
Em 8 e 9 de julho de 2025, o presidente francês Emmanuel Macron realizou uma visita de Estado inédita ao Reino Unido — a primeira por um chefe de governo da União Europeia desde o Brexit. Em discurso conjunto às duas Casas do Parlamento britânico, Macron afirmou que “Reino Unido e França devem salvar a Europa”, convocando ambos os países a assumirem uma “responsabilidade especial” pela segurança e prosperidade do continente. Sob o lema de “autonomia estratégica”, defendeu reduzir dependências excessivas de Estados Unidos e China e aprofundar cooperação em defesa, tecnologia e diplomacia.
Raízes históricas e renovação pós‑Brexit
A parceria anglo‑francesa foi forjada nas grandes guerras do século XX e refinada pela “Entente Cordiale” de 1904. Contudo, o referendo de 2016 e a saída formal do Reino Unido em 2020 criaram desentendimentos políticos e econômicos, especialmente em comércio e migração. A visita de Macron, com pompa real e recepções de Estado pelo rei Charles III, simboliza uma tentativa de transformar esse distanciamento em uma relação estratégica renovada.
A urgência da “autonomia estratégica”
Macron alertou que a Europa não pode mais se apoiar exclusivamente na liderança americana — cada vez mais focada no Indo‑Pacífico — nem hesitar frente ao crescente poder econômico chinês. “Precisamos ‘desriscar’ nossas sociedades e economias de dependências excessivas em relação aos EUA e à China”, declarou Macron, frisando: “Não buscamos o confronto, mas a liberdade de decisão”.
Iniciativas e acordos concretos
Durante a visita, foram anunciadas medidas práticas para reforçar a aliança bilateral e europeia:
- Investimento nuclear mútuo: A EDF francesa comprometeu-se com um projeto de £1,1 bilhão em usinas na região de Suffolk, no leste da Inglaterra, ampliando a segurança energética de ambos os países.
- Coalizão para a Ucrânia: França e Reino Unido lideram conversações para criar uma força internacional de manutenção de paz a ser destacada após um futuro cessar‑fogo, combinando tropas europeias e garantias de segurança dos EUA.
- Controle migratório conjunto: Em diálogo com o primeiro‑ministro Keir Starmer, Macron apoiou a proposta britânica de “um entra, um sai” para migrações no Canal da Mancha, reconciliando segurança fronteiriça e solidariedade humanitária. Starmer destacou que essa abordagem “reflete a necessidade de equilíbrio entre compaixão e lei”.
- Intercâmbio cultural: Foi acordado um empréstimo temporário da Tapeçaria de Bayeux ao Museu Britânico, em troca de relíquias históricas inglesas emprestadas à França, reforçando laços culturais e turísticos.
Desafios e resistências
- Atitudes em Westminster: Setores ainda fiéis ao “special relationship” com Washington veem com cautela qualquer movimento para reduzir laços transatlânticos; como disse um parlamentar conservador, “não podemos nos permitir enfraquecer a aliança com os EUA”.
- Reações na UE: Alemanha e Polônia receiam que um “clubismo” franco‑britânico aprofunde assimetrias dentro da UE, especialmente em defesa e migração.
- Opinião pública: Rivalidades esportivas e estereótipos culturais entre britânicos e franceses ainda podem dificultar apoio popular a medidas conjuntas mais ambiciosas.
Potenciais impactos geopolíticos
- Disuasão reforçada: Com ambos os países — únicos detentores de armas nucleares na Europa Ocidental — alinhados em exercícios e inteligência, aumenta-se a credibilidade dissuasória perante ameaças no Leste Europeu.
- Integração ampliada: A aliança pode servir de motor para iniciativas como a Iniciativa Europeia de Intervenção (EI2), atraindo parceiros do European Political Community em segurança cibernética e energia.
- Posicionamento global da Europa: Um bloco franco‑britânico coeso e autônomo amplia o peso europeu em negociações com EUA, China e outras potências, buscando um multilateralismo “mais justo e equilibrado”.
Conclusão
Ao elevar o discurso de “salvar a Europa”, Macron lançou um convite audacioso: transformar velhas rivalidades em uma aliança de vanguarda, capaz de garantir paz, prosperidade e autonomia. Resta saber: será essa a nova “Entente Cordiale” do século XXI, capaz de redefinir o destino estratégico do continente?
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