
Em um cenário de crescente complexidade geopolítica na Ásia, a Coreia do Sul sinalizou oficialmente sua intenção de normalizar e aprofundar relações com a China. O presidente sul-coreano, Lee Jae Myung, enviou um enviado especial a Pequim com uma carta pessoal convidando o presidente chinês, Xi Jinping, para participar da cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), prevista para outubro. Essa iniciativa busca fortalecer os laços econômicos e políticos entre os dois países, após um período de tensões diplomáticas e comerciais.
Contexto Geopolítico
Historicamente, a relação entre a Coreia do Sul e a China tem sido marcada por altos e baixos. Em 2017, a decisão de Seul de instalar o sistema de defesa antimísseis Terminal High Altitude Area Defense (THAAD), em colaboração com os Estados Unidos, gerou uma reação negativa por parte de Pequim, que considerou o sistema uma ameaça à sua segurança estratégica. China exigiu repetidamente que a Coreia do Sul desmontasse o THAAD, mas Seul manteve sua posição, considerando-o essencial para sua defesa nacional.
Além disso, a crescente competição tecnológica entre os dois países, especialmente no setor de semicondutores, tem sido uma fonte de tensão. A Coreia do Sul depende significativamente de matérias-primas raras provenientes da China para a fabricação de chips avançados. Em 2024, aproximadamente 47,5% desses insumos críticos vieram da China, expondo Seul a riscos caso Pequim decida restringir o fornecimento desses materiais.
Áreas de Cooperação
A normalização das relações entre os dois países foca em várias áreas estratégicas:
- Cadeias de Suprimento: Fortalecer a integração em cadeias produtivas regionais, particularmente em tecnologia, semicondutores e energia, visando aumentar a resiliência econômica diante de crises globais.
- Investimentos Bilaterais: Facilitar investimentos mútuos, incluindo acordos de proteção de investimentos e incentivos para setores estratégicos. Em 2024, os compromissos de investimento direto da China na Coreia do Sul atingiram um recorde de US$ 6,79 bilhões, superando os dos Estados Unidos.
- Diálogo Político e Diplomático: Estabelecer canais de comunicação direta para discutir questões de segurança regional, como a situação na Península Coreana e disputas no Mar do Leste da China.
Implicações Regionais e Globais
A aproximação entre Seul e Pequim ocorre em um contexto geopolítico mais amplo:
- Competição EUA-China: A aproximação entre Seul e Pequim sinaliza uma tentativa de equilibrar a influência americana e chinesa na Península Coreana.
- Estabilidade Econômica Regional: A normalização pode facilitar o comércio e os investimentos no Sudeste Asiático e na Ásia-Pacífico, reforçando a resiliência econômica diante de crises globais.
- Segurança Regional: Uma maior cooperação diplomática com a China pode oferecer à Coreia do Sul mais margem de manobra nas negociações com a Coreia do Norte, permitindo abordagens mais flexíveis e multilateralismo na segurança regional.
Além disso, a aproximação entre a Coreia do Sul e a China ocorre em um momento de crescente colaboração trilateral com o Japão. Em março de 2025, os ministros das Relações Exteriores da China, Japão e Coreia do Sul se reuniram em Tóquio para discutir questões regionais e internacionais, reafirmando seu compromisso com o comércio aberto e baseado em regras e a cooperação através dos mecanismos ASEAN+3.
Desafios e Riscos
Apesar das oportunidades, a normalização enfrenta obstáculos significativos:
- Pressão dos EUA: A aliança militar e estratégica com Washington pode limitar o grau de aproximação que Seul poderá alcançar sem gerar atritos com os Estados Unidos. Em agosto de 2025, o presidente Donald Trump exigiu que a Coreia do Sul aumentasse sua contribuição para os custos de defesa para até US$ 10 bilhões, o que gerou tensões na relação bilateral.
- Sensibilidade Interna: Há resistência política interna na Coreia do Sul quanto a uma aproximação muito rápida com Pequim, devido a preocupações com a autonomia nacional e questões históricas.
- Tensões Regionais: Disputas territoriais e políticas com países vizinhos, como Japão e Taiwan, podem complicar negociações multilaterais envolvendo China e Coreia do Sul.
Conclusão
A iniciativa de normalização das relações entre a Coreia do Sul e a China representa um passo estratégico crucial em um cenário geopolítico cada vez mais complexo. Ela demonstra uma abordagem pragmática de Seul: equilibrar interesses econômicos, alianças estratégicas e estabilidade regional. Se bem-sucedida, essa abertura poderá redefinir a influência da Coreia do Sul na Ásia-Pacífico e consolidar um modelo de diplomacia que prioriza cooperação econômica e segurança regional, sem comprometer alianças históricas.
A cúpula da APEC em outubro será o teste definitivo desta nova fase nas relações entre Seul e Pequim, e todos os olhos internacionais estarão voltados para como esses dois protagonistas moldarão o futuro da Ásia.
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