
Nos últimos anos, a região do Sahel, que se estende pelo centro-norte da África, tornou-se palco de transformações geopolíticas profundas. Três países — Níger, Mali e Burkina Faso —, marcados por desafios persistentes de segurança e instabilidade política, protagonizam um movimento histórico de redefinição estratégica: a criação da Aliança dos Estados do Sahel, uma confederação militar que visa não apenas reforçar a segurança regional, mas também consolidar uma nova postura internacional, marcada pelo afastamento da influência ocidental e pela aproximação estratégica com potências emergentes, especialmente a Rússia.
Contexto Histórico e Político
Golpes Militares e Crise Institucional
Desde 2020, a região do Sahel tem sido atingida por uma série de golpes militares que derrubaram governos civis, em meio à crescente insatisfação popular com a incapacidade desses regimes em conter a insurgência jihadista. Em agosto de 2020, o golpe em Mali deu início a essa onda, seguido por golpes semelhantes em Burkina Faso e Níger, entre 2021 e 2023. Esses eventos revelam não apenas a fragilidade das instituições políticas locais, mas também uma rejeição crescente à influência dos antigos parceiros ocidentais, principalmente a França, que vinha comandando operações militares contra grupos terroristas na região.
Formação da Aliança dos Estados do Sahel
Em 2025, Níger, Mali e Burkina Faso oficializaram a criação da Aliança dos Estados do Sahel, uma confederação militar composta por aproximadamente 5.000 soldados integrados. Essa aliança tem como principal missão coordenar esforços para combater grupos terroristas, especialmente o Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS), uma das principais ameaças à segurança regional.
Objetivos da Aliança
- Segurança Regional Integrada: Estabelecer uma cooperação efetiva entre os exércitos dos três países para neutralizar a ação de grupos jihadistas que atuam em fronteiras porosas e regiões de difícil controle.
- Soberania e Autonomia: Promover a independência política e militar, reduzindo a dependência da intervenção ocidental, particularmente da França, que encerrou oficialmente sua Operação Barkhane em 2022.
- Redefinição Política Regional: Rejeitar as sanções e pressões da CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental), da qual esses países se retiraram, optando por caminhos alternativos de integração e cooperação.
Saída da CEDEAO e Reconfiguração Diplomática
A decisão de se retirar da CEDEAO foi motivada pela percepção de que o bloco regional, liderado por países como Nigéria e Costa do Marfim, adotava uma postura punitiva e intervencionista contra os governos militares do Sahel, impondo sanções econômicas e bloqueios comerciais que agravaram as crises internas desses países. Esse afastamento também sinaliza um reposicionamento geopolítico, com os Estados do Sahel buscando alianças fora da órbita tradicional ocidental.
Parceria Estratégica com a Rússia
Em abril de 2025, os três países assinaram um acordo de cooperação estratégica com a Rússia, marcando uma mudança substancial no alinhamento internacional da região.
Componentes da Parceria
- Apoio Militar: A Rússia comprometeu-se a fornecer armamento, treinamento e assistência técnica, substituindo o apoio ocidental que vinha diminuindo desde a retirada da França.
- Suporte Político: Moscou tem se posicionado como aliado firme dos governos militares, criticando as sanções impostas pela CEDEAO e organismos internacionais ligados ao Ocidente.
- Cooperação Econômica: Além da área militar, os acordos contemplam investimentos em infraestrutura, mineração e energia, com a Rússia buscando ampliar sua influência econômica na África Ocidental.
- Posicionamento Geopolítico: A parceria insere o Sahel num contexto de rivalidade global, onde potências como Rússia e China disputam espaço com Estados Unidos e União Europeia.
Análise dos Desafios e Perspectivas
Segurança e Estabilidade Regional
Apesar do reforço militar conjunto, os desafios permanecem expressivos. Os grupos jihadistas, como o EIGS e afiliados da Al-Qaeda, mantêm alta capacidade de mobilização e adaptação. Além disso, a instabilidade política, conflitos étnicos e crises humanitárias dificultam uma solução rápida e definitiva.
Impactos Econômicos e Sociais
O afastamento da CEDEAO e das potências ocidentais pode aprofundar o isolamento econômico, com riscos para comércio, investimentos e assistência humanitária. Sanções econômicas e bloqueios financeiros afetam diretamente a população civil, aumentando a vulnerabilidade social.
Implicações Geopolíticas
A aliança com a Rússia e o afastamento do Ocidente colocam o Sahel no centro de uma disputa global por influência na África. O aumento da presença russa, acompanhada pelo interesse crescente da China, pode contribuir para um rearranjo das dinâmicas regionais, mas também pode gerar tensões adicionais, dado o histórico de rivalidades locais e interferências externas.
Atualização Recente (Julho de 2025)
Segundo relatórios de organizações internacionais e agências de notícias independentes, a força conjunta da Aliança dos Estados do Sahel já realizou operações conjuntas contra bases do EIGS, obtendo resultados parciais na redução de ataques terroristas em áreas estratégicas, especialmente nas fronteiras entre Níger e Mali. No entanto, a insurgência persiste, ampliando a crise humanitária que já afeta mais de 3 milhões de pessoas na região, segundo dados da ONU.
Por outro lado, a relação com a Rússia segue firme, com negociações em andamento para a instalação de bases militares russas na região, fato que tem despertado preocupação entre os Estados ocidentais e organismos multilaterais.
Conclusão
A Aliança dos Estados do Sahel, formada por Níger, Mali e Burkina Faso, representa um marco na geopolítica africana contemporânea. Ao buscar autonomia militar e diversificação de parcerias internacionais, esses países desafiam a ordem tradicional de influência ocidental, criando um novo polo estratégico no continente.
No entanto, o sucesso dessa estratégia depende da capacidade dos governos locais em equilibrar segurança, governança, desenvolvimento econômico e respeito aos direitos humanos, em um ambiente internacional complexo e volátil. A vigilância global permanece atenta ao futuro do Sahel, uma região que, apesar dos desafios, continua a ser vital para a estabilidade da África e para os interesses estratégicos mundiais.
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