
Em 5 de junho de 2025, o Globe and Mail revelou que o primeiro-ministro canadense Mark Carney e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, iniciaram conversas reservadas com o objetivo de elaborar um novo arcabouço de acordos de comércio e segurança entre os dois países. Essas tratativas, conduzidas de forma discreta, envolvem membros-chave das equipes governamentais: pelo lado canadense, o próprio Carney e o ministro do Comércio, Dominic LeBlanc; pelo lado americano, o secretário de Comércio Howard Lutnick e o representante de Comércio Jamieson Greer. O embaixador dos EUA em Ottawa, Pete Hoekstra, ressaltou que as comunicações frequentes entre Carney e Trump demonstram a urgência percebida por ambos na formalização de um entendimento antes de setembro de 2025.
Contexto Inicial das Tensões Comerciais
Guerra de Tarifas em Início de 2025
Em março de 2025, ao assumir o cargo de primeiro-ministro, Mark Carney encontrou um cenário especialmente tenso nas relações com Washington. No dia 4 de março, Donald Trump impôs tarifas de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio do Canadá (e 10% para produtos energéticos), alegando desequilíbrios na balança comercial, preocupações de segurança fronteiriça e o problema do contrabando de fentanil. Em retaliação, o governo canadense anunciou tarifas recíprocas de 25% sobre CAD$ 30 bilhões em produtos americanos, incluindo aço, alumínio, computadores, equipamentos esportivos e aquecedores de água.
A partir dessa escalada tarifária, em que Trump chegou a insinuar que poderia “anexar” o Canadá se as tensões não se resolvessem, Carney exigiu desde as primeiras conversas que “há de haver respeito pela soberania canadense” como condição prévia para diálogo. Essa postura reafirmou frente ao presidente americano que o Canadá não se submeteria a medidas unilaterais e protecionistas sem garantias de reciprocidade.
Mudança de Liderança em Ottawa
Nas eleições federais de 28 de abril de 2025, Mark Carney, ex-governador do Banco do Canadá (2008–2013) e do Banco da Inglaterra (2013–2020), foi eleito primeiro-ministro pelo Partido Liberal, sucedendo Justin Trudeau. Sua plataforma centralizou-se na reconstrução das relações com os Estados Unidos, mas em bases de “respeito mútuo” e diversificação dos parceiros comerciais, incluindo União Europeia e países asiáticos. Logo após a posse, Carney anunciou a criação de um Fundo de Diversificação Comercial de CAD$ 5 bilhões, com vista a financiar infraestrutura que reduzisse a dependência exclusiva dos EUA e gerasse novos postos de trabalho.
As Negociações Secretas
Composição das Delegações e Metodologia
As tratativas, descritas como “secretas” pelo Globe and Mail, envolvem:
- Pelo Canadá: o primeiro-ministro Mark Carney e o ministro do Comércio, Dominic LeBlanc.
- Pelos EUA: o presidente Donald Trump, o secretário de Comércio, Howard Lutnick, e o Representante de Comércio, Jamieson Greer.
- Mediação: o embaixador dos EUA em Ottawa, Pete Hoekstra, que ressaltou a frequência dos diálogos entre Carney e Trump como indício do reconhecimento mútuo da urgência em avançar para um acordo.
O caráter “discreto” busca reduzir interferências políticas de segunda instância e evitar vazamentos que comprometam a confiança entre as partes. Reuniões bilaterais acontecem em ambientes fechados, com participação restrita dos assessores mais próximos, e não se descarta o uso de canais de comunicação criptografados para troca de informações sensíveis sobre segurança e estratégia comercial.
Objetivos Primários
- Arcabouço Comercial Abrangente
- Revisão e possível substituição de partes do atual USMCA (United States–Mexico–Canada Agreement), com ênfase em mecanismos que previnam novas retaliações tarifárias unilaterais.
- Estabelecimento de cláusulas de proteção à indústria automotiva canadense, garantindo regras de origem que preservem empregos em Ontário e Quebec e limitem a importação de veículos montados sem conteúdo local suficiente.
- Cooperação em Segurança Continental
- Integração do Canadá aos sistemas de defesa antimíssil dos EUA, em especial ao radar “Golden Dome” australiano, com financiamento majoritário canadense para viabilizar a instalação e operação em conjunto.
- Criação de uma força-tarefa bilateral de cibersegurança, voltada a monitorar ameaças mistas, incluindo crime organizado transnacional e tentativas de interferência externa em infraestruturas críticas.
