Entre Pragmática e Protestos: A Polêmica Convite de Narendra Modi à Cúpula do G7 em Kananaskis

Primeiro-ministro indiano Narendra Modi durante recepção cerimonial ao presidente de Angola Joao Manuel Goncalves Lourenco no Palácio Rashtrapati Bhavan, Nova Delhi, maio de 2025.
Narendra Modi participa da recepção oficial ao presidente angolano Joao Manuel Goncalves Lourenco no Rashtrapati Bhavan, Nova Delhi, em 3 de maio de 2025. (Foto: REUTERS/Stringer)

A decisão do primeiro-ministro canadense, Mark Carney, de convidar Narendra Modi, premiê da Índia, como convidado especial à 51ª Cúpula do G7 em Kananaskis, Alberta (15–17 de junho de 2025), reacendeu feridas diplomáticas e provocou forte indignação na maior comunidade sij fora da Índia. Enquanto Ottawa argumenta que o convite fortalece cadeias globais de suprimentos e diversifica parceiros frente às tensões comerciais com os EUA, ativistas sij e partidos políticos apontam contradições éticas e exigem garantias de responsabilização pelos ataques contra dissidentes no Canadá.

Contexto e histórico do impasse bilateral

Em junho de 2023, o então primeiro-ministro Justin Trudeau acusou publicamente o governo indiano de envolvimento no assassinato de Hardeep Singh Nijjar, líder separatista sij em Surrey, Colúmbia Britânica. A acusação provocou a expulsão recíproca de diplomatas e lançou um clima de desconfiança que persiste nas relações bilaterais. Desde então, várias lideranças sij no Canadá receberam alertas da RCMP sobre ameaças à vida, atribuindo-as a agentes de Nova Déli.

Justificativa oficial e inteligência compartilhada

Carney defende que a presença de Modi no G7 fortalecerá a resiliência das cadeias de suprimentos críticas e reduzirá a dependência canadense dos EUA. Além disso, Canadá e Índia anunciaram a retomada do compartilhamento de inteligência antiterrorismo e combate ao crime transnacional, um acordo que deve ser formalizado durante a cúpula. Essa cooperação, apesar das tensões, visa reforçar ações conjuntas contra organizações criminosas e extremistas.

Reação da comunidade sij no Canadá

Moninder Singh, ativista em British Columbia e amigo de Nijjar, declarou que o convite é “profundamente insultante”, destacando que sua comunidade enfrenta riscos reais. “Vidas sij não podem valer menos por interesses econômicos globais”, afirmou Singh, que foi forçado a se mudar por segurança após receber múltiplos avisos da RCMP

Pressão de organizações sij

Em 21 de maio de 2025, a World Sikh Organization (WSO) enviou carta formal a Carney, instando-o a não convidar Modi, citando o histórico de intimidação e violência contra sikhs no Canadá. A WSO classificou o convite como uma “traição aos valores canadenses” e pediu que qualquer encontro incluísse cláusulas de cooperação plena nas investigações sobre ameaças e assassinatos de dissidentes.

Mobilização política interna

Em 6 de junho de 2025, o Novo Partido Democrático (NDP) anunciou solidariedade à comunidade sij, condenando o convite como incongruente com o compromisso canadense de direitos humanos e pedindo que o governo condicionasse o convite à responsabilização das autoridades indianas. Parlamentares do NDP reforçaram que o gesto envia uma mensagem equivocada sobre tolerância à violência política.

Diplomacia econômica versus direitos humanos

Analistas de relações internacionais veem o movimento de Carney como realpolitik: enfrentar a “guerra comercial” com pragmatismo e consolidar parcerias estratégicas. Para Sanjay Ruparelia, da Toronto Metropolitan University, incluir a Índia no G7 amplia o papel do Canadá em debates sobre energia e minerais críticos. Porém, críticos apontam que a ausência de condições vinculantes quanto à investigação de transnacionalismo repressivo compromete a credibilidade de Ottawa em matéria de direitos humanos.

Perspectivas e desafios futuros

Além dos protestos planejados em Ottawa e Calgary, o governo federal manteve diálogo em 25 de maio entre a ministra Anita Anand e seu homólogo indiano para avançar na cooperação econômica. Resta saber se o pacto de inteligência e as discussões comerciais serão suficientes para mitigar a indignação sij ou se aprofundarão as fissuras diplomáticas. O desenrolar da Cúpula e o tom das declarações oficiais pós-evento serão cruciais para definir os rumos das relações Canadá–Índia.

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