China Enfrenta “Déficit de Confiança” para Reaproximar Defesa com as Filipinas

Gilberto Teodoro Jr., secretário de Defesa das Filipinas, durante entrevista à Reuters em Singapura, 31 de maio de 2025.
Gilberto Teodoro Jr., secretário de Defesa das Filipinas, concede entrevista à Reuters durante visita a Singapura, em 31 de maio de 2025. REUTERS/Zahra Matarani

O secretário de Defesa das Filipinas, Gilberto Teodoro, afirmou em entrevista à Reuters, durante o Fórum Shangri-La, em Singapura, que a China precisa superar um “déficit de confiança e credibilidade” para restabelecer relações de defesa mais sólidas com Manila. Segundo ele, embora os canais diplomáticos tentem manter o diálogo aberto, as ações expansivas e, por vezes, agressivas de Pequim no Mar do Sul da China reforçam a percepção filipina de que os interesses estratégicos chineses não são transparentes.

Desde 2012, quando a China começou a construir instalações em ilhas artificiais na região disputada, os observadores passaram a monitorar de perto o aumento de patrulhas de guardas costeiros chineses, a movimentação de navios de guerra e o uso de aeronaves militares próximo às águas filipinas. Conforme apontado por Teodoro, “as demonstrações de força da China estão se tornando mais frequentes, e eles vêm ampliando as áreas em que operam” – situação que, segundo ele, demonstra um padrão de intimidação direcionado especialmente às Filipinas, e não a reivindicantes mais bem equipados como o Vietnã.

Para analistas regionais, como o Dr. Malcolm Cook, do ISEAS-Yusof Ishak Institute, esse comportamento ocorre num contexto de projeção de poder de Pequim para dissuadir não apenas os aliados dos EUA, mas também para consolidar sua hegemonia no Sudeste Asiático. Na prática, o bloco da ASEAN, que deveria funcionar como mediador, tem demonstrado resistência em coibir avanços chineses devido a interesses comerciais – à exceção de Filipinas e Vietnã, que se mantêm mais firmes em cobrar respeito ao direito internacional.

“Os chineses raramente se afastam de pontos de propaganda quando falam com seus homólogos. Isso gera frustração, porque não sabemos até que ponto as intenções deles são genuínas”, ressaltou Teodoro, frisando que a instituição militar chinesa está fortemente alinhada ao Partido Comunista, sem espaço para negociações pragmáticas.

Acordo de Consulta Bilateral e Perspectivas de Diálogo

Em meados de janeiro de 2025, Filipinas e China realizaram a décima rodada do Mecanismo de Consulta Bilateral voltado para tratar das disputas no Mar do Sul da China. Na ocasião, ambos os países concordaram em buscar “pontos em comum” e explorar formas de cooperar em áreas como guarda costeira e estudos de ciências marinhas, com o objetivo de reduzir atritos e promover a segurança de embarcações civis na zona econômica exclusiva filipina.

Entretanto, o próprio Gilberto Teodoro reconhece que, apesar desses compromissos formais, a prática diária continua pautada por incidentes que corroem a credibilidade chinesa. Pequim, por sua vez, mantém postura rigorosa ao classificar qualquer reação filipina como “provocação” e acusa os EUA de “semear discórdia” na região para conter seu crescimento. Essa divergência de percepção revela um vácuo de boa-fé que impede avanços concretos, pois, para Teodoro, “sem transparência, a confiança não se constrói; no terreno, a China faz o oposto do que prega em alto escalão”.

Papel dos Estados Unidos e a Estratégia de Dissuasão

Manila mantém, desde 1954, o Tratado de Defesa Mútua com os EUA, fortalecido em 1998 pelo Acordo de Acesso Recíproco (RAA), que autoriza o uso de bases americanas no arquipélago. Em maio de 2025, após encontro com o secretário de Defesa americano, Pete Hegseth, Teodoro reafirmou que o objetivo conjunto é “dissuadir pacificamente” qualquer tentativa de expansão chinesa, além de evidenciar que a aliança militar com Washington permanece vital para equilibrar o jogo de poder no Indo-Pacífico.

Os exercícios militares anuais Balikatan (Filipino-American Balikatan), que em 2024 atingiram seu maior contingente de tropas e incluíram simulações navais em áreas reclamadas por Pequim, tornam explícita a mensagem de que ataques a embarcações ou bases filipinas acionariam a cláusula de defesa mútua. Para a coronel (reformada) Kamala Harris, ex-analista de segurança do Pentágono, “esses treinamentos funcionam como aviso de que qualquer escalada militar chinesa poderá gerar resposta coordenada entre Estados Unidos e seus aliados regionais.”

