
Em entrevista à Reuters, Thorsten Frei, chefe de gabinete do novo chanceler Friedrich Merz, afirmou que a Europa precisa sair de sua zona de conforto e considerar sanções muito mais duras contra a Rússia. Entre as medidas sugeridas estão embargos ao gás e ao urânio russos e a utilização de ativos estatais congelados – ações que, segundo Frei, “realmente feririam a Rússia e atingiriam o objetivo pretendido pelas sanções”.
Contexto e mudança na chancelaria alemã
Com a posse do conservador Friedrich Merz no início de maio de 2025, a Alemanha adotou um tom mais contundente em relação a Moscou. Em entrevista à Reuters, Thorsten Frei, novo chefe de gabinete do chanceler, defendeu que a União Europeia saia da sua zona de conforto e aplique sanções que realmente atinjam o orçamento russo. Entre as propostas, destacam-se embargos ao gás e ao urânio russos e o uso de ativos estatais congelados. Estima-se que mais de US$ 300 bilhões em reservas do banco central russo estejam atualmente congelados por países ocidentais, sendo cerca de €210 bilhões (cerca de US$ 230 bilhões) mantidos pela câmara de compensação Euroclear, na Bélgica. O debate agora gira em torno da legalidade e viabilidade de utilizar esses fundos para financiar a reconstrução da Ucrânia ou reforçar as pressões sobre o Kremlin.
Propostas para endurecer o pacote de sanções
Frei enumerou medidas que, embora complexas, teriam impacto real:
- Embargo total de gás natural: sacrificar parte da oferta europeia em troca de pressão estratégica.
- Proibição de importação de urânio: afetar a geração nuclear civil em países fortemente dependentes.
- “Tapping frozen assets”: liberação de reservas russas congeladas para financiar ajuda a Kiev.
“São exatamente as medidas que feririam a Rússia e deixariam claro nosso compromisso com a resposta à sua agressão”, disse Frei.
Além disso, apoiou sanções contra o gasoduto Nord Stream e defendeu que a UE permita medidas que impactem até mesmo Estados-membros, se necessário.
Novos desdobramentos na UE
- 17º pacote de sanções: em 20 de maio, a UE adotou quatro conjuntos de medidas, incluindo ações contra a “shadow fleet” de petroleiros e contra entidades envolvidas em armas químicas e violações de direitos humanos.
- Roadmap para fim das importações de gás: a Comissão Europeia anunciou que, em junho, apresentará proposta para banir novos contratos de gás russo até fim de 2025 e eliminar todas as importações até 2027.
Essas decisões refletem uma vontade de reduzir gradualmente a dependência energética de Moscou, preparando-se para um cenário sem o gás russo.
Medidas de diversificação energética
A partir de janeiro de 2025, Ucrânia encerrou o trânsito de gás russo por seu território, custando a Moscou cerca de €5 bilhões por ano. Em paralelo, a UE intensifica negociações para:
- Investir em hidrogênio verde e renováveis.
- Comprar GNL de EUA, Catar e Austrália.
- Expandir gasodutos vindos da Noruega e do Azerbaijão.
Impacto econômico interno
A adoção de sanções mais drásticas acarretará custos para consumidores e empresas europeias:
- Inflação energética: projeções indicam que um embargo total de gás pode elevar a inflação do setor de energia de cerca de 5 % para até 15 % no curto prazo, com reflexos em eletricidade e aquecimento.
- Pressão sobre preços ao consumidor: custo de fertilizantes, produtos químicos e transporte deve subir, ampliando o custo de alimentos e bens manufaturados.
- Medidas sociais de mitigação:
- Subsídios tarifários para famílias de baixa renda.
- Créditos fiscais e linhas de crédito para indústrias intensivas em energia.
- Programas de eficiência energética, financiamiento a isolamento e equipamentos de menor consumo.
Reação de Moscou e implicações geopolíticas
Vladimir Putin manteve os ataques mesmo durante as negociações de paz em Istambul, reforçando a percepção de que busca consolidar ganhos militares antes de qualquer trégua. Frei acusou o presidente russo de “jogar para ganhar tempo” e defendeu que sanções rigorosas são condições prévias para uma negociação realista.
Em paralelo, EUA e China monitoram as propostas europeias. A relutância de Washington em impor novas sanções secundárias — especialmente sob a administração Trump — aumenta o desafio à coesão transatlântica, mas também estimula a UE a buscar autonomia estratégica em seu território.
Apoio militar à Ucrânia
No orçamento provisório de 2025, a Alemanha prevê €7 bilhões em auxílio militar a Kiev, mas Frei não descartou ampliação desse montante, caso a situação no front se agrave. A medida reforça o compromisso de Berlim com a defesa europeia e a resistência ucraniana.
Box Explicativo
Termo | Definição |
---|---|
Shadow fleet | Frota clandestina de petroleiros que altera bandeiras e registros para driblar sanções. |
Tapping frozen assets | Uso de recursos russos congelados em bancos ocidentais para financiar ajuda ou cobrir despesas. |
Embargo de urânio | Proibição de importação de urânio russo, afetando reatores civis em vários países. |
Nota: Já explicamos o funcionamento da shadow fleet em um artigo exclusivo — clique aqui para acessá-lo.
Conclusão
A nova postura da chancelaria alemã sinaliza uma virada estratégica nas relações entre Europa e Rússia. Ao propor medidas que impactam diretamente os interesses energéticos e financeiros de Moscou — como o embargo ao gás e o uso de ativos congelados — Berlim desafia a inércia diplomática e busca restabelecer a credibilidade das sanções. No entanto, tais medidas não são isentas de custos internos, e exigirão compensações sociais robustas para manter o apoio popular. O embate não se limita ao campo econômico: trata-se de uma disputa por valores, estabilidade continental e autonomia política. Resta saber se a União Europeia está disposta a pagar o preço da coerência.
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