Congo Dobra Salários de Militares em Resposta ao Avanço Rebelde: Uma Medida Suficiente?

Soldados congoleses das Forças Armadas da RDC (FARDC) montam guarda durante visita do ministro da Defesa, Guy Kabombo Muadiamvita, e do governador militar, major-general Somo Kakule Evariste, ao território de Beni, na província de Kivu do Norte, República Democrática do Congo, em 10 de fevereiro de 2025. REUTERS/Gradel
Soldados das FARDC em posição de segurança durante visita de autoridades a Beni, Kivu do Norte, em 10/02/2025. A região é palco de conflitos entre forças governamentais e grupos armados. (Foto: Gradel/REUTERS)"

A República Democrática do Congo (RDC) anunciou recentemente uma significativa elevação nos salários de seus militares e policiais como resposta ao avanço do grupo rebelde M23 nas regiões orientais do país. O governo pretende combater a desmoralização das tropas e fortalecer a resistência contra a crescente ameaça rebelde. No entanto, apesar da medida ser considerada essencial, ela não resolve os problemas mais profundos que afetam o exército congolês e a segurança do país.

O Avanço do M23 e os Desafios das Forças Congolesas

O M23, uma milícia que domina atualmente grande parte do leste da RDC, já controla 40% da província de Kivu do Norte. Utilizando táticas de guerra modernas, como drones e armamento avançado, o grupo tem pressionado as Forças Armadas da RDC (FARDC), que enfrentam dificuldades logísticas e uma falta de equipamentos adequados. De acordo com depoimentos de militares, cerca de 60% das armas utilizadas pelas forças governamentais são obsoletas, como o AK-47, um fuzil que remonta à era soviética.

As condições no campo de batalha são extremamente desafiadoras. Soldados relatam escassez de alimentos, munições e até mesmo falta de pagamento, o que contribui para a queda de moral. Um capitão em Beni, na região de Kivu do Norte, afirmou que as tropas foram forçadas a combater com facões devido à falta de recursos. A situação só se agrava com a crescente desconfiança nas lideranças militares e a presença de “soldados fantasmas” no cadastro militar, um fenômeno que afeta a capacidade real de combate do exército.

A Dobra Salarial: Uma Solução Eficaz?

Como forma de melhorar a situação, o governo congolês anunciou o aumento de salários para seus militares. Soldados rasos, que anteriormente recebiam US$ 100 mensais, passarão a receber US$ 200, enquanto sargentos e oficiais terão seus vencimentos duplicados. A medida, no entanto, enfrenta grandes desafios. Muitos soldados não recebem seus salários há meses devido a atrasos crônicos, e as falhas na implementação da medida são evidentes, com a dificuldade de acesso a bancos em zonas de conflito.

Especialistas, como o economista congolês Valery Madianga, alertam que, sem reformas estruturais no exército e uma abordagem mais ampla de combate à corrupção, o aumento salarial será apenas um paliativo temporário. Para que a medida tenha impacto real, é essencial que o governo reforce a disciplina interna, elimine os “soldados fantasmas” e promova uma gestão financeira mais eficiente.

O Contexto Geopolítico e Econômico

O conflito no leste do Congo não é apenas uma luta interna. O território é rico em minerais essenciais para a economia global, como o cobalto, que representa 70% das reservas mundiais. O M23 tem se aproveitado dessa riqueza, cobrando taxas sobre o minério contrabandeado, que segue uma rota que passa por Ruanda até chegar à China ou Europa. Há alegações, respaldadas por relatórios da ONU, de que Ruanda estaria apoiando o M23 com armas e tropas, embora Kigali afirme que a intervenção seja uma defesa contra milícias hostis.

Essa dinâmica geopolítica torna o conflito ainda mais complexo, com potências internacionais envolvidas de maneira indireta por meio do comércio de minerais, o que amplia a necessidade de uma abordagem diplomática mais rigorosa e de pressão sobre os países que alimentam o conflito com armas e recursos.

O Impacto Humanitário: Uma Crise Prolongada

Além das perdas militares, o conflito tem causado um sofrimento imenso entre a população civil. De acordo com a ONU, cerca de 1.200 civis já foram mortos em 2025, e mais de 2,3 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas. A violência sexual se tornou uma arma de guerra, com 300 casos relatados a cada mês em hospitais de Beni. Milhares de crianças estão sendo recrutadas por grupos armados, transformando a região em um terreno fértil para violações de direitos humanos.

Em meio a essa crise, os testemunhos de trabalhadores humanitários revelam as atrocidades vividas pelos civis, incluindo mulheres que chegam aos campos de deslocados com órgãos genitais gravemente mutilados por estilhaços de explosivos.

Reações Internacionais e Possíveis Caminhos

A resposta internacional tem sido lenta e, em muitos casos, insuficiente. A União Europeia destinou €210 milhões para a crise congolesa, um valor irrisório comparado aos €18 bilhões destinados à Ucrânia. A ONU discute possíveis sanções contra Ruanda, mas ainda não tomou ações efetivas. O futuro do Congo dependerá de uma solução diplomática, que pode envolver negociações com a China para um controle mais eficiente dos recursos minerais ou uma mediação de potências regionais, como a Angola, que já demonstraram interesse em intermediar o processo de paz.

Conclusão

A medida de dobrar os salários dos militares congoleses é um passo importante, mas está longe de ser suficiente. Para que o Congo enfrente sua crise de forma eficaz, é necessário ir além de soluções superficiais e promover reformas estruturais no exército, pressionar a comunidade internacional a agir contra os responsáveis pelo apoio ao M23 e garantir uma proteção mais eficaz para a população civil.


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