- Fortalecimento do Envolvimento em OTAN
- Compromisso de elevar os gastos militares de Ottawa para, pelo menos, 2% do PIB até 2027, alinhando-se às metas definidas pela Aliança e atendendo à cobrança de Trump de que os aliados compartilhem de forma justa os custos de defesa.
O prazo indicado pelos negociadores é chegar a um entendimento preliminar até julho de 2025, prevendo-se a assinatura formal antes de setembro, para evitar que as tratativas se estendam ao período de campanha eleitoral norte-americana e aos preparativos para o G7 de 2026, a ser realizado no Canadá.
Implicações para o Comércio e a Segurança
Reajuste na Balança Comercial
Em 2024, as exportações canadenses para os EUA somaram CA$ 280 bilhões, correspondendo a 73% do total de vendas externas do país, com destaque para os segmentos automotivo, energético e agrícola. Já os EUA exportaram ao Canadá cerca de CA$ 330 bilhões em bens, incluindo alta tecnologia, equipamentos industriais e serviços financeiros. Caso as conversas resultem em redução gradativa de tarifas de aço e alumínio, haveria recuperação de competitividade para a indústria metalúrgica canadense e normalização de fluxos logísticos, o que beneficiaria fabricantes de veículos em Ontário e Quebec.
O novo Trade Diversification Fund (C$ 5 bi) tem o propósito explícito de financiar a construção de terminais portuários, linhas ferroviárias e parcerias comerciais com a Ásia e Europa, de forma a mitigar possíveis disrupções decorrentes de novos embates tarifários. Essa estratégia busca conferir maior resiliência ao Canadá, de modo que sua economia não fique refém de disputas bilaterais em Washington.
Reforço na Segurança Continental
O empreendimento conjunto no “Golden Dome” e em instalações militares no Ártico representa um ponto de inflexão na defesa norte-americana. A proposta de Carney de investir C$ 4 bilhões nesse sistema de radar visa aumentar a cobertura de detecção de mísseis de longo alcance vindos do Pólo Norte, em coordenação com bases americanas no Alasca e no Alasca central. Isso significaria não apenas uma maior integração operacional, mas também um compromisso canadense de arcar com a maior parte das despesas operacionais e de manutenção.
Em paralelo, o fortalecimento de uma força-tarefa bilateral de cibersegurança atenderia às preocupações mútuas relativas a ataques cibernéticos a infraestruturas críticas — como redes elétricas, oleodutos e sistemas de comunicação —, temas que ganharam urgência após incidentes de invasão a bases governamentais em ambos os lados da fronteira em 2024. A colaboração nesse campo seria mediada pela Agência Canadense de Segurança Cibernética (CSE) e o Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS), criando protocolos conjuntos de resposta a crises.
Desafios e Perspectivas Futuras
Resistências Internas no Canadá
No plano interno, Carney enfrenta oposição de setores sindicais e ambientais. Sindicatos, como o Unifor, alertam para a possibilidade de demissões em massa caso o Canadá faça concessões excessivas nas tarifas de automóveis e metais básicos. Partidos de oposição e grupos ambientais também questionam o ritmo e a magnitude dos investimentos militares no Ártico, apontando riscos socioambientais — sobretudo em comunidades indígenas e ecossistemas frágeis — caso a nova infraestrutura avance sem estudos de impacto adequados.
Além disso, a aprovação de um orçamento que realoque recursos significativos para defesa pode gerar atritos no Parlamento, visto que Carney governa em um cenário de maioria estreita, com pouco espaço para margem de erro. A eventual aprovação de gastos militares acima de 2% do PIB até 2027 depende de negociação intensa com partidos menores e do convencimento da opinião pública de que o investimento servirá ao interesse nacional.
Pressões Políticas nos Estados Unidos
Nos Estados Unidos, Trump enfrenta demandas de base para resultados imediatos em termos de redução do déficit comercial e proteção de empregos industriais. Caso as negociações com Carney não avancem rapidamente — por exemplo, se o Canadá se recusar a majorar seu aporte para o “Golden Dome” ou a reverter tarifas automotivas —, Trump pode se ver pressionado a intensificar as medidas protecionistas, potencialmente elevando alíquotas em setores agrícolas e tecnológicos, o que repercutiria em alta nos preços de bens de consumo norte-americanos e insumos industriais.
Além disso, a disputa pelas eleições legislativas de 2026 cria um horizonte de instabilidade: parlamentares republicanos de regiões industriais podem cobrar posturas ainda mais duras contra o Canadá, caso sintam que seus eleitores não estão sendo favorecidos. Isso pode limitar o grau de flexibilidade política que Trump tem para oferecer concessões a Carney, especialmente se entender que ceder significaria enfraquecer seu discurso de “America First”.
