Milícia China-Patrocinada Consolida Depósitos de Terras Raras em Mianmar

Soldados do United Wa State Army (UWSA) em uma fábrica de mineração de estanho em Man Maw, território étnico Wa, nordeste de Mianmar, 5 de outubro de 2016.
Soldados da milícia United Wa State Army (UWSA) observam operações em uma fábrica de estanho no território Wa, nordeste de Mianmar — 5 de outubro de 2016. (Foto: REUTERS/Soe Zeya Tun)

Nas colinas remotas do estado de Shan, no leste de Mianmar, ganha força uma operação estratégica chinesa para garantir o abastecimento de terras raras pesadas — essenciais em turbinas eólicas, veículos elétricos e sistemas de defesa. Sob a proteção do Exército do Estado Wa Unido (UWSA), milícia alinhada a Pequim, surgem novos sítios de extração que podem reconfigurar as cadeias globais de suprimento desses minerais críticos.

Contexto Geopolítico e Econômico

A China detém cerca de 80–85% da capacidade mundial de processamento de terras raras pesadas, mas depende de fontes externas para o minério bruto. Entre janeiro e abril de 2025, quase metade das importações chinesas de óxidos de disprósio e térbio teve origem em Mianmar, segundo dados aduaneiros. Porém, a suspensão das operações na região de Kachin, tomada por um grupo antijunta, obrigou Pequim a buscar depósitos alternativos em Shan, onde a UWSA mantém um cessar-fogo de décadas com o regime militar.

Importância Estratégica das Terras Raras

  • Energias Renováveis: ímãs de neodímio-terbium-dysprosium são vitais em turbinas eólicas de alta potência.
  • Mobilidade Elétrica: motores de carros elétricos demandam essas ligas para oferecer eficiência e compactação.
  • Defesa e Aeroespacial: sistemas de navegação de precisão e sensores dependem de altas propriedades magnéticas.
  • Saúde: equipamentos de ressonância magnética utilizam óxidos de terras raras para gerar campos intensos e estáveis.

Sem um fluxo contínuo, a instabilidade de preços prejudica fabricantes e acentua a rivalidade entre China e Estados Unidos na corrida tecnológica.

O Papel do Exército Wa Unido (UWSA)

Com efetivo estimado em 30–35 mil combatentes, o UWSA administra uma região equivalente à Bélgica, livre de grandes conflitos internos. Sob sua vigilância, apenas veículos autorizados — portando documentos emitidos pela milícia — acessam as minas. O grupo financia-se não só com a mineração, mas também com narcotráfico, criando uma rota de rendimento paralelo ao controle estatal.

Impactos Ambientais e Sociais

As operações de lixiviação em tanques abertos escavam encostas e expõem cursos d’água a agentes ácidos, contaminando solos e lençóis freáticos. Imagens de satélite indicam erosão acelerada e desmatamento extensivo. A mão de obra, composta por ao menos 100 trabalhadores em turnos diurnos e noturnos, lida sem equipamentos de proteção adequados, sob condições que favorecem doenças cutâneas e respiratórias.

Desdobramentos Recentes

  • Iniciativas de Diversificação: a Agência Internacional de Energia (IEA) alerta para a urgência de apoiar projetos fora dos principais produtores, sob risco de escassez significativa até 2035, mesmo em mercados aparentemente bem supridos
  • Negociações de Troca: reportagem da AP News revela que Pequim utilizou o controle de metais críticos como trunfo para suspender sanções de vistos contra estudantes chineses nos EUA.

Perspectivas Futuras

Com a instabilidade em Kachin e a consolidação em Shan, a China reforça sua estratégia de segurança de longo prazo. Em resposta, EUA e Europa redobram esforços em reciclagem de ímãs e em parcerias com Austrália e Brasil, mas enfrentam prazos e investimentos robustos. A tensão entre autonomia estratégica e responsabilidade socioambiental definirá o novo mapa da corrida global por terras raras neste e no próximo decênio.

Conclusão

A expansão da China sobre novos depósitos de terras raras em Shan, com apoio de milícias locais e à margem da legalidade internacional, evidencia uma estratégia calculada de garantir domínio sobre insumos cruciais da economia verde e da indústria de ponta. Essa manobra aprofunda a assimetria no acesso global a minerais críticos e desafia países ocidentais a acelerar alternativas sustentáveis e autônomas.

Em meio a uma disputa comercial repleta de incertezas e tensões geopolíticas crescentes, a mineração de terras raras deixa de ser apenas um setor industrial — e se confirma como um instrumento de poder e influência global. O que se decide nos campos isolados de Mianmar reverbera diretamente nos polos tecnológicos do mundo inteiro.

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