Alemanha avalia retorno do serviço militar obrigatório para reforçar suas forças

Ministro da Defesa da Alemanha Boris Pistorius falando em coletiva de imprensa conjunta durante reunião do Grupo Europeu dos Cinco Ministros da Defesa na sede da Força Aérea Italiana em Roma, maio de 2025.
Ministro da Defesa alemão Boris Pistorius fala em coletiva conjunta durante reunião do Grupo Europeu dos Cinco Ministros da Defesa, Roma, 16 de maio de 2025. Foto: REUTERS/Eloisa Lopez.

À medida que a Bundeswehr enfrenta sérias dificuldades de recrutamento voluntário, o ministro da Defesa, Boris Pistorius, não descarta reintroduzir o serviço militar obrigatório a partir de janeiro de 2026. A medida visa suprir o déficit de 100.000 soldados necessário para atender às obrigações assumidas pela NATO após a invasão da Ucrânia em 2022.

Pressão da aliança e necessidades estratégicas

Desde 2022, a Alemanha comprometeu-se a ampliar significativamente suas capacidades militares. No modelo atual, baseado em alistamento voluntário, as adesões têm sido insuficientes, colocando em risco o cumprimento da meta de pessoal definida pela NATO. O comandante da Divisão de Segurança Interna, Andreas Henne, ressalta que, além de otimizar infraestrutura e equipamentos, é crucial intensificar o ritmo de recrutamento para manter a prontidão operacional.

Novo modelo híbrido e reativação de reservistas

Segundo o plano delineado por Pistorius, o alistamento continuará voluntário inicialmente, mas poderá tornar-se compulsório “se tivermos mais vagas do que inscrições”. O projeto em discussão também inclui a reativação massiva dos reservistas, abordagem destacada pela Associated Press como parte do esforço para reforçar rapidamente o efetivo sem depender apenas de novos recrutas.

Contexto orçamentário e constitucional

Em março de 2025, o Bundestag aprovou uma amenda constitucional (“Schuldenbremse”) que isenta os gastos de defesa acima de 1% do PIB de limites orçamentários e cria um fundo especial de €500 bilhões para infraestrutura e segurança, garantindo recursos ilimitados para equipar e expandir a força militar alemã. Essa manobra, capitaneada pelo chanceler Friedrich Merz (CDU), simboliza ruptura histórica com a austeridade fiscal e sinaliza compromisso de longo prazo com a segurança europeia.

Debate político e repercussões sociais

A proposta gera divisão no governo de coalizão: a CDU/CSU, liderada por Merz, defende vigorosamente o retorno da convocação como “investimento em defesa nacional”, enquanto o SPD, partido de Pistorius, ainda enfatiza o voluntariado e ressalta a importância de oferecer alternativas civis para quem desejar contribuir sem ingressar nas fileiras militares. Analistas apontam que a eventual obrigação de serviço pode reacender discussões sobre liberdade individual, igualdade de tratamento e o papel das Forças Armadas na sociedade alemã.

A opinião pública também se mostra dividida. Uma pesquisa publicada em maio de 2025 pelo instituto YouGov Alemanha mostra que 52% dos alemães apoiam o retorno do serviço militar obrigatório, enquanto 38% se opõem e o restante se diz indeciso. O apoio é particularmente maior entre os eleitores da CDU/CSU e nas regiões do Leste alemão, onde há maior valorização da segurança nacional como política pública.

Comparação internacional: modelos em evolução na Europa

A Alemanha não está sozinha nesse movimento. Nos últimos anos, outros países europeus retomaram ou adaptaram o serviço militar obrigatório diante de novas ameaças estratégicas:

  • Suécia: reintroduziu a conscrição em 2017 após a crescente presença militar russa no Báltico.
  • Lituânia: A Lituânia reintroduziu a conscrição em 2015, como reação à anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, focando na defesa territorial.
  • Noruega: mantém um modelo híbrido, com conscrição obrigatória para ambos os sexos, mas com critérios de seleção baseados em aptidão e motivação.

Esses modelos têm servido como referência informal para o Ministério da Defesa alemão, especialmente o sueco, que combina flexibilidade operacional com forte base de apoio popular. A principal lição observada por Berlim é que a conscrição moderna não precisa ser total ou rígida: ela pode ser seletiva, eficiente e adaptada aos tempos atuais.

Caminho legislativo e cenários futuros

  • Intensificação do voluntarismo: campanha de atração de jovens com programas de tecnologia militar e missões internacionais.
  • Modelo seletivo (à la “Suécia”): convocação apenas para setores deficitários, mantendo parte do serviço em caráter voluntário.
  • Retorno total: lei aprovada até dezembro de 2025, com implementação integral a partir de 1º de janeiro de 2026.

O projeto de lei tramita no Bundestag e deve ser votado ainda neste semestre, com debates previstos também no Bundesrat. A decisão final dependerá da evolução das adesões voluntárias até o fim de 2025 e de ajustes de última hora no texto, conforme pressão da opinião pública e de aliados na NATO.

Conclusão


A possível reintrodução do serviço militar obrigatório na Alemanha marca uma inflexão significativa na política de defesa do país e reflete a crescente percepção de ameaça no cenário geopolítico europeu. Diante da escalada das tensões com a Rússia e das crescentes exigências da NATO, Berlim se vê pressionada a fortalecer sua capacidade militar — ainda que isso signifique reverter decisões tomadas há mais de uma década.

Mais do que uma medida logística, o retorno ao alistamento obrigatório levanta debates sobre valores democráticos, responsabilidade cívica e o papel das forças armadas em uma sociedade moderna. Ao mesmo tempo, envia uma mensagem política clara: a Alemanha está disposta a romper com o passado recente de desmilitarização e adotar uma postura mais assertiva na defesa da Europa.

A decisão final dependerá de uma combinação entre dados de recrutamento, vontade política e apoio popular. Mas, se aprovada, a medida pode representar uma virada histórica na política de defesa da maior economia da União Europeia — com reflexos diretos para o equilíbrio estratégico do continente.

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