
A União Europeia deu um passo pioneiro ao implementar o AI Act em 1º de agosto de 2024, estabelecendo um marco regulatório inovador baseado na avaliação de riscos para a inteligência artificial. Conforme o cronograma oficial, as obrigações para os modelos de IA de uso geral (GPAI) entram em vigor em 2 de agosto de 2025, enquanto as regras para sistemas considerados de alto risco passam a valer a partir de 2 de agosto de 2026. No entanto, em 2 de julho de 2025, 44 CEOs de grandes empresas europeias — incluindo Airbus, BNP Paribas, Carrefour e Philips — enviaram uma carta aberta solicitando o adiamento em dois anos das principais obrigações do AI Act, argumentando que as normas são complexas, pouco claras e sobrepostas, o que pode prejudicar a competitividade e a inovação no continente. Para agravar a incerteza, a Comissão Europeia adiou a publicação do tão aguardado Código de Prática (AI Code of Practice), inicialmente previsto para 2 de maio de 2025, para agosto de 2025, prolongando o período sem diretrizes operacionais definitivas.
Contexto e importância da regulamentação
O AI Act é o primeiro regulamento horizontal e vinculante sobre IA no mundo, fundamentado em quatro níveis de risco — proibido, alto risco, risco limitado e risco mínimo — e estabelece obrigações proporcionais ao grau de potencial dano. A iniciativa visa criar um mercado único digital harmonizado, garantir a segurança dos sistemas de IA e proteger direitos fundamentais, sem inibir o dinamismo tecnológico que caracteriza o setor na Europa.
Histórico e cronograma de implementação
- 1 de agosto de 2024: Entrada em vigor do regulamento, sem aplicação imediata de requisitos práticos.
- 2 de novembro de 2024: Prazo final para Estados‑membros identificarem autoridades responsáveis por direitos fundamentais.
- 2 de fevereiro de 2025: Entraram em vigor as proibições de usos proibidos (como sistemas de pontuação social), obrigações de letramento em IA e transparência para certos chatbots.
- 2 de maio de 2025: (original) prazo para publicação dos Códigos de Prática pelo Executivo europeu.
- Agosto de 2025: (novo) previsão para entrega do Código de Prática, segundo decisão recente da Comissão.
- 2 de agosto de 2025: Aplicação das regras a modelos de IA de uso geral e início dos processos de notificação de organismos terceiros.
- 2 de agosto de 2026: Vigor para sistemas de alto risco, com exigências de avaliação de conformidade, documentação técnica e auditorias periódicas.
Pedido de adiamento pelos CEOs
Em carta aberta endereçada à presidente Ursula von der Leyen, 44 líderes empresariais europeus solicitaram um “stop‑the‑clock” de dois anos para as principais obrigações do Ato de IA. Alegam:
- Ambiguidade técnica: ausência de padrões claros para avaliações de risco e testagem de robustez.
- Sobrecarga regulatória: complexidade dos requisitos de governança, registro e auditoria desproporcional às capacidades de PMEs.
- Competitividade: receio de migração de investimentos para EUA e China, onde o ambiente regulatório é percebido como mais estável.
Principais argumentos do setor privado
- Falta de diretrizes operacionais: Sem o Código de Prática, muitas empresas não sabem como estruturar seus processos de compliance.
- Custo de conformidade: Estudos internos apontam despesas que podem chegar a 1–2% do faturamento anual em empresas intensivas em IA.
- Desproporcionalidade para PMEs: Enquanto grandes grupos dispõem de equipes jurídicas e técnicas dedicadas, startups temem barreiras de entrada ao mercado.
Posição da Comissão Europeia
A Comissão, por meio de seu porta‑voz Thomas Regnier, reafirmou o compromisso de não alterar os prazos legais definidos pelo Regulamento (UE) 2024/1689, publicado em 12 de julho de 2024. Em paralelo, lançou o AI Pact, um programa voluntário de preparação que oferece webinars, troca de boas práticas e suporte técnico para facilitar o cumprimento antecipado de algumas exigências.
Desdobramentos políticos e institucionais
O tema mobiliza tanto o Conselho quanto o Parlamento Europeu:
- Estados‑membros: Polônia e Hungria mostraram‑se favoráveis a um adiamento condicionado à entrega de planos de ação; França e Alemanha adotam tom mais cauteloso, defendendo ajustes pontuais sem postergar obrigações centrais.
- Parlamento Europeu: Sessões de “trilogue” devem retomar discussões sobre possíveis simplificações até o fim de julho de 2025, sem descartar emendas restritivas ou de alivio regulatório pontual.
Perspectivas e cenários futuros
- Manutenção integral dos prazos: reforço de programas de capacitação e atualização dos Códigos de Prática para agosto de 2025.
- Adiamento parcial: extensão apenas para obrigações de GPAI até agosto de 2027, mantendo 2026 para alto risco.
- Revisão legislativa: menos provável, mas possível diante de forte consenso político e pressão de grandes economias, exigiria nova proposta de Regulamento.
Conclusão
O embate entre a urgência regulatória da UE e as demandas de clareza operacional do setor empresarial ilustra a complexidade de governar tecnologias em ritmo acelerado. O sucesso do AI Act dependerá não só de sua solidez jurídica, mas da capacidade de adaptação mútua entre reguladores e mercado. Nos próximos meses, a definição sobre o “stop‑the‑clock” estabelecerá o tom para a competitividade europeia em IA e poderá influenciar modelos regulatórios globais para a próxima década.
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