Mesmo assim, Teodoro salienta que “não queremos que o Sudeste Asiático se torne um tabuleiro de xadrez para grandes potências”; por isso, há esforços para reforçar a cooperação dentro da ASEAN, embora o bloco ainda careça de uma postura unificada capaz de conter de fato as ações chinesas.

Falhas e Limites dos Mecanismos Atuais

Desde 2018, reuniões bilaterais de defesa entre Filipinas e China são realizadas periodicamente, mas raramente avançam além de discurso oficial. De acordo com fontes filipinas, a delegação chinesa costuma incluir assessores de propaganda política, o que resulta em encontros repetitivos e pouca transparência quanto aos incidentes reais: colisões entre barcos, apreensões de embarcações pesqueiras e perseguições de civis na Zona Econômica Exclusiva de Manila. Esse cenário reforça a noção de que a China, apesar de assinar acordos de não confrontação, segue atuando de forma a manter Manila em posição de desvantagem.

O relatório de março de 2025 do Center for Strategic and International Studies (CSIS) documentou mais de 130 casos de intimidação chinesa a pescadores filipinos nos últimos dois anos, representando 70% do total de incidentes semelhantes na região nesse período. Esses dados agravam a percepção pública em Manila de que Pequim não cumpre seus compromissos e reforçam o déficit de confiança mencionado por Teodoro.

Caminhos para a Construção de Confiança

Para superar o “déficit de confiança” e criar condições minimamente seguras para um diálogo prático, Teodoro propõe a adoção de medidas concretas e mistas, tais como:

  1. Câmara de Incidentes Mista (CIM): estabelecimento de um canal direto para relatório e investigação de confrontos entre guardas costeiros chineses e forças policiais filipinas.
  2. Monitoramento Multilateral: convidar observadores neutros da ASEAN ou da Organização Marítima Internacional (IMO) para supervisionar patrulhas em alto mar, garantindo transparência nas operações de ambas as partes.
  3. Suspensão Temporária de Atividades em Áreas Disputadas: um gesto simbólico chinês poderia ser a interrupção de manobras próximo às ilhas Spratly, criando espaço para negociações baseadas na Sentença de 2016, mesmo que Pequim ainda não a reconheça oficialmente.
  4. Cooperação em Capacitação Marítima e Resposta a Desastres: fortalecer treinamentos conjuntos em salvamento, combate a pirataria e patrulhas civis, solidificando laços práticos que possam, gradualmente, construir confiança operacional.

Analistas como o Dr. Thitinan Pongsudhirak, da Chulalongkorn University, defendem que “sem um mínimo de boa-fé e iniciativas que resultem em diminuição de incidentes, qualquer esforço diplomático continuará a ser sabre-de-olho.” Além disso, recomendam que Manila diversifique parcerias adquirindo tecnologias de vigilância naval de aliados como Japão e Austrália para reduzir a dependência exclusiva dos EUA e ampliar seu espectro de cooperação.

Conclusão: O Equilíbrio Entre Dissuasão e Diplomacia

A rota para uma relação de defesa sólida entre Filipinas e China enfrenta desafios estruturais e políticos profundos. Enquanto Pequim insiste em legitimar seus quase-monopolísticos direitos sobre o Mar do Sul da China, Manila reafirma a importância do direito internacional, alicerçado na decisão arbitral de 2016. Esse choque de narrativas alimenta um ambiente de suspeita mútua que dificulta passos práticos rumo à cooperação.

Para construir um ambiente menos volátil, é essencial que a China demonstre, na prática, compromisso com a transparência e com a redução de incidentes militares. Ao mesmo tempo, as Filipinas devem manter coerência entre retórica e ação, reforçando acordos defensivos — sem abandonar o diálogo regional. Somente um equilíbrio cuidadoso entre dissuasão pacífica, confiança multilateral e pressão diplomática poderá, a longo prazo, reduzir tensões e promover segurança estável no Indo-Pacífico.

Enquanto isso, a categoria pesqueira filipina segue em alerta diante do aumento de confrontos, e o governo de Manila permanece vigilante em relação a qualquer movimento de Pequim. O futuro das relações de defesa entre os dois países dependerá não apenas da política de grandes potências, mas também de gestos concretos de cooperação que mostrem, de fato, interesse em preservar a estabilidade regional.












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