Alemanha ameaça medidas contra Israel por Gaza

Chanceler alemão Friedrich Merz em coletiva de imprensa conjunta com o primeiro-ministro da Finlândia, em Turku, 27 de maio de 2025.
O chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, participa de uma coletiva de imprensa ao lado do primeiro-ministro finlandês, em Turku, Finlândia, em 27 de maio de 2025. Foto: Lehtikuva/Roni Rekomaa via REUTERS.

Em um movimento inédito, a Alemanha elevou o tom contra Israel nesta semana, ameaçando adotar medidas concretas – inclusive a suspensão de exportações de armamentos – caso continue o avanço militar em Gaza que, segundo Berlim, viola o direito internacional humanitário. Essa mudança de postura representa uma das mais duras críticas de um governo alemão ao princípio da Staatsräson (“razão de Estado”) mantido em relação a Israel desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Breve histórico da “Staatsräson”

A política alemã de “Staatsräson” — ou “razão de Estado” — foi formalizada em 2008, quando a então chanceler Angela Merkel, em visita ao Knesset, afirmou que a segurança de Israel era de “interesse nacional alemão”. Essa doutrina, nascida do compromisso moral de reparar a herança da Alemanha nazista, sustenta um vínculo especial com o Estado de Israel, abrangendo cooperação política, econômica e militar. Até agora, críticas abertas à conduta israelense eram cuidadosamente moduladas para não ferir esse princípio. A advertência recente do ministro Johann Wadephul, de que Berlim “não irá fornecer armamentos que possam ser usados para violar direitos” e de que conversará ainda hoje com o colega israelense Gideon Sa’ar, sinaliza um reordenamento sem precedentes nos fundamentos da política externa alemã.

Contexto sobre as exportações de armas

A Alemanha figura entre os dez maiores exportadores de armamentos do mundo. Entre 2000 e 2023, forneceu a Israel submarinos Dolphin, veículos blindados, componentes de artilharia e sistemas de defesa aérea. Especialistas alertam que uma suspensão de entregas alemãs teria um efeito dominó no mercado global de armas, levando possivelmente outros países da OTAN a reavaliarem seus próprios acordos com Tel Aviv. Além do impacto geopolítico, a paralisação de contratos em curso — estimados em centenas de milhões de euros — poderia gerar disputas bilaterais e custos tecnológicos elevados para a indústria alemã.

Mudança de tom e pressões internas

Desde os ataques de 7 de outubro de 2023, provocados pelo Hamas, Berlim vinha reafirmando o direito de defesa de Israel. Porém, a escalada de bombardeios massivos em Gaza, o bloqueio a suprimentos vitais e o agravamento da crise humanitária levaram o chanceler Friedrich Merz a qualificar as ações como “incompreensíveis” e “sem lógica estratégica”. Internamente, o SPD (júnior na coalizão) pressionava por uma suspensão de armas, temendo complicidade em crimes de guerra, enquanto 51% da opinião pública alemã já se opõe às exportações para Israel.

Implicações Geopolíticas

  1. Relações Alemanha-Israel: A tradicional aliança pós-Holocausto enfrenta seu maior teste desde 1945; a suspensão de sistemas defensivos abre brecha para crise diplomática.
  2. Coesão Europeia: Em 28 de maio de 2025, o Conselho de Assuntos Externos da UE revisará a política comum em relação a Israel, sob coordenação do Alto-Representante Josep Borrell. A Alemanha atua como fiadora de um movimento mais crítico, alinhado a manifestações de Londres, Paris, Ottawa e até de Dublin, que anunciou proibição de importações dos territórios ocupados como forma de pressionar por respeito humanitário.
  3. Mediação em curso: As negociações em Doha, ainda vivas apesar do colapso da trégua de março, podem ganhar fôlego com o envolvimento de Berlim e outros países europeus dispostos a condicionar o apoio ao cessar-fogo efetivo.

Impacto Humanitário

Monitoramento da ONU indica que mais de 2 milhões de habitantes de Gaza enfrentam fome, falta de água potável e colapso de serviços médicos. Relatórios da OCHA e da Human Rights Watch descrevem uma “catástrofe humanitária” potencialmente irreversível, com crianças e idosos entre os mais vulneráveis.

Reações Internacionais

  • Estados Unidos: Mantêm diálogo discreto com Tel Aviv, reafirmando apoio à segurança israelense, mas aumentando a ênfase em minimização de baixas civis.
  • Nações Unidas: O secretário-geral António Guterres tem intensificado apelos por cessar-fogo e ampliação de corredores de ajuda.
  • Organizações de Direitos Humanos: Demandam uso do peso político europeu para exigir respeito ao Direito Internacional Humanitário.

Conclusão

A decisão de Berlim de condicionar seu apoio histórico a Israel a critérios humanitários e legais marca uma virada estratégica. Rompe-se com a rigidez da Staatsräson ao admitir que a segurança bilateral está sujeita ao cumprimento das normas que protegem civis. O desenrolar desse impasse, com negociações em Doha, debates no seio da UE e conversas diretas entre Merz, Wadephul e Netanyahu, pode redefinir não apenas as relações euro-israelenses, mas também servir de precendente para como democracias ocidentais equilibram legados históricos com obrigações éticas e legais em conflitos modernos.

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