
Em meio à reta final da campanha eleitoral canadense, o primeiro-ministro e líder do Partido Liberal, Mark Carney, declarou que a China representa a maior ameaça à segurança nacional do Canadá, tanto no que diz respeito à interferência estrangeira quanto aos riscos geopolíticos mais amplos — especialmente no Ártico e na região da Ásia-Pacífico.
Durante um debate televisivo realizado na noite de quinta-feira, em preparação para as eleições de 28 de abril, Carney foi questionado sobre qual país representa hoje a maior ameaça à segurança do Canadá. A resposta foi direta: “China.”
Ameaça crescente de interferência estrangeira
Na sexta-feira, 18 de abril, durante uma coletiva de imprensa em Niagara Falls, Carney detalhou suas declarações, afirmando que o Canadá precisa agir com firmeza para conter os riscos de interferência estrangeira por parte da China. Segundo ele, há evidências crescentes de que Pequim tem buscado influenciar processos democráticos, instituições e comunidades chinesas dentro do território canadense por meio de estratégias de espionagem, pressão diplomática e campanhas de desinformação.
“Estamos tomando medidas para enfrentar essa ameaça. A interferência chinesa não pode ser subestimada,” afirmou Carney.
Essa preocupação tem respaldo em órgãos oficiais. Um relatório recente do CSIS (Serviço Canadense de Inteligência de Segurança) aponta que a China tem se envolvido sistematicamente em ações de influência política clandestina, especialmente em eleições locais e federais. O Parlamento Canadense também vem promovendo audiências públicas sobre o tema, buscando reforçar os mecanismos de proteção institucional.
Breve histórico das tensões sino-canadenses
As relações entre Canadá e China já enfrentavam turbulências desde 2018, quando a executiva da Huawei, Meng Wanzhou, foi detida em Vancouver a pedido dos Estados Unidos. Em resposta, Pequim prendeu dois cidadãos canadenses — Michael Kovrig e Michael Spavor — em uma medida amplamente vista como retaliação política. Esses eventos marcaram o início de um congelamento diplomático entre os dois países e expuseram a vulnerabilidade do Canadá frente às pressões externas de regimes autoritários.
Parceria sino-russa e os reflexos na guerra da Ucrânia
Carney também criticou o apoio velado da China à Rússia na guerra contra a Ucrânia, classificando a aliança entre os dois países como uma ameaça à ordem internacional baseada em regras. Para o premiê canadense, a cumplicidade chinesa com os interesses militares de Moscou sinaliza uma tentativa de reconfigurar o equilíbrio geopolítico global, especialmente em regiões sensíveis como o Leste Europeu e o Indo-Pacífico.
“A China representa uma ameaça não apenas para o Canadá, mas para toda a Ásia e, em particular, para Taiwan,” declarou Carney.
Esse posicionamento ecoa as preocupações de aliados do G7 e da OTAN, que vêm denunciando o fortalecimento da cooperação militar e tecnológica entre Pequim e Moscou como um fator desestabilizador em múltiplas frentes.
Disputa no Ártico: a nova fronteira estratégica
Outro ponto destacado por Carney foi o interesse chinês crescente na região do Ártico, considerada estratégica por abrigar rotas marítimas emergentes, reservas naturais e recursos minerais. Embora a China não seja um Estado ártico, tem se autodeclarado como “Estado quase-ártico”, buscando aumentar sua presença diplomática e científica na região.
Para o Canadá, essa movimentação representa um desafio direto à sua soberania no Norte, uma área historicamente negligenciada, mas que se tornou central para as preocupações de defesa e desenvolvimento sustentável.
nálise internacional: o que dizem os especialistas
De acordo com Charles Burton, analista sênior do Macdonald-Laurier Institute e ex-diplomata no serviço exterior canadense, as ações chinesas representam uma campanha coordenada de influência global, que visa enfraquecer as democracias liberais de dentro para fora.
“O Partido Comunista Chinês investe em narrativas que confundem, dividem e deslegitimam as instituições democráticas. O Canadá está certo em identificar essa ameaça como prioritária,” afirmou Burton em entrevista recente.
O Canadian Global Affairs Institute também tem publicado estudos alertando para o aumento da presença chinesa em setores estratégicos, como telecomunicações, energia e inteligência artificial.
Medidas já adotadas pelo Canadá
Em resposta às crescentes preocupações, o governo canadense já implementou medidas concretas para proteger a integridade nacional. Entre elas:
- Expulsão de diplomatas chineses acusados de envolvimento em esquemas de intimidação de cidadãos canadenses;
- Reformulação das leis de lobby estrangeiro, exigindo mais transparência sobre financiamento e atuação de agentes externos;
- Criação de uma comissão independente sobre integridade eleitoral, voltada a investigar e coibir a influência estrangeira nas urnas.
Essas ações indicam que o Canadá está se preparando para um cenário internacional cada vez mais hostil, no qual a autodefesa institucional se tornou uma prioridade de segurança nacional.
Crise comercial com os EUA e realinhamento global
Além das tensões com a China, Carney também abordou a atual disputa comercial com os Estados Unidos, um aliado tradicional do Canadá. Ottawa impôs tarifas retaliatórias a produtos americanos após a imposição de barreiras dos EUA sobre automóveis, aço e alumínio canadenses, alegando violação dos termos do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA).
“Não vamos entrar em uma guerra tarifária dólar por dólar, mas o sistema de comércio global está sendo reordenado,” disse Carney.
Segundo o primeiro-ministro, a relação com os Estados Unidos está passando por uma mudança de valores e prioridades, o que exigirá um novo modelo de engajamento diplomático e econômico por parte do Canadá.
Diversificação estratégica: além da China e dos EUA
Frente ao cenário global cada vez mais fragmentado, Carney destacou a importância de diversificar as parcerias comerciais e políticas do Canadá. Ele mencionou explicitamente a Europa, o bloco ASEAN, o Mercosul e outras regiões como caminhos viáveis para ampliar os laços estratégicos do país.
“Há enormes oportunidades fora dos dois grandes polos econômicos globais. Devemos aprofundar essas relações — e acredito que faremos isso,” concluiu.
Considerações finais
As declarações de Mark Carney revelam uma mudança de postura do Canadá frente aos desafios globais contemporâneos. Ao identificar a China como a principal ameaça geopolítica e de segurança nacional, o governo canadense sinaliza uma transformação na doutrina externa, priorizando a proteção da soberania, o combate à influência autoritária estrangeira e o fortalecimento das alianças democráticas.
À medida que as eleições se aproximam, a questão da segurança nacional e da soberania internacional deve ganhar destaque no debate público canadense, refletindo um mundo em transição e uma nova era de desafios geopolíticos complexos.
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