Colapso do Governo Holandês após PVV de Geert Wilders Deixar a Coalizão

Geert Wilders discursando em comício do partido de extrema direita VOX em Madrid, Espanha, fevereiro de 2025.
Geert Wilders, líder da extrema direita holandesa, fala durante evento do partido espanhol VOX em Madrid, em 8 de fevereiro de 2025. REUTERS/Ana Beltran/File Photo

Nesta terça-feira, 3 de junho de 2025, o Partido pela Liberdade (PVV), liderado por Geert Wilders, anunciou sua saída da coalizão governista nos Países Baixos, colocando o governo de direita à beira de um colapso institucional. Wilders alegou que os demais integrantes da coalizão se recusaram a acatar seu plano de dez pontos para endurecer a política de asilo e imigração, incluindo o fechamento de fronteiras, a deportação de migrantes sírios e o uso das Forças Armadas para reforçar o controle fronteiriço. Em resposta, todos os ministros do PVV se demitiram, informando o primeiro-ministro Dick Schoof, que convocou imediatamente uma reunião de emergência do gabinete. Esse desfecho abre caminho para eleições antecipadas, possivelmente em setembro de 2025, e aumenta a incerteza política numa Europa já polarizada pelos debates sobre migração e segurança.

Origens da Coalizão e Perfil de Geert Wilders

Após as eleições legislativas de novembro de 2023, o PVV conquistou a maior bancada no Parlamento, somando 23% dos votos, mas não obteve maioria absoluta para soletrar sozinho as políticas de governo. Para viabilizar a formação de um Executivo, Wilders fechou aliança com três partidos conservadores menores: o Partido Popular pela Liberdade e Democracia (VVD), a Nova Aliança Social (NSC) e o Movimento de Fazendeiros e Cidadãos (BBB). Como forma de atenuar receios sobre o extremismo de Wilders, optou-se por nomear o ex-chefe de inteligência civil Dick Schoof como primeiro-ministro tecnocrata, em vez de atribuir o cargo diretamente ao líder do PVV. Esse arranjo, no entanto, gerou uma coalizão historicamente frágil, sustentada por apenas 51 dos 76 assentos necessários para controle parlamentar pleno, tornando-a vulnerável a atritos sobre temas centrais, especialmente imigração e asilo.

Conflitos Instalados pela Agenda de Imigração

Desde a posse em julho de 2024, a coalizão enfrentou intensas disputas internas. Wilders pressionava por medidas radicais, como encerrar completamente o processamento de pedidos de refúgio, determinar patrulhamento militar nas fronteiras e deportar migrantes condenados por delitos graves. Os parceiros de coalizão questionavam a constitucionalidade e a compatibilidade dessas medidas com o acervo europeu de direitos. Em fevereiro de 2025, o Conselho de Estado qualificou o projeto de lei de asilo como “mal elaborado” e indicou que não reduziria de fato o fluxo de requerentes, mas sobrecarregaria o sistema judiciário e as agências de imigração. Essa rejeição intensificou o impasse, pois Wilders anunciava repetidamente que novas concessões não seriam aceitas.

O Dia da Ruptura: 3 de Junho de 2025

No início da tarde de terça-feira, Wilders publicou em sua conta na plataforma X a mensagem sucinta: “Sem assinatura em nossos planos de asilo. O PVV deixa a coalizão.” Logo em seguida, comunicou pessoalmente a Schoof que todos os ministros e secretários de estado indicados pelo PVV se demitiriam. Às 13h30 (horário local), o primeiro-ministro reuniu o conselho de ministros em caráter emergencial para avaliar as consequências. A renúncia repentina foi motivada pela recusa — oficializada nas semanas anteriores — de aprovar quatro dos dez pontos propostos pelo PVV, que incluíam fechar abrigos de refugiados, impedir a reunificação familiar de requerentes de asilo e enviar imediatamente migrantes sírios de volta a seus países de origem.

Reação dos Parceiros de Coalizão

As reações entre os três partidos restantes — VVD, NSC e BBB — foram de choque e indignação. A líder do VVD, Dilan Yesilgoz, declarou que “há uma guerra em nosso continente; em vez de enfrentar esse desafio, Wilders se exime de responsabilidade” e acusou-o de “colocar interesses pessoais acima do bem nacional”. Nicolien van Vroonhoven, à frente do NSC, classificou a saída do PVV como “irresponsável”, sobretudo às vésperas de receber líderes mundiais para a cúpula da Otan em Haia. Caroline van der Plas, do BBB, embora reconhecesse que “essa coalizão chega ao fim”, ainda não descartou tentar compor nova base parlamentar após as eleições.

Impacto na Política de Defesa e na Agenda Internacional

Com a coalizão sem maioria e à beira do colapso, o Parlamento fica impossibilitado de aprovar rapidamente o aumento de gastos militares para atingir a meta de 2% do PIB exigida pela Otan. Isso ocorre num momento crítico, já que a cúpula da aliança está programada para 11 e 12 de junho em Haia, e decisões sobre envio de armamentos à Ucrânia e reforço logístico dependem de aval parlamentar. Analistas alertam que uma situação de governo interino ou de minoria fragiliza o papel dos Países Baixos como parceiro confiável na aliança e pode adiar anúncios importantes de apoio financeiro e militar.

