
No nosso último artigo, “Congo e Ruanda apresentam rascunho de proposta de paz para o leste congolês”, falamos sobre a inicialização do texto do acordo por equipes técnicas em Washington. Agora, em 27 de junho de 2025, os ministros das Relações Exteriores de Ruanda e da República Democrática do Congo (RDC) formalizaram o pacto no Departamento de Estado dos EUA, sob a mediação direta do Secretário de Estado Marco Rubio. Este acontecimento suscita esperanças de fim às hostilidades que mataram milhares e deslocaram centenas de milhares de civis só neste ano.
Contexto Histórico e Ciclo de Violência
- Genocídio de 1994 e Guerras Congolesas: As raízes do atual conflito remontam ao genocídio em Ruanda e às duas guerras do Congo (1996-2003), que envolveram múltiplas potências regionais e grupos armados.
- Ascensão do M23: No início de 2025, o grupo rebelde M23, apoiado por Kigali, avançou sobre Goma e áreas mineradoras, provocando cerca de 3.000 mortes e meio milhão de deslocados.
- Recursos Naturais como Motor de Guerra: A competição pelo “cinturão do cobalto” e pelas reservas de coltan, lítio e ouro intensifica as hostilidades, com atores internacionais buscando influência econômica e geopolítica.
Principais Cláusulas do Acordo
- Cessação Imediata das Hostilidades e respeito à integridade territorial de ambos os Estados.
- Retirada de Tropas Ruandesas do leste da RDC em até 90 dias a partir da assinatura.
- Desarmamento e Integração Condicional de grupos não estatais, inclusive FDLR, sob supervisão conjunta.
- Mecanismo Conjunto de Segurança para combater milícias transfronteiriças.
- Plano de Cooperação Econômica Regional, com estímulos a investimentos norte-americanos em infraestrutura e mineração de minerais estratégicos.
Novas Negociações sobre Recursos Minerais
Paralelamente, negociações avançam entre o governo da RDC e Gentry Beach, empresário texano aliado de Donald Trump, visando concessões no controverso complexo de minas de coltan de Rubaya. Um consórcio liderado por sua empresa America First Global, em parceria com a suíça Mercuria, busca investir mais de US$ 500 milhões para desenvolver o projeto com a mineradora estatal Sakima. Essa iniciativa faz parte da estratégia norte-americana de assegurar suprimentos de minerais críticos e contrabalançar a influência chinesa na região.
Interesses Geopolíticos
- EUA: Desejo de fortalecer laços comerciais, garantir cadeia de suprimentos de tecnologias verdes e aumentar influência na África Austríaca.
- China e Outras Potências: Observam atentamente, pois o acesso a minerais como cobalto e niobium é essencial para baterias e eletrônicos.
Desafios à Implementação
- Exclusão do M23: O principal grupo rebelde não participou diretamente das negociações e já manifestou reservas quanto ao acordo.
- Verificação e Fiscalização: Falta um corpo de monitoramento independente e capacitado para certificar a retirada de tropas e o cumprimento de prazos.
- Justiça de Transição: O texto público do acordo carece de detalhes sobre mecanismos de responsabilização por abusos de direitos humanos, devolução de terras e reparação às vítimas.
Reações Oficiais
- Ruanda (Min. Olivier Nduhungirehe): Saudou o acordo como “um ponto de inflexão após 30 anos de guerra” e destacou a importância de cadeias de valor regionais.
- RDC (Min. Thérèse Kayikwamba Wagner): Reconheceu o avanço diplomático, mas cobrou “mais do que promessas” para mulheres e crianças deslocadas.
- EUA (Sec. Marco Rubio): Definiu o momento como “histórico para a paz e o desenvolvimento no Grande Lagos”.
Perspectivas Futuras
- Acordo Econômico Complementar: Espera-se um segundo pacto focado em infraestrutura, comercio e integração energética, possivelmente sob a égide da Comunidade da África Oriental.
- Mobilização de Financiamento: Crucial a entrada de multilaterais (Banco Mundial, Banco Africano de Desenvolvimento) e capital privado para reconstrução.
- Reintegração Social: Programas de desarmamento e reinserção de ex-combatentes serão fundamentais para a estabilidade de longo prazo.
Conclusão
O acordo assinado em Washington representa uma conquista diplomática sem precedentes, unindo Ruanda e RDC em compromissos concretos de paz. Contudo, sua efetividade dependerá da inclusão de todos os atores – especialmente o M23 –, de mecanismos robustos de verificação e de garantias de justiça e desenvolvimento para as populações afetadas. O êxito desse pacto poderá reconfigurar a geopolítica regional e assegurar aos EUA um papel central na segurança e no mercado de minerais críticos para tecnologias futuras.
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