
Nos últimos anos, a África consolidou-se como o epicentro global do extremismo jihadista. Um relatório recente ao Conselho de Segurança da ONU alerta para a intensificação das atividades de filiais do Estado Islâmico (EI) e da Al-Qaeda no continente, motivada em parte pela perda de território desses grupos no Oriente Médio e pelo êxodo de combatentes para novas frentes de atuação africanas.
1. Contexto Geopolítico e Êxodo Sírio
A derrocada territorial do EI na Síria e no Iraque forçou combatentes estrangeiros a buscar novos “teatros de guerra”. Estima-se que mais de 5.000 jihadistas permaneceram na Síria, mas há evidências de remanejamento para o Sahel e o Leste Africano, elevando a experiência de campo e o know-how operacional dessas redes no continente.
Sahel: JNIM e ISGS
- JNIM (Jama’at Nasr al-Islam wal Muslimin):
- Originado da fusão de Ansar Dine, AQIM Sahara e outros, o JNIM é hoje considerado a força jihadista mais potente do Sahel, com cerca de 5.000–6.000 combatentes (até 2024) e rede de governança paralela em áreas sob seu controle.
- Em junho de 2025, o grupo reivindicou o ataque a Tessit (Mali), que deixou mais de 40 soldados malianos mortos e apreensões de armamentos, demonstrando capacidade logística e de coordenação em larga escala.
- ISGS (Islamic State in the Greater Sahara):
- Opera ao longo da fronteira Níger-Nigéria, criando corredores ilícitos para tráfico de armas e pessoas. Segundo o Global Terrorism Index 2023, o Sahel concentrou mais de 50% das mortes por terrorismo no mundo, reflexo da concorrência violenta entre ISGS e JNIM por território e recursos.
Leste Africano: al-Shabab e a Parceria com os Houthis
- al-Shabab mantém-se ativo na Somália, com extensão de ataques no Quênia e na Etiópia. Somente em 2025, a organização reivindicou mais de 150 atentados em Mogadíscio e região.
- Parceria com os Houthis (Iêmen): há evidências de troca de treinamento, armamentos e rotas de contrabando via Golfo de Aden, fortalecendo a capacidade marítima e logística do al-Shabab no Oceano Índico.
Impactos na Segurança e na Comunidade
Desestabilização Política
Governos locais — fragilizados por golpes recentes em Burkina Faso, Níger e Mali — veem suas forças armadas sobrecarregadas, sem controle efetivo de fronteiras.
Crise Humanitária e Impacto no Cotidiano das Comunidades
O prolongado conflito e a violência extremista têm devastado o tecido social e econômico das regiões afetadas. De acordo com a Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), mais de 8 milhões de pessoas estão atualmente deslocadas internamente no Sahel, enfrentando dificuldades extremas para acesso a alimentos, água potável, saúde e educação.
Comunidades rurais frequentemente ficam reféns do medo e da insegurança, com agricultores incapazes de cultivar suas terras devido a ataques constantes, e famílias que vivem sob ameaça permanente de recrutamento forçado por grupos armados. A insegurança alimentar cresce exponencialmente, enquanto a destruição de infraestrutura limita o acesso a serviços básicos, aprofundando o ciclo de pobreza e exclusão social.
Ameaça Transnacional
Redes de financiamento utilizam tráfico de drogas, mineração ilegal de ouro e extorsão; há risco real de ataques em cidades costeiras e rotas de navegação no Atlântico e no Índico.
Respostas e Desafios
- Forças de Defesa Africanas: Programas de reforço de inteligência e treinamento conjunto (G5 Sahel), mas ainda insuficientes diante da mobilidade dos extremistas.
- Cooperação Internacional: Presença reduzida de tropas ocidentais, compensada por parcerias com Rússia (Grupo Wagner/Africa Corps) e China, com resultados limitados (Relatório IISS 2024)³.
- Ações Multidimensionais: Além do uso da força, especialistas recomendam programas de inclusão social, criação de empregos e fortalecimento da governança local para retirar o terreno fértil que alimenta o recrutamento.
Perspectivas e Recomendações
- Integração de Inteligência Continental: Compartilhamento em tempo real de dados sobre movimentos de combatentes e redes de financiamento.
- Investimento em Infraestrutura e Educação: Redução da vulnerabilidade social que facilita o aliciamento de jovens.
- Diálogo Regional: Incentivar acordos de paz localizados e processos de reconciliação comunitária.
Conclusão
A consolidação de JNIM, ISGS e al-Shabab — agora reforçados por alianças internacionais e redirecionamento de combatentes sírios — evidencia a urgência de uma resposta integrada, que combine segurança, desenvolvimento socioeconômico e diplomacia multilateral. Sem esse esforço coordenado, a África continuará a representar o principal ponto de proliferação do extremismo global.
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