União Europeia apresenta texto final do acordo com o Mercosul após 25 anos de negociações

Bandeiras da União Europeia e do Mercosul lado a lado, simbolizando o acordo de livre-comércio.
Bandeiras da União Europeia e do Mercosul lado a lado: símbolo do novo acordo de livre-comércio.

A Comissão Europeia apresentou nesta terça-feira (2) aos Estados-membros o texto final do aguardado acordo de livre-comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, bloco que reúne Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Trata-se de um marco histórico nas relações comerciais internacionais, resultado de mais de duas décadas de negociações complexas e frequentemente interrompidas por impasses políticos, ambientais e econômicos.

Se aprovado, o pacto criará uma das maiores zonas de livre-comércio do mundo, abrangendo cerca de 700 milhões de consumidores e representando quase 20% do PIB global.

25 anos de negociações e obstáculos

As primeiras conversas entre os blocos remontam a 1999, mas rapidamente encontraram resistências. De um lado, a UE demonstrava preocupação com padrões ambientais e trabalhistas na América do Sul, além da pressão de agricultores europeus temerosos de perder espaço para a competitividade de produtos agropecuários do Mercosul. Do outro, países sul-americanos viam barreiras tarifárias e subsídios agrícolas da União Europeia como entraves ao livre-comércio.

Ao longo dos anos, mudanças de governo tanto na América Latina quanto na Europa, crises econômicas e disputas geopolíticas atrasaram a conclusão do texto. Em 2019, houve um anúncio preliminar de entendimento, mas pressões ambientais, especialmente relacionadas às queimadas na Amazônia, fizeram com que alguns Estados-membros da UE congelassem a ratificação.

Agora, com um texto final revisado e pronto para análise, o acordo volta ao centro do debate europeu.

O que prevê o acordo

O tratado prevê uma redução progressiva de tarifas em setores estratégicos:

  • Exportações do Mercosul para a UE: o bloco terá cotas anuais para exportar 99 mil toneladas de carne bovina, além de maiores aberturas para frango, açúcar e etanol.
  • Exportações da UE para o Mercosul: tarifas de até 35% sobre automóveis serão eliminadas gradualmente, abrindo espaço para montadoras europeias competirem em igualdade. Produtos farmacêuticos, químicos e equipamentos industriais também terão acesso facilitado.
  • Sustentabilidade: cláusulas ambientais obrigam os países a cumprirem compromissos do Acordo de Paris, além de estabelecer mecanismos de monitoramento sobre desmatamento e práticas de produção.
  • Compras governamentais e serviços: empresas de ambos os blocos poderão disputar licitações públicas em condições mais transparentes.

Divergências políticas entre países

O caminho até a ratificação, no entanto, promete ser turbulento. França e Irlanda já sinalizaram forte resistência, alegando que o acordo ameaça a sobrevivência de seus agricultores e não garante proteção ambiental suficiente. A Áustria também tem adotado posição crítica.

Em contrapartida, Brasil, Argentina e Uruguai defendem o pacto como estratégico para aumentar exportações agrícolas e atrair investimentos. Na Europa, Espanha e Portugal têm pressionado por uma aprovação rápida, argumentando que o acordo reforça os laços históricos e culturais entre os continentes.

Impactos econômicos esperados

Especialistas avaliam que o acordo pode impulsionar o PIB dos países envolvidos em até 125 bilhões de euros nas próximas duas décadas. Para o Mercosul, abre-se a oportunidade de diversificar exportações, reduzindo a dependência da China e dos EUA. Já para a UE, trata-se de ampliar sua influência econômica em uma região estratégica e contrabalançar a crescente presença chinesa na América Latina.

Contudo, há setores que temem perdas. Agricultores franceses, irlandeses e poloneses já manifestaram preocupação com a entrada de carne bovina sul-americana, geralmente mais barata. Do lado do Mercosul, a indústria automotiva e farmacêutica enfrenta o risco de perder espaço diante da concorrência europeia mais avançada tecnologicamente.

O impacto para os consumidores

Além das implicações macroeconômicas, consumidores comuns sentirão os efeitos do acordo. A expectativa é de queda nos preços de produtos importados, maior variedade nas prateleiras e aumento da competitividade. No Mercosul, isso pode significar acesso facilitado a medicamentos e carros europeus. Já na Europa, a oferta de alimentos tropicais, carnes e bebidas deve se tornar mais ampla e acessível.

Um pacto estratégico em tempos de transição global

A apresentação do texto final ocorre em um momento em que a geopolítica global passa por mudanças aceleradas. A guerra na Ucrânia, as tensões comerciais entre EUA e China e a busca por cadeias de suprimentos mais resilientes aumentaram o interesse europeu por diversificar parceiros econômicos.

Para o Mercosul, o acordo representa a chance de romper o isolamento e ganhar maior protagonismo no comércio internacional, em um cenário no qual outros blocos, como a Ásia-Pacífico, avançam em tratados de livre-comércio.

Próximos passos

Os próximos meses serão decisivos. A Comissão Europeia agora submete o texto aos governos nacionais e ao Parlamento Europeu, onde certamente haverá intenso debate político e lobby de setores interessados. No Mercosul, a aprovação também passará pelos congressos nacionais, exigindo consenso entre países que, historicamente, enfrentam diferenças de prioridades econômicas.

Se confirmado, o acordo UE–Mercosul será o maior tratado de livre-comércio já assinado pela União Europeia e um divisor de águas para as relações entre Europa e América do Sul. Sua implementação poderá redefinir cadeias produtivas, influenciar políticas ambientais e redesenhar alianças estratégicas no século XXI.

Conclusão

O acordo entre União Europeia e Mercosul simboliza não apenas um pacto econômico, mas também uma disputa de visões sobre comércio, sustentabilidade e integração internacional. A decisão final caberá aos parlamentos, que terão de equilibrar interesses nacionais, pressões sociais e o peso geopolítico de uma parceria que pode remodelar relações entre dois continentes nas próximas décadas.

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