No âmbito europeu, a saída de Wilders reacende o debate sobre a coesão do bloco na política de asilo e migração. Outros líderes de ultradireita em ascensão — como Karol Nawrocki na Polônia e Andrej Babis na República Tcheca — podem sentir-se encorajados a intensificar retórica similar, enquanto parceiros centristas em Bruxelas avaliam a necessidade de reforçar mecanismos de solidariedade interna. Ainda existe a preocupação de que ataques à integração europeia e críticas ao “controle de Bruxelas” ganhem força, dificultando acordos sobre pacotes de ajuda à Ucrânia, medidas climáticas e regulações econômicas conjuntas.

Divisão na Opinião Pública Holandesa

Em pesquisas realizadas logo após o anúncio, o PVV aparece com cerca de 20% das intenções de voto, num empate técnico com a coligação trabalhista-verde liderada por Frans Timmermans. Nas ruas de Amsterdã, eleitores expressam posições divergentes. Para Michelle ten Berge, “as eleições antecipadas são uma chance de escolher um governo mais moderado e dialogante”. Já Ron van den Hoogenband acredita que “Wilders pode sair ainda maior vitorioso, seguindo o exemplo de Trump e de outros governos ultraconservadores na Europa”.

Levantamentos do Ipsos, de maio de 2025, indicam que a confiança de 50% dos entrevistados no governo de Schoof variava de “razoável” a “boa”, mas que a insatisfação crescia conforme o impasse no parlamento se estendia. Parte do eleitorado do NSC demonstra cansaço com as disputas internas, especialmente após críticas ao atraso em decisões sobre impostos e investimentos sociais.

Cenários Possíveis para o Pós-Colapso

Governo de Minoria Temporário
Tecnicamente, VVD, NSC e BBB poderiam governar como uma coalizão minoritária, mantendo o gabinete em funções limitadas até que matérias urgentes fossem aprovadas em negociações pontuais com a oposição. Porém, a oposição já sinalizou resistência, sobretudo em temas críticos como orçamento e políticas de defesa, tornando esse cenário pouco provável a longo prazo.

Eleições Antecipadas (Cenário Mais Provável)
A dissolução oficial do Parlamento pode vir a ocorrer em junho, com previsão de eleições para setembro de 2025. Pesquisas divulgadas imediatamente após o colapso apontam que o PVV ainda lidera, mas sua popularidade sofreu ligeira queda, não garantindo disparidade confortável. Caso repita-se o desempenho de 2023, Wilders teria força para negociar coalizões restritas, porém continuaria dependente de partidos moderados para formar maioria. Enquanto isso, forças de centro e esquerda ensaiam alianças para conter o avanço do discurso ultradireitista.

Análise dos Riscos e Desafios Futuros

  • Escalada da Polarização Social: A insistência em políticas de imigração drásticas aprofunda fissuras na sociedade, especialmente em comunidades de origem marroquina e turca, que já vêm sendo alvo de discursos de ódio. O risco de protestos e ações judiciais contra eventuais violações de direitos aumenta com a radicalização de narrativas.
  • Pressão sobre a Coesão Europeia: O fortalecimento de forças nacionalistas em diferentes países pode corroer mecanismos de solidariedade da UE, prejudicando pactos econômicos e a resposta conjunta à crise da Ucrânia. Deputados no Parlamento Europeu já manifestaram preocupação de que novas despejas de tratados de Schengen voltem à tona.
  • Credibilidade Internacional: A incapacidade de aprovar o orçamento de defesa e de firmar compromissos de ajuda à Ucrânia mina a reputação histórica dos Países Baixos como mediador confiável e parceiro em missões multilaterais, afetando negociações futuras em consórcios internacionais, desde projetos de infraestrutura — como Nord Stream III — até acordos climáticos.

Conclusão

A retirada do PVV de Geert Wilders da coalizão governista holandesa expôs as fragilidades de um arranjo que conviveu perigosamente com agendas díspares, dominadas por tensões sobre imigração e soberania nacional. A recusa em atender às demandas do PVV para endurecer a legislação de asilo — já considerada inconstitucional pelo Conselho de Estado — tornou inevitável o colapso do governo tecnocrata de Dick Schoof. Esse processo não apenas atrasa medidas essenciais, como o aumento de gastos de defesa em prol da Otan, mas também evidencia a polarização crescente na sociedade holandesa e o impacto de correntes de ultradireita em todo o continente.

Nas próximas semanas, a Holanda precisará gerir a transição para um regime interino, administrar a aprovação de matérias urgentes em um Parlamento fragmentado e, por fim, organizar eleições antecipadas que podem confirmar o reforço de Wilders ou dar sobrevida a blocos de centro e esquerda. O desfecho determinará não só o rumo político interno, mas também a influência do país em assuntos cruciais para a segurança europeia e a coesão do bloco ocidental.

1 Trackback / Pingback

  1. Eleições Na Holanda 2025: Nova Votação Em Outubro

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*