Chefe do Pentágono Alerta para ameaça iminente da China e Exorta Aliados Asiáticos a Aumentar Gastos com Defesa

Secretário de Defesa dos EUA Pete Hegseth discursando no Shangri-La Dialogue em Cingapura, maio de 2025.
Pete Hegseth, secretário de Defesa dos EUA, fala durante a cúpula de segurança Shangri-La Dialogue, em Cingapura, 31 de maio de 2025. Foto: REUTERS/Edgar Su.

Na sexta-feira, 30 de maio de 2025, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, proferiu seu primeiro discurso no Shangri-La Dialogue, principal fórum de segurança do Indo-Pacífico, realizado em Singapura. Hegseth enfatizou que a administração Trump considera a região do Indo-Pacífico prioritária e afirmou, em tom contundente, que a ameaça chinesa é “real e potencialmente iminente”. Em mensagem clara aos aliados asiáticos, ele enfatizou a necessidade de que cada país arque com fatias mais substanciais de seu próprio orçamento de defesa.

Panorama do Shangri-La Dialogue

O Shangri-La Dialogue, organizado pelo International Institute for Strategic Studies (IISS), reúne anualmente ministros da Defesa, chefes militares e autoridades diplomáticas de todo o mundo. Em 2025, o evento ocorreu nos dias 29 e 30 de maio, em um contexto de tensões acentuadas no Estreito de Taiwan, em resposta à escalada de exercícios militares chineses. O fato de Dong Jun, ministro da Defesa da China, optar por não participar sublinha o clima tenso: Pequim enviou apenas uma delegação acadêmica, manifestando clara discordância com o tom adotado pelos Estados Unidos.

Tom explícito: “Não há motivo para amenizar”

Durante sua fala, Hegseth não poupou palavras:

Não há motivo para amenizar: a ameaça que a China representa é real e pode ser iminente. Se Pequim ousar conquistar Taiwan por meios militares, as consequências seriam devastadoras para todo o Indo-Pacífico — e para o mundo.”

Ao colocar o Indo-Pacífico como “prioridade máxima” da administração Trump, o secretário repetiu convicções já externadas em outros fóruns, mas elevou o tom ao asseverar que qualquer tentativa de “reunificação” de Taiwan por força militar provocaria impacto global. Hegseth disse que, caso a China “altere o equilíbrio de poder” na região, estaria pronta uma resposta coletiva por parte dos EUA e de seus parceiros.

Em entrevista subsequente, reafirmou que os Estados Unidos esperam que seus aliados asiáticos também fortaleçam suas capacidades militares, comparando-os aos países europeus, que — segundo ele — já se comprometeram a despender 5% do PIB em defesa. A mensagem é que, ao passo que a Europa “cuida de sua própria segurança”, Washington pode concentrar-se em contrabalançar a China no Pacífico.

Taiwan no centro das atenções

A China considera Taiwan uma província “rebelde” e insiste que a reunificação se dará, se necessário, pela força. No último ano, Pequim intensificou:

  1. Patrulhas aéreas com caças e bombardeiros próximos ao espaço aéreo taiwanês;
  2. Manobras navais em larga escala, incluindo grupos de batalha de porta-aviões a poucos quilômetros da costa de Taiwan;
  3. Pressão diplomática para isolar a República de Taiwan internacionalmente.

Tais ações têm sido vistas como ensaio para uma eventual operação de ocupação. Hegseth advertiu que, em caso de conflito, haveria sérias perturbações na cadeia de suprimentos de semicondutores — um setor no qual Taiwan detém 60% da produção global de chips avançados. Isso colocaria em risco indústrias que vão de eletrônicos de consumo a automóveis, gerando efeito dominó na economia global.

Além disso, o secretário americano alertou que a dependência econômica excessiva de parceiros regionais em relação à China poderia comprometer a capacidade de decisão em uma crise. Segundo ele, um vínculo muito estreito com o mercado chinês “poderia impedir governos de adotar medidas estratégicas” em caso de agressão militar.

Reação de Pequim e ausência do ministro da Defesa

A embaixada da China em Singapura reagiu prontamente por meio de postagem na página oficial do Facebook:

“Os comentários de Hegseth estão imbuídos de provocações e instigações. Os EUA são, na verdade, o maior ‘criador de problemas’ para a paz e estabilidade regional. Rejeitamos qualquer retórica que inflame tensões e prejudique o diálogo.”

Por sua vez, porta-vozes do Ministério da Defesa chinês em Pequim qualificaram as declarações norte-americanas como “baseadas em percepções distorcidas” e acusaram Washington de forjar um clima de confronto no Pacífico para justificar o fortalecimento de sua presença militar.

O fato de Dong Jun não ter comparecido ao fórum foi interpretado por analistas como sinal de que Pequim, estrategicamente, preferiu evitar um embate direto de retórica. No entanto, não houve anúncio de novas medidas militares chinesas imediatas, estando o próprio governo de Beijing aparentemente à espera de observar os próximos passos de Washington.

Debate sobre investimentos em defesa: Ásia em contraste com Europa

Hegseth aproveitou para comparar o esforço dos aliados europeus e asiáticos. Ele observou que membros da OTAN já se comprometeram a alocar 5% do PIB em defesa — meta ambiciosa, especialmente para economias como a Alemanha. Em contraste, os países asiáticos mantiveram, em 2024, um gasto médio de 1,5% do PIB com defesa, patamar praticamente inalterado na última década. Isso, na visão do secretário, não reflete a magnitude das ameaças enfrentadas.

