China barrando o Himalaia: megahidrelétrica em Medog e o novo poder da água

Vista aérea do Grand Canyon do rio Yarlung Zangbu, o maior e mais profundo do mundo, localizado no Tibete, China, em 12 de agosto de 2012.
Vista aérea do Grand Canyon do rio Yarlung Zangbu, o maior e mais profundo do mundo, no Tibete, China (12 de agosto de 2012). Fonte: GZERO Media / Reuters.

No coração do Himalaia, onde nascem rios vitais, a China deu início à construção da maior usina hidrelétrica do mundo na bacia do rio Yarlung Zangbo (Brahmaputra na Índia). Conhecida como Estação Hidrelétrica de Medog (ou Motuo, em romanização alternativa), a obra combina ambição energética e manobra geopolítica, suscitando debates sobre segurança hídrica, desenvolvimento sustentável e relações regionais.

O rio Yarlung Zangbo: artéria estratégica

Nascendo a mais de 5.000 metros no planalto tibetano, o Yarlung Zangbo flui por cerca de 2.000 km até o sul, tornando-se Brahmaputra ao ingressar na Índia e, em seguida, Bangladesh. Seu vale abriga ecossistemas frágeis, populações tibetanas e é essencial para a irrigação, geração de energia e abastecimento de mais de 80 milhões de pessoas rio abaixo.

O controle da cabeceira confere à China uma posição de poder hídrico (upstream power), capaz de regular fluxos em períodos de monções e secas. Este cenário dinamiza a geopolítica da água, tema tão sensível quanto o petróleo no século XX.

Detalhes técnicos do projeto

  • Nome oficial: Estação Hidrelétrica de Medog (Motuo Hydropower Station.
  • Localização: Condado de Mêdog, planalto tibetano.
  • Capacidade instalada: 60 000 MW (60 GW), distribuídos em um sistema de cinco usinas em cascata ao longo de 50 km do rio.
  • Geração anual estimada: 300 bilhões de kWh, cerca de três vezes o rendimento da Usina das Três Gargantas.
  • Custo total: aproximadamente 1 trilhão de yuans (~US$ 137 bilhões).
  • Início das obras: dezembro de 2024, com operação comercial prevista para meados dos anos 2030 (2033).
  • Design: conceito “run-of-river”, com reservatórios limitados, minimizando alagamentos, mas ainda capaz de regular vazões em períodos críticos.

Este empreendimento integra o 15º Plano Quinquenal (2025–2030) e faz parte do pacote de estímulo de cerca de US$ 170 bilhões para impulsionar a infraestrutura nacional.

Impactos geopolíticos

A simples capacidade de modular o fluxo de água torna a hidrelétrica um instrumento de poder: graficamente, o projeto exemplifica a diplomacia coercitiva chinesa na Ásia Meridional. Os principais efeitos geopolíticos incluem:

  • Índia: receio de redução de volume hídrico durante monções para o norte de Arunachal Pradesh, área disputada entre os países. Nova Deli já reforça acordos com Bangladesh, Nepal e Butão para monitoramento conjunto. Em julho de 2025, o governo indiano propôs formalmente à China um mecanismo bilateral para troca periódica de dados hidrológicos, como tentativa de prevenir crises e aumentar a previsibilidade dos fluxos transfronteiriços.
  • Bangladesh: alerta para impactos no sistema de deltas, com potenciais mudanças nos padrões de inundação e na dinâmica de sedimentos, vitais para a agricultura do país.
  • Alianças regionais: o projeto acelera conversas em foros multilaterais (BRICS, G20) sobre gestão de recursos hídricos transfronteiriços.

Questões ambientais e sociais

Organizações ambientais apontam riscos sérios:

  • Biodiversidade: o trecho de Mêdog é um dos mais ricos em espécies endêmicas do Himalaia.
  • Deslocamentos: embora em área de baixa densidade populacional, comunidades tibetanas podem ser reassentadas.
  • Segurança geológica: a zona é propensa a terremotos e deslizamentos, exacerbados por grandes obras civis.

Além disso, especialistas alertam que grandes projetos hidrelétricos podem alterar os padrões regionais de precipitação, afetando o microclima e o ciclo hidrológico local. A interrupção no fluxo natural de sedimentos e umidade também pode influenciar ecossistemas a centenas de quilômetros rio abaixo.

Grupos como International Rivers e WWF defendem a realização de estudos de impacto independentes e transparentes antes de ampliar o projeto.

Sustentabilidade e energia limpa

A hidreletricidade é crucial para a China reduzir emissões de carbono até 2060. A Medog adicionará 60 GW de capacidade renovável ao sistema, contribuindo para a meta de neutralidade de carbono e para atender ao crescente consumo no leste do país.

Por outro lado, a construção em larga escala gera picos de emissões de CO₂ pela produção de cimento e aço—um custo ambiental transitório destacado por analistas de infraestrutura.

Conclusão

A Estação Hidrelétrica de Medog simboliza o novo eixo de poder da água no século XXI. Seu impacto transcende a geração de energia: redefinirá relações diplomáticas, testará acordos transfronteiriços e servirá de termômetro para o equilíbrio entre desenvolvimento e conservação.

Para analistas de geopolítica, acompanhar a evolução do Medog será essencial. A hidreletricidade, agora, não é apenas renovável — é estratégica.

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