Cenários Prováveis para o Desfecho
- Acordo Estruturado Assinado Até Setembro de 2025
- Redução gradual de tarifas de aço e alumínio, condicionada ao compromisso canadense de atingir 2% do PIB em gastos militares até 2027.
- Cláusulas que assegurem conteúdo local na indústria automobilística e regras de origem mais favoráveis a fabricantes de Ontário e Quebec.
- Estabelecimento de mecanismos de arbitragem mais céleres para prevenir novas retaliações tarifárias.
- Formalização de uma parceria de cibersegurança, com intercâmbio constante de inteligência entre CSE e DHS.
- Lançamento efetivo do Trade Diversification Fund, alavancando investimentos em portos e ferrovias que expandam o acesso a mercados alternativos ao dos EUA.
- Renegociação Parcial e Prorrogação do Prazo
- Acordo fragmentado em torno de defesa e cibersegurança, com pontos comerciais — especialmente os automotivos — sujeitos a nova rodada de negociações em 2026, após as eleições legislativas dos EUA.
- Carney acelera esforços de diversificação, ampliando acordos comerciais com União Europeia, Reino Unido e parcerias estratégicas na Ásia Pacífico para reduzir exposição ao mercado americano.
- Persistência de tarifas moderadas em certos produtos até o início de 2026, gerando impacto nos preços internos e nos mercados financeiros canadenses, mas evitando um colapso mais profundo da relação bilateral.
- Fracasso das Negociações e Intensificação do Conflito
- Nova elevação de tarifas por parte dos EUA, estendendo-as a setores agrícolas (p. ex., laticínios e aves) e tecnológicos (p. ex., semicondutores), em retaliação à suposta “resistência” canadense às demandas militares e comerciais de Trump.
- Carney implementa medidas de emergência, como estímulo fiscal direcionado a regiões industriais, subsídios à exportação e aceleração de acordos bilaterais com a União Europeia e Japão para mitigar perdas imediatas — mas isso exigiria ajustes no orçamento e poderia elevar o déficit fiscal.
- A prolongada guerra comercial levaria à retração de setores-chave, alta da inflação em bens duráveis e incerteza generalizada nos mercados de ações canadense e norte-americano, pressionando ambos os governos a rever a estratégia antes do colapso econômico
Conclusão
As negociações discretas entre Mark Carney e Donald Trump — embora mantidas no mais alto grau de sigilo — sinalizam que ambas as administrações reconhecem a necessidade de conter o atual impasse, evitando que a histórica aliança Canadá–Estados Unidos se fragmente em uma guerra comercial de alto impacto. As novas iniciativas de Carney, como o investimento de C$ 4 bilhões em defesa ártica e o Trade Diversification Fund de C$ 5 bilhões, demonstram que Ottawa pretende equilibrar as exigências de Trump com estratégias de longo prazo para consolidar a soberania nacional e reduzir riscos geoeconômicos.
Do lado estadunidense, a pressão de Trump para que o Canadá aumente seu gasto militar até 2% do PIB e integre sistemas de defesa antimíssil condiciona a negociação, mas também revela a importância estratégica do Ártico na visão norte-americana de segurança continental. Caso haja entendimento mútuo, poderia nascer um pacto robusto que inclua não apenas a normalização de tarifas, mas também a formalização de um escudo cooperado de defesa e protocolos avançados de cibersegurança.
Entretanto, o caminho é cheio de armadilhas: resistências políticas internas em Ottawa, exigências de base por parte de Trump e a necessidade de aprovar orçamentos que priorizem defesa podem atrasar ou inviabilizar o acordo nos moldes desejados por ambos os lados. Se o diálogo não resultar em concessões equilibradas, o risco de um agravamento da guerra comercial permanecerá, com consequências negativas para a cadeia de suprimentos transfronteiriça, para a estabilidade da indústria automotiva e para os investimentos em inovação tecnológica.
Em última análise, o desfecho dessas conversas secretas poderá redefinir, nos próximos meses, o panorama das relações entre duas nações cujas economias e questões de segurança estão profundamente interligadas. A capacidade de Carney em “manter firme a bandeira da soberania canadense” sem romper o entendimento estratégico com Washington será o fator decisivo para restaurar a parceria, agora em novos termos, diante dos desafios de um mundo cada vez mais multipolar e competitivo.
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