China cria reserva natural em área disputada do Mar do Sul da China, ampliando tensões regionais

Vista aérea do Scarborough Shoal no Mar do Sul da China, mostrando recifes e lagoa interna
Imagem de satélite do Scarborough Shoal, atol disputado entre China e Filipinas no Mar do Sul da China. A reserva natural criada pela China em 2025 reforça a presença chinesa na região estratégica.

A China anunciou na quarta-feira (10) a criação de uma reserva natural nacional em Scarborough Shoal — conhecido em chinês como Huangyan Dao — um recife de enorme importância estratégica localizado no Mar do Sul da China, região disputada também pelas Filipinas. A medida, apresentada como um passo para a preservação ambiental, reforça na prática a reivindicação de soberania de Pequim sobre um dos pontos mais sensíveis das rotas marítimas internacionais.

Um ponto estratégico no tabuleiro global

Scarborough Shoal é um pequeno recife, mas com peso desproporcional na geopolítica:

  • Está localizado próximo a rotas por onde circula anualmente cerca de US$ 3,5 trilhões em comércio marítimo;
  • Possui ricas áreas de pesca, vitais para as economias locais;
  • É considerado potencialmente rico em recursos energéticos e minerais;
  • Funciona como um posto avançado militar, capaz de ampliar o raio de ação da China sobre o Pacífico Ocidental.

Desde 2012, a área tem sido palco de confrontos frequentes entre navios chineses e filipinos. Em agosto de 2025, uma colisão entre embarcações da marinha e da guarda costeira chinesa resultou em mortes, intensificando a instabilidade regional.

A estratégia chinesa: ambientalismo como instrumento de poder

Pequim apresentou a iniciativa como um esforço para “proteger a biodiversidade e a estabilidade do ecossistema marinho”. No entanto, analistas apontam que a criação de reservas naturais em áreas disputadas tem dupla função:

  1. Legitimação da presença chinesa — ao instalar um regime de proteção ambiental, Pequim consolida controle administrativo sobre o território.
  2. Pressão sobre vizinhos — a restrição de atividades pesqueiras sob justificativa ambiental pode afetar diretamente comunidades filipinas que dependem da área.
  3. Narrativa internacional — a China busca se apresentar como defensora da sustentabilidade, contrapondo sua imagem militarizada no Mar do Sul da China.

Essa estratégia não é inédita. O país já usou medidas semelhantes em outras áreas disputadas, como forma de reforçar a soberania de fato, ainda que contestada juridicamente.

Base jurídica em disputa

O anúncio ocorre em um contexto no qual a legalidade da reivindicação chinesa já foi desafiada. Em 2016, o Tribunal Permanente de Arbitragem, em Haia, decidiu a favor das Filipinas, rejeitando a chamada “linha de nove traços” usada pela China para justificar sua soberania sobre a maior parte do Mar do Sul da China.

Pequim, no entanto, recusou-se a reconhecer a decisão e seguiu expandindo sua presença militar e administrativa na região, como agora, com a criação da reserva. Esse histórico mostra que o novo movimento se insere em um padrão de afirmação gradual de soberania, desafiando tanto o direito internacional quanto a pressão diplomática ocidental.

Reações regionais e internacionais

A decisão já começou a repercutir:

  • Filipinas: o governo filipino declarou que a criação da reserva “viola sua soberania” e prometeu acionar fóruns internacionais para contestar a medida. Manila também reforçou a importância da aliança militar com os Estados Unidos para garantir a segurança marítima.
  • Estados Unidos: Washington reafirmou que não reconhece reivindicações unilaterais no Mar do Sul da China e destacou seu compromisso em defender a liberdade de navegação na região. O Pentágono classificou a decisão chinesa como um “ato coercitivo disfarçado de preservação ambiental”.

Outros países do Sudeste Asiático, como Vietnã e Malásia, observam com preocupação, temendo que a medida estabeleça um precedente perigoso para outras áreas disputadas.

O dilema filipino

Para Manila, a criação da reserva natural é um duplo desafio:

  • Ambiental: o país historicamente defende a proteção da biodiversidade marinha, mas vê sua própria soberania ameaçada.
  • Geopolítico: precisa equilibrar o enfrentamento à China com a dependência econômica do comércio regional, sem abrir mão da aliança militar com os EUA.

Esse dilema reflete a vulnerabilidade dos Estados do Sudeste Asiático, muitas vezes pressionados a escolher entre Pequim e Washington.

O que está em jogo

A iniciativa chinesa vai além de uma simples política ambiental. Ela pode:

  • Intensificar disputas militares na região;
  • Reforçar o papel da China como potência marítima capaz de moldar normas e práticas ambientais em áreas contestadas;
  • Testar os limites da resposta dos EUA e de seus aliados;
  • Colocar à prova a resiliência diplomática da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), frequentemente dividida diante da assertividade chinesa.

Conclusão

A criação de uma reserva natural em Scarborough Shoal mostra como a China utiliza instrumentos não militares — como o discurso ambiental — para fortalecer sua posição em disputas territoriais estratégicas. O gesto, apresentado como uma medida de preservação, tem implicações profundas para a segurança regional, a soberania filipina e o equilíbrio de poder no Indo-Pacífico.

Mais uma vez, o Mar do Sul da China se confirma como um dos epicentros da geopolítica global, onde meio ambiente, comércio, segurança e poder militar se entrelaçam em um jogo de alta complexidade.

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