União Europeia entre a Dependência e a Assertividade: Kasparov e Landsbergis em Perspectiva

Fachada de um edifício neoclássico com colunas coríntias e estátuas no topo, com a bandeira da União Europeia tremulando ao vento contra um céu azul claro.
Prédio institucional europeu decorado com colunas clássicas e a bandeira da União Europeia, simbolizando o equilíbrio entre tradição e modernidade na política do bloco.

A União Europeia (UE) enfrenta uma encruzilhada geopolítica decisiva. Em um mundo cada vez mais multipolar, com o avanço de regimes autoritários e o reequilíbrio das grandes potências, o bloco precisa definir seu papel na cena global. Em análises recentes, Garry Kasparov — ex-campeão mundial de xadrez e ativo crítico do autoritarismo russo — e Vytautas Landsbergis — líder histórico da independência da Lituânia e influente voz política europeia — defendem que o futuro da UE passa por uma postura firme, confrontativa e autônoma, em vez de concessões que possam ser interpretadas como fraqueza.

O diagnóstico de Kasparov e Landsbergis

Kasparov destacou em um artigo de 2023 para a revista Foreign Affairs que “a passividade diante do autoritarismo não é apenas ingênua, é perigosa”. Landsbergis, em discurso na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa em 2024, afirmou que “a União Europeia deve deixar de lado a hesitação e enfrentar os desafios com uma estratégia clara e sem concessões”.

Perda de poder político: Ambos apontam que a UE vem cedendo influência diante de potências autoritárias, sobretudo Rússia e China, e que sua tradicional dependência estratégica dos Estados Unidos limita sua capacidade de ação autônoma.

Riscos da política de concessões: Para Kasparov e Landsbergis, negociações excessivamente conciliatórias podem incentivar ainda mais a agressividade desses regimes, minando a credibilidade europeia e fragilizando o sistema internacional baseado em regras democráticas.

Caminho da autonomia estratégica: Defendem investimentos robustos em defesa comum, cooperação de inteligência e medidas coordenadas para resistir a ameaças híbridas (ciberataques, desinformação, coerção econômica).

O contexto atual da UE

Embora ainda centralizada na OTAN e na aliança transatlântica, a Europa iniciou avanços rumo à autonomia estratégica:

  • Estratégia Compass de Segurança e Defesa (21 de março de 2022): Gradualmente implementada por meio de um roteiro aprovado pelo Conselho em junho de 2024, com metas até 2025 para desenvolver capacidades conjuntas e interoperabilidade militar.
  • Permanent Structured Cooperation (PESCO): Com participação da maioria dos Estados-membros da UE, contempla mais de 60 projetos, como sistemas de vigilância remota, logística unificada e defesa cibernética, com primeiros resultados previstos para 2025.
  • Fundo Europeu de Defesa: Criado em 2021, já financiou inovações em drones e cibersegurança, estimulando cadeias produtivas estratégicas no continente.
  • Instrumento de Anti-Coerção: Em dezembro de 2023, a UE acionou pela primeira vez esse mecanismo para responder a barreiras chinesas às exportações de painéis solares, demonstrando disposição de retaliação legalmente embasada.
  • Lei da Indústria de Microchips (European Chips Act): Lançada em setembro de 2023, com previsão de investimento de até €43 bilhões para reduzir a dependência externa em semicondutores e fortalecer a soberania tecnológica até 2030.

Desafios persistentes

Diversidade de interesses nacionais: Estados-membros apresentam visões divergentes sobre ritmo e profundidade da integração em defesa e política externa, com casos notórios em negociações sobre gás natural e relações com a China.

Burocracia e processos decisórios lentos: O princípio da unanimidade em algumas áreas representa um gargalo para respostas rápidas.

Dependência econômica: A China permanece como um dos principais parceiros comerciais da UE, especialmente em eletrônicos e matérias-primas, aumentando a vulnerabilidade do bloco.

Pressão russa e crise ucraniana: A guerra iniciada em fevereiro de 2022 intensificou a urgência de fortalecer a defesa europeia, revelando lacunas operacionais e logísticas.

Panorama dos gastos militares da UE e metas da OTAN

Em 2023, a média dos gastos militares da UE foi de cerca de 1,3% do PIB, abaixo da meta mínima de 2% estabelecida pela OTAN. Para atingir a nova meta da aliança — que propõe 3,5% do PIB para defesa central e mais 1,5% para infraestrutura e segurança relacionadas —, o bloco precisaria aumentar seus investimentos em cerca de 2% do PIB, o equivalente a aproximadamente €360 bilhões anuais.

Esse desafio é agravado pela diversidade de prioridades nacionais, restrições orçamentárias e a complexidade burocrática europeia. Um aumento gradual, com compromisso firme de alcançar pelo menos 2% até 2027, alinhado com iniciativas como o Strategic Compass, pode ser um caminho realista para fortalecer a autonomia estratégica da UE.

Pontos de convergência com Durão Barroso

José Manuel Durão Barroso, ex-presidente da Comissão Europeia, alertou recentemente que a UE não pode se comportar como um “adolescente geopolítico” diante das grandes potências, reforçando a necessidade de amadurecimento político e coesão interna para alcançar autonomia estratégica efetiva. Essa visão converge diretamente com Kasparov e Landsbergis, pois todos defendem uma Europa que atue de forma madura, coesa e assertiva. Para um aprofundamento neste tema, veja também nosso artigo Durão Barroso alerta: União Europeia não pode ser “adolescente geopolítico” diante da China.

Recomendações e perspectivas

  1. Fortalecer o quadro institucional: Revisar a regra da unanimidade em áreas-chave, adotando voto qualificado para decisões de segurança e defesa.
  2. Acelerar investimentos em capacidades militares próprias: Destinar pelo menos 2% do PIB da UE a projetos conjuntos de defesa até 2027, com aumento progressivo conforme o panorama orçamentário.
  3. Aprimorar mecanismos contra ameaças híbridas: Criar um centro europeu de cibersegurança e ampliar programas de alfabetização midiática contra desinformação.
  4. Diversificar parcerias comerciais e tecnológicas: Consolidar acordos com democracias sólidas em tecnologia, energia e infraestrutura, reduzindo vulnerabilidades.
  5. Manter diálogo estratégico com os EUA: Fortalecer a aliança transatlântica, mas sem abrir mão de iniciativas políticas e militares independentes.

Conclusão

O diagnóstico de Kasparov e Landsbergis reforça que a União Europeia se encontra em um momento crítico. A combinação de ameaças autoritárias, desafios híbridos e a busca por autonomia estratégica exige uma resposta firme e coordenada. Integrar visões como a de Durão Barroso, que adverte contra a imaturidade geopolítica, amplia o leque de soluções, apontando para um bloco mais resiliente, coeso e preparado para defender valores democráticos e interesses comuns.

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