
Nas últimas duas décadas, a China passou de um exportador marginal de armamentos a um dos cinco maiores fornecedores de armas do mundo, elevando sua capacidade de projetar poder e influência em pontos estratégicos do globo.
A Ascensão da China no Mercado Global de Armas
Até o período de 2015–19, a China figurava abaixo dos grandes fornecedores tradicionais (Estados Unidos, França, Rússia e Alemanha). Contudo, entre 2020 e 2024, Pequim instalou-se como o quarto maior exportador de armas, superada apenas pelos EUA (43 % do total global), França e Rússia, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI) (SIPRI, 2024). Seus principais fornecedores estatais — NORINCO, AVIC e Poly Technologies — oferecem sistemas a preços até 30 % menores que concorrentes ocidentais, além de pacotes de financiamento facilitado e transferência de tecnologia atraentes para governos em desenvolvimento.
Vetores de Exportação e Tecnologias-Chave
- Sistemas terrestres e blindados: Tanques VT4 para países da Ásia-Pacífico e veículos de combate VT5 para exportação em regiões tropicais.
- Navios e patrulhas costeiras: Corvetas e navios-patrulha vendidos para Bangladesh, Nigéria e Argentina.
- Aeronaves: Caças leves FC-1/JF-17 (desenvolvidos em parceria com o Paquistão) e o mercado crescente de UAVs de ataque e reconhecimento.
- Drones: A série Wing Loong e Rainbow se tornou a mais vendida globalmente, com pelo menos 282 unidades de drones de combate entregues a 17 países na última década (SIPRI, 2024). Em 2023, no contexto da guerra na Ucrânia e da crescente tensão com o Ocidente, a China impôs restrições rigorosas à exportação de drones para a Ucrânia, União Europeia e Estados Unidos, mas manteve fluxos limitados para a Rússia, conforme reportado pelo The Diplomat.
Finalidades Geopolíticas
A venda de armas persegue ganhos comerciais e, principalmente, políticos:
- Alinhamento estratégico: Armar aliados consolida compromisso político e assegura apoio em fóruns multilaterais como ONU e OMC.
- Acesso a recursos: Países exportadores de matérias-primas (petróleo, minerais) tornam-se mais receptivos a investimentos chineses em infraestrutura.
- Presença militar ampliada: O primeiro posto avançado da China em Djibouti (2017) é mantido por suprimentos e treinamentos fornecidos por empresas estatais.
Expansão na América Latina e Caribe
A China tem aumentado sua presença no mercado de armas na América Latina, onde governos buscam diversificar fornecedores para modernizar suas forças armadas a preços competitivos. Países como Venezuela, Bolívia, Argentina e Equador têm adquirido sistemas chineses, especialmente drones, veículos blindados e armamentos leves. Essa expansão se insere no contexto da crescente cooperação econômica e diplomática com a China, que investe em infraestrutura e comércio na região, além de buscar conter a influência tradicional dos EUA. A crescente presença chinesa nessa área também tem implicações para a segurança regional, já que muitos desses países enfrentam desafios internos de segurança e tensões políticas.
Alterações no Equilíbrio Global
- Multipolaridade crescente: Países antes dependentes exclusivamente de armas ocidentais agora diversificam fornecedores, reduzindo a influência dos EUA e da União Europeia em regiões como África Subsaariana, Sudeste Asiático e América Latina.
- Modernização acelerada: Governos compradores acessam tecnologia de ponta (mísseis anticarro, guerra eletrônica, drones), elevando o patamar dos conflitos locais.
- Desafios à ordem internacional: A China é acusada de negligenciar salvaguardas de direitos humanos e embargos — como no caso do uso de drones Wing Loong II em conflitos na Líbia e no Oriente Médio, onde violações ao embargo internacional foram documentadas pela BBC.
Restrições Recentes e Contexto Geopolítico
A partir de 2023, em meio à guerra na Ucrânia e ao agravamento das tensões EUA-China, o governo chinês adotou medidas mais restritivas para a exportação de drones e tecnologias sensíveis para certos países, especialmente para Ucrânia, União Europeia e Estados Unidos. A medida visa evitar um envolvimento direto no conflito e evitar retaliações econômicas e políticas por parte do Ocidente. No entanto, Pequim mantém exportações limitadas para a Rússia, aliada estratégica, reforçando uma posição pragmática de não se comprometer diretamente, mas preservar seus interesses geopolíticos.
Respostas de Potências Tradicionais
- Fortalecimento de alianças: Quad (EUA, Japão, Austrália, Índia) e AUKUS intensificam cooperação em tecnologia militar avançada.
- Sanções e controles: EUA e UE atualizam suas listas de sanções e impõem restrições a empresas chinesas de defesa.
- Fomento à indústria própria: A União Europeia propôs um fundo de €150 bilhões para reduzir dependência de armas não europeias.
Tendências Futuras
- Expansão para regiões “subutilizadas”: América Latina e Caribe como mercados emergentes para armamentos chineses, sobretudo na área naval.
- Competição tecnológica: Investimento chinês em guerra cibernética e inteligência artificial militar pode redefinir fronteiras de conflito.
- Diplomacia armamentista: Pequim continuará ofertando condições competitivas, incluindo financiamento e assistência técnica, para fortalecer sua influência.
Conclusão
A China consolidou-se como um ator militar e econômico de peso, usando a exportação de armamentos para cimentar parcerias estratégicas e desafiar a ordem internacional liderada pelo Ocidente. À medida que a governança global de comércio de armas se adapta a este novo cenário, a influência chinesa tende a crescer ainda mais, com implicações profundas para a estabilidade e segurança regionais.
Referências
- SIPRI. (2023-2024). Arms Transfers Database. Stockholm International Peace Research Institute.
- BBC News. (2023). “China’s arms exports and the Lybia conflict.”
- The Diplomat. (2023). “China’s Drone Export Controls Amid Ukraine Conflict.”
- Reuters. (2023). “China expands arms sales in Latin America amid geopolitical shifts.”
- European Commission. (2024). “EU defense fund proposal aims to reduce foreign arms dependence.”
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