Europa diante do impasse: a ausência de um plano de contingência caso os EUA recuem na Ucrânia

Edifício residencial danificado e em chamas após ataque aéreo russo em agosto de 2025, com bombeiros no local.
Edifício atingido por ataque russo em 18 de agosto de 2025. Bombeiros trabalham para controlar o incêndio e socorrer moradores.

Bruxelas vive um dilema estratégico. Embora governos europeus tenham ampliado substancialmente o apoio financeiro e militar à Ucrânia — e hoje, em vários recortes, já superem os EUA —, a União Europeia ainda não apresenta um plano de contingência claro para um cenário em que Washington reduza fortemente seu papel. O risco é real o suficiente para estar no centro das conversas em Washington, enquanto líderes europeus acompanham Volodymyr Zelensky para pressionar por garantias mínimas de segurança e evitar concessões territoriais a Moscou.

Apoio expressivo, mas sem estratégia unificada

A avaliação dominante entre analistas é que, apesar de a Europa ter elevado sua contribuição total desde 2022, falta uma arquitetura de resposta independente caso os EUA se afastem. Em coluna publicada hoje, a Reuters Breakingviews aponta que países europeus já somam cerca de US$ 49 bilhões em apoio (com a cifra americana em US$ 30 bilhões nesse recorte), e mesmo assim o bloco não tem um plano crível para substituir o papel estratégico dos EUA — especialmente em dissuasão, inteligência e equipamentos de ponta. O texto também nota que a ajuda europeia recente em armamento passou a rivalizar e até superar a norte-americana, sem que isso se traduza em autonomia operacional.

Em perspectiva cumulativa desde 2022, estimativas do Kiel Institute compiladas pela Reuters indicavam que a Europa já liderava o apoio total (financeiro, militar e humanitário), com cerca de €132 bilhões, à frente dos €114 bilhões dos Estados Unidos até março de 2025 — um dado que reforça a tendência, ainda que não resolva o déficit de planejamento estratégico.

Missões de paz, presença direta — e as linhas vermelhas

Entre cenários ventilados em capitais europeias está o envio de uma força de manutenção da paz sob bandeira europeia para zonas afastadas do combate intenso — ideia controversa e ainda sem consenso. A Breakingviews observa que há divisão interna e relutância dos EUA em participar de algo do gênero, o que limitaria a eficácia da iniciativa e seu poder de dissuasão. Em paralelo, discute-se ampliar entregas de munição, defesa antiaérea e capacidades industriais de reposição, mas isso não resolve o vácuo político-militar de uma eventual retração americana.

O tabuleiro político: quem lidera o quê

As fissuras dentro da UE seguem nítidas: bálticos e Polônia defendem postura mais dura; outros governos mantêm reservas sobre qualquer envolvimento direto que possa escalar o conflito. Documentos de trabalho em Bruxelas já aventaram elevar a ajuda militar europeia a €40 bilhões em 2025, ponderando repartição “conforme o peso econômico” de cada país — uma meta ambiciosa que exigiria coordenação política rara.

Washington hoje: pressão por “paz rápida” e reação europeia

O contexto imediato aumenta a urgência. Neste 18 de agosto de 2025, Zelensky se reúne na Casa Branca com Donald Trump acompanhado de líderes europeus — entre os quais Emmanuel Macron, Keir Starmer, Giorgia Meloni, Ursula von der Leyen e o secretário-geral da OTAN — numa demonstração de unidade para impedir que Kiev seja empurrada a abrir mão de território ou de garantias de segurança críveis. Reportagens de bastidores descrevem Trump pressionando por um acordo rápido após encontro com Vladimir Putin no Alasca, incluindo sinais de que Washington desejaria que a Ucrânia desista da OTAN e de reverter a anexação da Crimeia, posições que Kiev rejeita.

O que está em jogo para a credibilidade europeia

Sem um plano B, a Europa arrisca:

Credibilidade externa — proclamar “autonomia estratégica” sem capacidade de sustentação prática enfraquece a posição do bloco.

Coesão interna — divergências entre capitais alimentam paralisia decisória.

Estabilidade regional — um acordo que recompense agressão territorial afetaria não só a Ucrânia, mas o cálculo de segurança no Báltico e no Mar Negro.
Esses pontos aparecem de forma recorrente nas análises de hoje, com o lembrete de que compromissos de gasto de defesa rumo a 2035 não resolvem o curto prazo.

Caminhos realistas de contingência (o que falta fechar)

A UE vem expandindo sua produção de munições e armamentos, buscando industrializar a munição — produção e compras agregadas com contratos plurianuais — para reduzir sua dependência dos EUA. Esse esforço é detalhado em nossos relatórios mais recentes — Expansão Acelerada da Produção de Armamentos na União Europeia: Estratégia, Investimentos e Desafios e Investimentos Estratégicos da Apollo Global Management na Europa: Defesa, Inteligência Artificial e Infraestrutura — que mostram novos contratos, fábricas estratégicas e investimentos internacionais no setor de defesa

Comando político claro para qualquer missão de estabilização — quem autoriza, quem lidera, regras de engajamento e extração.

Garantias de segurança a Kiev que sobrevivam a ciclos eleitorais, combinando defesa aérea, treino e interoperabilidade com OTAN, ainda que a adesão plena siga distante.

Mecanismo financeiro permanente (tipo “Ukraine Facility” reforçado) blindado contra vetos episódicos.
Esses elementos aparecem dispersos em documentos e comunicados, mas não estão consolidados num pacote de contingência único — o cerne da crítica feita hoje por analistas.

Conclusão: entre a hesitação e a necessidade

A União Europeia está diante de um teste definidor. Mesmo liderando o aporte total à Ucrânia desde 2022 e ampliando a ajuda militar recente, o bloco não tem ainda uma resposta de prontidão para um recuo americano. Se a prioridade é evitar um “acordo ruim” que premiaria a agressão russa, Bruxelas precisará fechar um plano operacional — financeiro, militar e político — que não dependa de Washington para funcionar. Sem isso, a retórica de autonomia continuará vulnerável às circunstâncias da Casa Branca.

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