoramento sísmico e radionuclear.
  4. Realizar consultas anuais de alto nível para revisar progresso e adaptar o tratado a novas realidades tecnológicas e políticas.

Esse mecanismo fortaleceria a implementação do SEANWFZ, alicerçando-o como modelo de não proliferação e confiança mútua no século XXI.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*