Síria se prepara para primeiras eleições legislativas pós-Assad em meio a tensões sectárias e instabilidade política

Vista panorâmica de uma cidade síria ao entardecer, mostrando casas brancas e morros ao fundo sob céu azul limpo.
Panorama urbano da Síria, refletindo a complexa realidade social e geográfica do país às vésperas das primeiras eleições legislativas pós-Assad, previstas para setembro de 2025./ Wyn Sutuntivorakoon

A Síria anunciou oficialmente a realização de suas primeiras eleições parlamentares desde a queda do presidente Bashar al-Assad, marcando um momento histórico e potencialmente transformador para o país devastado por mais de uma década de guerra civil. As eleições estão agendadas para ocorrer entre os dias 15 e 20 de setembro de 2025, em um cenário político marcado por profundas divisões internas, agitação social e tensões sectárias que ameaçam a já frágil estabilidade nacional.

Contexto político: O fim da era Assad e o caminho para a transição

A queda de Bashar al-Assad, que governou a Síria por quase três décadas, deu início a uma nova etapa na história do país, mas não trouxe a estabilidade imediata que muitos esperavam. O regime de Assad colapsou em dezembro de 2024 após pressões militares internas e externas, levando a um vácuo de poder em várias regiões. Desde então, forças locais e internacionais disputam influência, complicando o processo de reconstrução do Estado sírio.

O anúncio das eleições legislativas é visto como um passo fundamental para a formação de um governo legítimo, capaz de reunir representantes de diferentes comunidades e interesses, e estabelecer uma base institucional para a reconstrução política, social e econômica da Síria.

O desafio das eleições em meio a crises sectárias

O processo eleitoral ocorre em um contexto especialmente delicado: recentes confrontos mortais entre as comunidades beduína e drusa na província de Sweida deixaram centenas de mortos e aumentaram as tensões sectárias no país. Essas disputas refletem uma fragmentação social que ainda precisa ser reconciliada para garantir um processo eleitoral livre, justo e representativo.

Quem são os beduínos e drusos?

  • Beduínos: Tribos nômades tradicionalmente encontradas no deserto da Síria, com forte identidade cultural baseada em clãs familiares.
  • Drusos: Minoria religiosa que vive principalmente no sul da Síria, com crenças esotéricas e histórico de isolamento político.

O conflito entre esses grupos foi exacerbado por anos de negligência estatal e disputas territoriais, intensificadas pelo vácuo de poder após a queda de Assad.

Dados quantitativos relevantes

IndicadorNúmero estimadoFonte / Observação
População total da Síria~21 milhõesEstimativa 2025
Número de eleitores registrados12,5 milhõesGoverno interino
Partidos políticos participantes14Incluindo coalizões e independentes
Deslocados internos7,3 milhõesAlto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)
Refugiados sírios no exterior5,9 milhõesPrincipalmente Líbano, Turquia, Jordânia
Mortes estimadas na guerra civil610 milRelatórios independentes e ONGs
Mortes recentes em conflitos sectários (Sweida)300+Relatórios locais, julho 2025
Retorno voluntário de refugiados desde julho 202511 mil+Plano da ONU apoiando retorno seguro

Perspectivas dos sírios: vozes do cotidiano

“Não importa quem ganhe, só queremos paz para criar nossos filhos em segurança. Estamos cansados de medo e violência.”
Mariam, professora em Sweida

“A eleição é uma esperança, mas tenho medo de que os velhos inimigos continuem lutando pelas nossas vidas. Precisa mudar.”
Omar, beduíno, província de Sweida

“Depois de tantos anos longe de casa, voltar parece um sonho. Mas sem estabilidade política, ninguém vai querer ficar.”
Layla, refugiada retornando do Líbano

Esses relatos revelam o anseio por estabilidade, mas também o ceticismo diante de um futuro ainda incerto.

Análise de especialistas

Dr. Hani al-Masri, analista político do Instituto de Estudos do Oriente Médio, aponta:

“Essas eleições são cruciais para a reconstrução do Estado sírio, mas seu sucesso depende da capacidade de inclusão e segurança. O risco de manipulação e de boicote por grupos armados ainda é alto.”

Dra. Fatima Karam, especialista em conflitos sectários da Universidade Americana de Beirute, avalia:

“Sem um processo claro de reconciliação e justiça, as divisões entre beduínos e drusos, e outras minorias, podem se aprofundar, minando a legitimidade do novo Parlamento.”

Michael Thompson, consultor internacional em direitos humanos, destaca:

“O retorno dos refugiados é um indicador positivo, mas é fundamental garantir que esse retorno seja voluntário, seguro e digno, caso contrário as eleições podem refletir uma população deslocada e fragmentada.”

Cenários futuros: riscos e oportunidades

Cenário otimista

As eleições ocorrem de forma relativamente pacífica, com ampla participação popular. Um Parlamento plural emerge, capaz de negociar reformas e iniciar a reconstrução econômica e social. O retorno gradual dos refugiados acelera, e a Síria começa a se reintegrar internacionalmente, com suporte financeiro e político.

Cenário pessimista

Violência sectária e interferência de milícias comprometem o pleito, gerando boicotes e fraudes. O novo Parlamento não representa adequadamente a diversidade nacional, perpetuando a instabilidade. O retorno de refugiados desacelera, e o país se fragmenta ainda mais, com riscos de novas guerras civis regionais.

Cenário intermediário

As eleições são realizadas com desafios de segurança e participação desigual. O Parlamento resulta em um governo de coalizão frágil, que avança lentamente em reformas. Tensões locais permanecem, mas o processo eleitoral cria bases para negociações futuras.

Desafios humanitários e retorno de refugiados

Paralelamente ao processo político, a Síria enfrenta uma grave crise humanitária. Desde 9 de julho de 2025, um plano apoiado pela ONU para encorajar o retorno de refugiados sírios do Líbano registrou mais de 11 mil retornos iniciais, com expectativas de 200 a 400 mil até o fim do ano, oferecendo incentivos financeiros e transporte gratuito. Ainda assim, permanecem mais de 7 milhões de deslocados internos buscando segurança e serviços básicos.

Adicionalmente, o litoral sírio apresentou um novo surto de violência em março de 2025, quando milícias ligadas ao governo cometeram massacres contra comunidades alauítas, resultando em mais de 1.000 mortos nas províncias de Latakia e Tartus.

Conclusão

As eleições legislativas de setembro de 2025 na Síria simbolizam mais do que um simples pleito eleitoral: são um teste crucial para a capacidade do país de superar anos de conflito e reconstruir um Estado democrático e pluralista. O êxito dessa empreitada dependerá da habilidade dos líderes políticos, da cooperação das comunidades e do suporte internacional para garantir um processo justo e inclusivo, que possa finalmente abrir uma nova página na turbulenta história síria.

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