Acordo EUA–Vietnã Redesenha o Tabuleiro Comercial Asiático

Trabalhador opera máquina automática de corte de tecido em fábrica de roupas na província de Thai Nguyen, Vietnã, em 2 de julho de 2025.
Um operário manuseia uma máquina automática de corte de tecido em uma fábrica de vestuário na província de Thai Nguyen, no Vietnã, em 2 de julho de 2025. Nhac Nguyen/AFP via Getty Images/via CFR.org

Em um movimento que atraiu olhares de outros parceiros comerciais e de Pequim, os Estados Unidos e o Vietnã anunciaram em 2 de julho de 2025 a conclusão de um entendimento sobre um novo acordo de comércio bilateral. A negociação, conduzida nas semanas que antecederam o aumento planejado de tarifas norte‑americanas em 9 de julho, marca mais um capítulo na estratégia de Washington de usar barreiras tarifárias para renegociar termos de suas relações comerciais globais.

Principais Termos do Acordo

Embora nenhuma declaração conjunta com o texto integral tenha sido divulgada, o presidente Donald Trump expôs, em postagem na plataforma Truth Social, os principais pontos:

  • Redução de tarifas dos EUA: as alíquotas inicialmente previstas em 46% sobre diversos bens vietnamitas serão ajustadas para 20%.
  • Regra de transbordo (“transshipment”): produtos originários da China, mas enviados aos EUA via Vietnã, estarão sujeitos a alíquotas de 40%, coibindo práticas de desvio tarifário.
  • Isenção vietnamita de tarifas: o Vietnã concorda em eliminar todos os tributos de importação sobre produtos norte‑americanos, garantindo acesso preferencial a setores como o automotivo de grande cilindrada.

Esse quadro busca não apenas estimular o comércio bilateral, mas também dificultar mecanismos de contorno tarifário que beneficiam exportações chinesas.

Reação de Pequim e Implicações Geopolíticas

O governo chinês manifestou-se nesta manhã dizendo estar “avaliando” o pacto e criticou qualquer acordo que prejudique seus interesses. A cláusula de transbordo é percebida como um recado claro de que Washington pretende diversificar suas cadeias de suprimento fora do território chinês, alinhando-se à estratégia de “desacoplamento” tecnológico e manufatureiro.

No contexto mais amplo, o acordo com Hanói reforça a tática americana de reduzir a dependência da China, enquanto posiciona o Vietnã como um parceiro-chave no Sudeste Asiático.

Perspectiva de Outros Parceiros Comerciais dos EUA

Com o cronograma de tarifas elevadas se aproximando, governos em negociações com Washington acompanham atentamente o desfecho:

  • União Europeia: a comissária de Comércio, Valdis Dombrovskis, está em Washington desde 1º de julho para discutir a redução de tarifas. Fontes da UE indicam divergências internas sobre o ritmo e a profundidade dos cortes.
  • Índia e Japão: Nova Déli busca assegurar melhores condições para farmacêuticos e produtos agrícolas, enquanto Tóquio encerrou uma rodada de conversas sem consenso definitivo em 30 de junho.

A eficácia dos EUA em oferecer termos competitivos dependerá de quão disposta está a flexibilizar suas tarifas em troca de compromissos setoriais.

Impactos Setoriais e Econômicos

  • Vietnã: manufatura têxtil, eletrônica, calçados e siderurgia — que compõem cerca de 30% das exportações para os EUA — serão diretamente beneficiados pela redução tarifária.
  • EUA: o mercado vietnamita ficará mais aberto a veículos de grande porte, equipamentos agrícolas, semicondutores e produtos químicos, antes limitados por tarifas elevadas.

Especialistas apontam que menores barreiras tarifárias podem incrementar o comércio bilateral em até 15% nos próximos 12 meses, segundo projeções do Instituto Peterson de Economia Internacional.

Repercussão de Mercado

Nas primeiras horas após o anúncio, o VN‑Index de Hanói avançou 2,4%, refletindo o otimismo de investidores locais com o acesso ampliado ao mercado americano. No mesmo período, o dólar americano valorizou-se 1,1% frente ao dong vietnamita, à medida que expectativas de maiores volumes de exportação impulsionaram a demanda pela moeda norte‑americana.

Contexto da Política Comercial Americana

Além do entendimento com Hanói, outras iniciativas recentes de Washington incluem:

  • Relaxamento de restrições de exportação à China: três empresas de design de semicondutores foram liberadas de pedir autorização prévia para vender software em solo chinês.
  • Ações na OMC: os EUA têm recorrido a queixas formais para contestar subsídios estrangeiros, reforçando o uso de tarifas como instrumento de barganha.

A “globalização seletiva” defendida por Shannon K. O’Neil, do Council on Foreign Relations, ressalta que parcerias confiáveis exigem equilíbrio entre proteção doméstica e abertura.

Declaração Oficial do Vietnã

Em nota divulgada pelo Ministério da Indústria e Comércio do Vietnã, Hanói afirmou que o acordo “reflete o espírito de cooperação estratégica e respeito mútuo”, ressaltando a importância de garantir estabilidade e previsibilidade para investidores de ambos os países.

Desafios e Próximos Passos

  • Verificação de regras de origem: será crucial monitorar e fiscalizar o trânsito de mercadorias para impedir fraudes.
  • Propriedade intelectual: embora não mencionada explicitamente por Trump, negociações paralelas tratam de reforçar salvaguardas para tecnologia de ponta.
  • Ratificação legislativa: o Congresso dos EUA deverá analisar as disposições acordadas; prevê‑se um voto preliminar ainda em julho.

Com o aumento tarifário previsto para 9 de julho, a formalização do texto e a definição de datas de implementação serão determinantes para evitar incertezas nos mercados.

Conclusão

O pacto EUA–Vietnã vai além do comércio: é um indicador de como a geopolítica moldará os fluxos econômicos na próxima década. À medida que Washington busca parceiros estratégicos para reduzir sua dependência da China, países como o Vietnã ganham papel central na reconfiguração das cadeias globais de valor. A efetividade desse modelo dependerá do rigor na implementação das regras acordadas e da capacidade de manter o equilíbrio entre interesses comerciais e objetivos geopolíticos.

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