
À medida que a Bundeswehr enfrenta sérias dificuldades de recrutamento voluntário, o ministro da Defesa, Boris Pistorius, não descarta reintroduzir o serviço militar obrigatório a partir de janeiro de 2026. A medida visa suprir o déficit de 100.000 soldados necessário para atender às obrigações assumidas pela NATO após a invasão da Ucrânia em 2022.
Pressão da aliança e necessidades estratégicas
Desde 2022, a Alemanha comprometeu-se a ampliar significativamente suas capacidades militares. No modelo atual, baseado em alistamento voluntário, as adesões têm sido insuficientes, colocando em risco o cumprimento da meta de pessoal definida pela NATO. O comandante da Divisão de Segurança Interna, Andreas Henne, ressalta que, além de otimizar infraestrutura e equipamentos, é crucial intensificar o ritmo de recrutamento para manter a prontidão operacional.
Novo modelo híbrido e reativação de reservistas
Segundo o plano delineado por Pistorius, o alistamento continuará voluntário inicialmente, mas poderá tornar-se compulsório “se tivermos mais vagas do que inscrições”. O projeto em discussão também inclui a reativação massiva dos reservistas, abordagem destacada pela Associated Press como parte do esforço para reforçar rapidamente o efetivo sem depender apenas de novos recrutas.
Contexto orçamentário e constitucional
Em março de 2025, o Bundestag aprovou uma amenda constitucional (“Schuldenbremse”) que isenta os gastos de defesa acima de 1% do PIB de limites orçamentários e cria um fundo especial de €500 bilhões para infraestrutura e segurança, garantindo recursos ilimitados para equipar e expandir a força militar alemã. Essa manobra, capitaneada pelo chanceler Friedrich Merz (CDU), simboliza ruptura histórica com a austeridade fiscal e sinaliza compromisso de longo prazo com a segurança europeia.
Debate político e repercussões sociais
A proposta gera divisão no governo de coalizão: a CDU/CSU, liderada por Merz, defende vigorosamente o retorno da convocação como “investimento em defesa nacional”, enquanto o SPD, partido de Pistorius, ainda enfatiza o voluntariado e ressalta a importância de oferecer alternativas civis para quem desejar contribuir sem ingressar nas fileiras militares. Analistas apontam que a eventual obrigação de serviço pode reacender discussões sobre liberdade individual, igualdade de tratamento e o papel das Forças Armadas na sociedade alemã.
A opinião pública também se mostra dividida. Uma pesquisa publicada em maio de 2025 pelo instituto YouGov Alemanha mostra que 52% dos alemães apoiam o retorno do serviço militar obrigatório, enquanto 38% se opõem e o restante se diz indeciso. O apoio é particularmente maior entre os eleitores da CDU/CSU e nas regiões do Leste alemão, onde há maior valorização da segurança nacional como política pública.
Comparação internacional: modelos em evolução na Europa
A Alemanha não está sozinha nesse movimento. Nos últimos anos, outros países europeus retomaram ou adaptaram o serviço militar obrigatório diante de novas ameaças estratégicas:
- Suécia: reintroduziu a conscrição em 2017 após a crescente presença militar russa no Báltico.
- Lituânia: A Lituânia reintroduziu a conscrição em 2015, como reação à anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, focando na defesa territorial.
- Noruega: mantém um modelo híbrido, com conscrição obrigatória para ambos os sexos, mas com critérios de seleção baseados em aptidão e motivação.
Esses modelos têm servido como referência informal para o Ministério da Defesa alemão, especialmente o sueco, que combina flexibilidade operacional com forte base de apoio popular. A principal lição observada por Berlim é que a conscrição moderna não precisa ser total ou rígida: ela pode ser seletiva, eficiente e adaptada aos tempos atuais.
Caminho legislativo e cenários futuros
- Intensificação do voluntarismo: campanha de atração de jovens com programas de tecnologia militar e missões internacionais.
- Modelo seletivo (à la “Suécia”): convocação apenas para setores deficitários, mantendo parte do serviço em caráter voluntário.
- Retorno total: lei aprovada até dezembro de 2025, com implementação integral a partir de 1º de janeiro de 2026.
O projeto de lei tramita no Bundestag e deve ser votado ainda neste semestre, com debates previstos também no Bundesrat. A decisão final dependerá da evolução das adesões voluntárias até o fim de 2025 e de ajustes de última hora no texto, conforme pressão da opinião pública e de aliados na NATO.
Conclusão
A possível reintrodução do serviço militar obrigatório na Alemanha marca uma inflexão significativa na política de defesa do país e reflete a crescente percepção de ameaça no cenário geopolítico europeu. Diante da escalada das tensões com a Rússia e das crescentes exigências da NATO, Berlim se vê pressionada a fortalecer sua capacidade militar — ainda que isso signifique reverter decisões tomadas há mais de uma década.
Mais do que uma medida logística, o retorno ao alistamento obrigatório levanta debates sobre valores democráticos, responsabilidade cívica e o papel das forças armadas em uma sociedade moderna. Ao mesmo tempo, envia uma mensagem política clara: a Alemanha está disposta a romper com o passado recente de desmilitarização e adotar uma postura mais assertiva na defesa da Europa.
A decisão final dependerá de uma combinação entre dados de recrutamento, vontade política e apoio popular. Mas, se aprovada, a medida pode representar uma virada histórica na política de defesa da maior economia da União Europeia — com reflexos diretos para o equilíbrio estratégico do continente.
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