
A cúpula dos BRICS realizada no Rio de Janeiro, em 6 e 7 de julho de 2025, escancarou as tensões latentes entre as ambições antagônicas de alguns membros e o pragmatismo de outros. Ausências de peso, divergências estratégicas e uma pauta centrada em reformas econômicas, ambientais e institucionais deixaram claro que o bloco, longe de ser um instrumento uníssono de contenção ao Ocidente, é um caldeirão de interesses muitas vezes conflitantes.
Contexto e Destaques da Cúpula
Realizada na Cidade das Artes sob forte calor e expectativa, a XVII Cúpula dos BRICS teve como protagonistas os líderes das duas maiores democracias do grupo: Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) e Narendra Modi (Índia).
- Ausências de peso: Vladimir Putin participou apenas por vídeo, devido ao mandado de prisão do TPI; Xi Jinping não compareceu pela primeira vez desde 2012, alegando conflito de agenda.
- Pauta principal: reforma da governança global, transição energética verde, e expansão da cooperação Sul–Sul — incluindo forte ênfase em comércio em moedas locais.
- Pressão externa: durante a cúpula, o presidente dos EUA Donald Trump reiterou que consideraria impor tarifas de até 100% caso o bloco adotasse sistematicamente moedas alternativas ao dólar.
A Visão Russa Versus o Realismo Democrático
Em Kazan 2024, a Rússia tentou imprimir ao BRICS um caráter explicitamente anti-Ocidente, com retórica de desdolarização e sanções simbólicas. No Rio, porém, Brasil e Índia trataram de dissociar o bloco desse discurso mais confrontacional. Para Lula e Modi, manter vínculos comerciais com o G7 e avançar em reformas econômicas internas é tão prioritário quanto fortalecer laços com a Ásia e a África.
O Caso Irã: Limites do Compromisso Multilateral
A incorporação do Irã como membro integral expôs as contradições do BRICS. Teerã buscava condenação explícita a Israel e aos EUA pelos ataques a instalações nucleares. O texto final mencionou “violações do direito internacional” sem identificar responsáveis.
- Apoio russo contido: Moscou criticou em palavras, mas não ofereceu garantia de assistência, preferindo negociações sobre a Ucrânia.
- Mediação simbólica: proposta russa de mediar a paz Irã–Israel soou mais como estratégia de autopromoção do que compromisso real.
Expansão Versus Coesão: O Desafio dos “Múltiplos BRICS”
A arquitetura de três níveis (membros fundadores, novos membros e países parceiros sem voto) vem aumentando o alcance, mas dificultando a unidade estratégica:
- Novos membros: em janeiro de 2025, a Indonésia tornou-se o primeiro país do Sudeste Asiático membro pleno do BRICS.
- Países parceiros: Bolívia, Bielorrússia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão mantêm status de parceiros, sem direito a voto.
Essas camadas aprofundam divergências: Egito e Etiópia bloquearam apoio unânime a uma vaga da África do Sul no Conselho de Segurança da ONU; Irã se opôs à formulação de uma solução de dois Estados para Palestina; e membros variaram no tom sobre a guerra na Ucrânia.
Inovações e Propostas Emergentes
Apesar das fissuras, avanços institucionais e iniciativas pragmáticas foram anunciados:
- Novo Banco de Desenvolvimento (NDB): em expansão, o banco planeja ampliar empréstimos em moedas locais e testar protocolos de pagamento cruzado sem SWIFT, com tokens interoperáveis.
- Tropical Forest Forever Facility (TFFF): proposta brasileira de fundo de US$ 125 bilhões para conservação de florestas tropicais, apoiando também parceiros do Sul Global.
- Plataforma blockchain de pagamentos: Brasil apresentou plano piloto para integrar CBDCs dos BRICS em comércio intra-bloco, inspirado no Pix, reduzindo custos e riscos cambiais.
Fraquezas Estruturais Expostas
- Identidade Geopolítica Difusa: a heterogeneidade de regimes, prioridades e alianças impede uma orientação estratégica única.
- Limites do Multilateralismo Transacional: sem mecanismos de aplicação, o bloco se contenta com declarações genéricas, sem capacidade de enfrentar crises ou promover reformas profundas.
Conclusão
A Cúpula do Rio revelou que o BRICS está longe de ser um bloco coeso contra o Ocidente. Entre ambições russas de confrontação e o pragmatismo de democracias emergentes, o grupo transita entre transações econômicas e projetos institucionais sem alcançar uma visão geopolítica unificada. Para se tornar um ator global relevante, será preciso redefinir propósitos, fortalecer mecanismos de decisão e conciliar interesses diversos em torno de objetivos comuns.
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