China se oferece para mediar disputa entre Tailândia e Camboja e reforça protagonismo regional

Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, em reunião diplomática com ministros da ASEAN em Kuala Lumpur, 2025.
Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, durante a reunião com ministros das Relações Exteriores da ASEAN em Kuala Lumpur, Malásia, em 10 de julho de 2025. Foto: People’s Daily Online / Xinhua

Em um movimento diplomático de grande alcance, a China propôs formalmente atuar como mediadora no conflito fronteiriço entre Tailândia e Camboja. A iniciativa foi apresentada pelo chanceler chinê Wang Yi durante a Cúpula do Leste Asiático, realizada esta semana em Kuala Lumpur, Malásia, e sinaliza uma investida de Pequim para expandir sua influência diplomática no Sudeste Asiático.

A proposta surge em meio a crescentes tensões ao longo da fronteira comum entre Tailândia e Camboja, onde nos últimos meses ocorreram uma série de confrontos entre patrulhas militares, disputas sobre marcos territoriais e acusações de incursões ilegais em território soberano. O governo chinês afirmou estar “profundamente preocupado” com a escalada do conflito e se ofereceu para facilitar o diálogo, alegando manter uma posição “objetiva e justa” diante da disputa. “Estamos dispostos a atuar como uma ponte para a paz e a estabilidade, respeitando a soberania de ambas as nações”, declarou Wang Yi em coletiva de imprensa na cúpula.

Interesses regionais e estratégicos

Analistas veem a iniciativa chinesa como parte de uma estratégia mais ampla de consolidar sua presença como ator diplomático central no Sudeste Asiático, especialmente em um momento em que os Estados Unidos tentam reverter o foco de suas relações exteriores para a região Indo-Pacífico. Pequim historicamente manteve boas relações tanto com Phnom Penh quanto com Bangkok, sendo um dos principais parceiros comerciais e doadores de infraestrutura em ambos os países.

Ao propor intermediação, a China não apenas fortalece seu papel regional como fiadora da estabilidade, como também busca garantir a continuidade de seus investimentos em corredores logísticos que cruzam a região, particularmente no âmbito da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI). Vale lembrar que projetos ferroviários e hidroelétricos financiados por Pequim se estendem por territórios sensíveis e próximos à zona de conflito.

Reação das partes envolvidas

O governo cambojano, representado pelo primeiro-ministro Hun Manet, saudou a proposta chinesa como “bem-vinda e construtiva”. Phnom Penh reiterou seu compromisso com soluções pacíficas e afirmou confiar na imparcialidade chinesa para facilitar um ambiente de diálogo. “A China é um parceiro confiável para a estabilidade regional”, disse o ministro das Relações Exteriores do Camboja, Sok Chenda Sophea.

Por outro lado, a Tailândia adotou um tom mais cauteloso. O Ministério das Relações Exteriores tailandês disse que “tomará conhecimento” da proposta e que “qualquer mediação deve respeitar a soberania nacional e as normas da ASEAN”. Internamente, parte do parlamento tailandês manifestou receios quanto à crescente influência chinesa na diplomacia regional. O deputado tailandês Chaiyapol Lertchaipruek afirmou: “Aceitar a China como mediadora é uma decisão sensível; precisamos assegurar que os interesses tailandeses não sejam comprometidos”.

Múltiplas perspectivas regionais

O Vietnã, através de um comunicado de sua missão diplomática na ASEAN, defendeu uma solução baseada no multilateralismo regional, com o envolvimento direto da ASEAN como mediadora. “A estabilidade na região depende de soluções lideradas pelos países do Sudeste Asiático, com base no respeito mtico, com base no respeito m\u00futuo e nos princípios do Tratado de Amizade e Cooperação da ASEAN”, declarou a representante vietnamita Lê Minh Hang. A Indonésia, por sua vez, indicou apoio a um mecanismo diplomático híbrido, combinando iniciativa regional com cooperação de grandes potências.

Novos desenvolvimentos e segurança regional

Fontes diplomáticas presentes na cúpula relataram que o governo do Laos sugeriu a formação de um comitê multilateral com representantes da ASEAN, China e ONU para acompanhar qualquer eventual negociação. Embora a proposta ainda esteja em fase inicial, ela mostra um movimento mais amplo por parte dos países vizinhos de promover soluções regionais com supervisão internacional moderada.

Simultaneamente, grupos de direitos humanos expressaram preocupação com o aumento do contingente militar nas áreas de fronteira e relataram o deslocamento de comunidades cambojanas que vivem em regiões de disputa. Relatórios recentes da Human Rights Watch e da Anistia Internacional apontam para a necessidade de garantir proteção a civis, especialmente populações rurais afetadas por patrulhamentos armados.

Impactos e perspectivas

Especialistas em relações internacionais apontam que a mediação chinesa poderá ter dois efeitos principais: conter uma escalada armada imediata e redefinir os papéis de liderança diplomática na região. No entanto, preocupações quanto à imparcialidade de Pequim persistem, especialmente entre os que veem a China como interessada em controlar fluxos logísticos e redes de segurança.

A ASEAN, por sua vez, permanece dividida quanto ao papel que deve desempenhar. Embora a carta da organização preveja soluções pacíficas de conflitos, a ausência de um mecanismo vinculante de resolução limita sua capacidade de atuação prática.

Conclusão

A proposta chinesa representa um desenvolvimento significativo na geopolítica do Sudeste Asiático. Caso aceita por ambas as partes, poderá pavimentar um novo caminho para a resolução de disputas fronteiriças sob liderança asiática, fora dos eixos tradicionais do Ocidente. No entanto, o sucesso dessa iniciativa dependerá da habilidade de Pequim em se manter equidistante, respeitar a autonomia das nações envolvidas e construir confiança regional em torno de sua diplomacia.

Para entender o pano de fundo das tensões recentes, leia também: Crise Fronteiriça entre Tailândia e Camboja: Análise das Escaladas Militares e Perspectivas Diplomáticas e Crise Política na Tailândia: Tensões Fronteiriças com o Camboja e Reformulação Ministerial de Paetongtarn Shinawatra.

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