França e Reino Unido Formalizam Cooperação Nuclear para Fortalecer a Autonomia Estratégica Europeia

Keir Starmer e sua esposa ao lado de Emmanuel Macron e Brigitte Macron caminhando próximos à estátua de Winston Churchill em Londres, em um dia ensolarado.
Keir Starmer e Emmanuel Macron com suas esposas perto da estátua de Winston Churchill em Londres, símbolo histórico da aliança entre Reino Unido e França./ Wikimedia Commons

Na esteira de crescentes tensões geopolíticas e de preocupações sobre a confiabilidade do guarda‑chuva nuclear americano, França e Reino Unido assinaram em 10 de julho de 2025 uma declaração histórica de coordenação de seus arsenais nucleares. Publicado durante a visita de Estado do presidente Emmanuel Macron a Londres, o pacto — apelidado de “Lancaster House 2.0” — estabelece que, embora cada país mantenha soberania total sobre seu arsenal, ambos responderão de forma coordenada a qualquer “ameaça extrema à Europa”.

Contexto Geopolítico

Nas palavras de Macron ao Parlamento britânico, a Europa não pode mais depender exclusivamente de terceiros para sua segurança: “França e Reino Unido devem assumir o comando de sua própria dissuasão”. A guerra na Ucrânia e o reposicionamento estratégico dos EUA sobre sua presença militar europeia reacenderam o debate sobre autonomia estratégica, impulsionando a parceria franco‑britânica.

Termos Principais do Acordo

  1. Resposta Conjunta a Ameaças Extremas: Em caso de ataque nuclear ou agressão de grande escala, os dois países comprometem‑se a atuar em sincronia, garantindo que não haja lacunas na dissuasão europeia.
  2. Quartel‑General Binacional: Criação de uma célula de planejamento nuclear conjunta em Londres, composta por oficiais das Forças Armadas de ambos os países, para exercícios, cenários de crise e treinamento integrado.
  3. Coordenação de Patrulhas Submarinas: Alinhamento dos cronogramas de patrulha dos subs marinhos (Trident II no Reino Unido e M51 na França) para manter cobertura 24/7 das águas europeias e evitar previsibilidade das rotas.
  4. Partilha de Inteligência e Desenvolvimento Tecnológico: Fluxo contínuo de dados de inteligência estratégica e colaboração em sistemas de comando e controle, incluindo proteção contra ciberataques, além de cooperação em mísseis de cruzeiro e de longo alcance.
  5. Harmonização Doutrinária: Consolidação de diretrizes de escalonamento de crise, definindo conjuntamente critérios para emprego nuclear, mas preservando a decisão final nas mãos dos chefes de Estado de cada nação.

Capacidade e Limites dos Arsenalés

  • França: aproximadamente 290 ogivas estratégicas, com componente submarino (M51) e aéreo (bombardeiros Rafale).
  • Reino Unido: cerca de 225 ogivas, todas embarcadas em submarinos Dreadnought, substitutos dos Vanguard.

Apesar do número modesto em comparação à Rússia ou EUA, a coordenação multiplica o efeito dissuasório ao eliminar previsibilidade dos padrões de patrulha e resposta.

Reações e Analistas

O primeiro‑ministro britânico, Keir Starmer, saudou o pacto como “um passo decisivo para a segurança do continente”. Especialistas ressaltam, porém, que a ausência de armas táticas (tactical nukes) cria um vácuo estratégico: até que ponto a Europa poderia responder a um primeiro uso limitado de ogivas de baixa potência pela Rússia?.

Analistas alertam também para a relutância de outros membros da UE em integrar essa dissuasão: embora líderes como Friedrich Merz defendam discussões sobre “nuclear sharing”, a maioria dos aliados não possui capacidade ou vontade política para aderir ao modelo franco‑britânico.

Implicações para a OTAN e o Futuro Europeu

  • Autonomia Estratégica: Europa reduz dependência do guarda‑chuva americano e amplia sua margem de manobra política.
  • Modelo de Compartilhamento Nuclear: O sucesso da cooperação pode inspirar iniciativas de compartilhamento menores, como já ocorre entre EUA, Alemanha e Países Baixos.
  • Pressão Diplomática: Envia sinais claros a Moscou e Washington: a Europa está pronta a assumir responsabilidade plena pela própria defesa.

Desafios e Perspectivas

A implementação completa exigirá aprovações parlamentares em Paris e Londres, além de investimentos bilionários na modernização de submarinos, infraestrutura de comando e sistemas de míssil. Acordos futuros poderão abrir portas para cooperação ampliada com outras nações europeias, embora as barreiras legais do Tratado de Não‑Proliferação permaneçam um obstáculo.

Conclusão

O “Lancaster House 2.0” marca um ponto de inflexão na segurança europeia: pela primeira vez, potências nucleares do continente unem explicitamente seus arsenais para criar uma dissuasão coordenada, sinalizando que a Europa se coloca como protagonista de sua própria defesa em um mundo cada vez mais incerto.

Essa cooperação é mais um capítulo da aliança histórica entre Reino Unido e França, detalhada em nosso artigo(Reino Unido e França: Uma Aliança para “Salvar a Europa”)

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