No entanto, alguns Estados asiáticos vêm aprovando ampliação de seus orçamentos. Em março de 2025, anunciou-se que o Japão elevará seus gastos de defesa para 1,9% do PIB em 2025, dedicado à aquisição de caças F-35 e ao aprimoramento do sistema antimísseis. A Coreia do Sul saltou para 2,1% do PIB, direcionando recursos ao desenvolvimento de aeronaves furtivas nacionais e à modernização de seu arsenal submarino. Mesmo assim, Austrália e Índia permanecem abaixo de 2%, e nações do Sudeste Asiático oscilam entre 1% e 1,5%.

Para Hegseth, essa disparidade implica que “países do Indo-Pacífico precisam levar a sério a própria defesa” caso queiram evitar depender exclusivamente da guarda americana. Ele sugeriu que os parceiros europeus concentrem seus investimentos em segurança no Velho Continente, liberando os EUA para defender a região asiática.

Opinião de especialistas regionais

Jonathan Lim, pesquisador sênior do IISS, analisa que a retórica forte de Hegseth cumpre papel político estratégico:

“Os Estados Unidos buscam, com esse discurso, estimular um compromisso maior por parte dos aliados, de modo a construir uma ‘coalizão de defesa’ capaz de deter iniciativas unilaterais de Pequim. Entretanto, exigir aumentos abruptos pode sobrecarregar economias ainda se recuperando dos efeitos da pandemia.”

Zhang Wei, professor da Universidade de Estudos Internacionais de Pequim, contesta a visão americana:

“Washington exagera a ameaça para preservar sua supremacia no Pacífico. A China jamais arriscaria um confronto aberto com Taiwan enquanto houver espaço para negociações diplomáticas.”

Em Singapura, a ministra da Defesa local, Ng Eng Hen, disse em privado que “a segurança do Indo-Pacífico depende de parcerias fortes, mas o equilíbrio entre investimento militar e gastos sociais é essencial. Não podemos sacrificar saúde e educação em nome de uma corrida armamentista.”

Implicações para a ordem regional e global

O alerta de Hegseth sinaliza que os Estados Unidos planejam reforçar sua presença militar no Pacífico por meio de:

  • Exercícios trilaterais (EUA-Japão-Austrália) no Mar da China Meridional;
  • Compartilhamento avançado de inteligência e dados de satélites com Cingapura e Coreia do Sul;
  • Fundo conjunto para aquisição de sistemas antimísseis por nações do Sudeste Asiático.

Analistas apontam, porém, que tal postura pode acelerar uma espiral armamentista: Pequim já vem justificando seus últimos investimentos em mísseis balísticos e em baterias antiaéreas instaladas em ilhas artificiais como “resposta defensiva” às manobras americanas. Assim, a tensão pode crescer ainda mais nos próximos dois anos.

No campo econômico, a rivalidade EUA-China, que começou como guerra comercial em 2018, pode se estender a sanções tecnológicas. Países como Taiwan, fortemente dependentes da indústria de semicondutores, e economias do Sudeste Asiático, que recebem vultosos investimentos chineses, ficam no meio dessa disputa.

Recomendações de especialistas

Especialistas apontam caminhos para amenizar riscos:

  1. Modernização coordenada: Japão, Coreia do Sul e Austrália devem prosseguir na modernização de seus arsenais, mas também investir em pesquisa e desenvolvimento conjunto, reduzindo dependência exclusiva de fornecedores ocidentais.
  2. Papel da ASEAN: A ASEAN deve atuar como mediadora neutra entre China e EUA, evitando que a dinâmica bilaterial arraste nações menores para um jogo de soma-zero.
  3. Diversificação de fornecedores: Nações do Sudeste Asiático podem buscar equilíbrio ao adquirir equipamentos de diversos países — Estados Unidos, Europa, Israel e até mesmo Rússia —, evitando que um único parceiro tenha influência decisória.
  4. Fortalecimento do “soft power”: Cooperação em combate a desastres naturais, cibersegurança e saúde pública ajuda a construir confiança mútua e pode criar canais de diálogo por vias não militares.

Para o geopolítico Marco Aurélio López, professor da Unicamp:

“O maior perigo é que, ao incentivar gastos crescentes, criemos uma ‘espiral de insegurança’. Cada país gasta mais em defesa porque teme a escalada do vizinho, e isso pode tirar recursos essenciais para infraestrutura e bem-estar social.”

Conclusão

As declarações de Pete Hegseth no Shangri-La Dialogue deixam claro que os EUA avaliam a China como ameaça crítica à ordem internacional. Ao exigir que os aliados asiáticos gastos substanciais em defesa, a administração Trump quer criar uma rede de contenção multiliteral que não dependa unicamente da presença militar americana.

Entretanto, essa estratégia possui riscos:

  • Elevação das tensões: Pequim pode retaliar com manobras ainda mais intensas, provocando um ciclo de ação e reação que eleva o risco de incidentes militares.
  • Pressão orçamentária: Economias menores enfrentam o dilema entre aumentar gastos militares e atender demandas urgentes de educação, saúde e infraestrutura.
  • Fragmentação no Sudeste Asiático: Países com interesses divergentes podem se recusar a entrar em coalizões militares formais, dificultando a coesão regional.

Em última instância, o futuro do Indo-Pacífico dependerá da habilidade de equilibrar dissuasão militar com diplomacia ativa, de modo que a contenção de Pequim não se transforme em um conflito aberto. Caso contrário, seguir-se-á uma escalada armamentista que comprometerá o desenvolvimento socioeconômico de toda a região.

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