
Nesta quarta-feira (23), as negociações em Londres que reuniriam representantes dos Estados Unidos, Ucrânia e Europa para debater o fim da guerra na Ucrânia sofreram um revés significativo. O principal articulador americano, secretário de Estado Marco Rubio, cancelou abruptamente sua viagem, e o encontro de alto nível foi substituído por reuniões técnicas de níveis inferiores.
Contexto e importância das negociações
Desde o início da invasão russa, em fevereiro de 2022, tentativas de mediação internacional têm buscado um cessar-fogo incondicional e garantias de segurança para a Ucrânia. Na semana anterior, em Paris, especialistas dos EUA, Ucrânia, Reino Unido, França e Alemanha já haviam discutido propostas para estreitar posições, mas sem avanços decisivos. A expectativa em Londres era dar seguimento a esse processo, agora abruptamente fragilizado pela ausência de Rubio.
Impacto do cancelamento de Rubio
Rubio justificou o cancelamento como uma oportunidade de remarcar para “meses vindouros” após a realização de reuniões técnicas. No entanto, sua ausência desencadeou:
- Cancelamento do encontro de ministros estrangeiros da Ucrânia, Reino Unido, França e Alemanha;
- Rebaixamento da representação dos EUA para o enviado especial, Gen. Keith Kellogg;
- Incerteza sobre o comprometimento americano, especialmente após o alerta de Trump de que Washington poderia abandonar as negociações sem progresso rápido.
A decisão ocorre em momento crítico: o presidente Donald Trump pressionou publicamente por um acordo ainda em abril, aumentando a urgência (e a volatilidade) do processo.
Divergências e Proposta de Paz
As posições dos principais envolvidos na negociação revelam profundas divergências, refletidas na proposta liderada pelos EUA:
Posição da Ucrânia
- Exige cessar-fogo total e incondicional antes de discutir qualquer questão territorial;
- Recusa reconhecer a soberania russa sobre a Crimeia, anexada em 2014, considerada “linha vermelha” pelo governo de Volodymyr Zelensky.
Posição dos Estados Unidos (Proposta de Trump)
Concessões à Rússia:
- Reconhecimento legal da posse da Crimeia por parte dos EUA;
- Aceitação de fato da ocupação de Luhansk, partes de Donetsk, Kherson e Zaporizhzhia;
- Garantia de que a Ucrânia não entrará na OTAN, embora possa aderir à União Europeia;
- Levantamento das sanções impostas desde 2014;
- Expansão da cooperação econômica EUA-Rússia, com ênfase nos setores de energia e indústria.
Concessões à Ucrânia:
- “Garantias de segurança” fornecidas por países europeus, sem o envolvimento direto dos EUA;
- Devolução de partes do território na região de Kharkiv;
- Direito de navegação ao longo do rio Dnipro;
- Ajuda para reconstrução do país, embora sem clareza sobre as fontes de financiamento.
Outros pontos:
- A usina de Zaporizhzhia seria formalmente ucraniana, mas operada por técnicos norte-americanos, com distribuição de energia entre Ucrânia e Rússia;
- Um acordo sobre minerais estratégicos entre EUA e Ucrânia está previsto para ser assinado na quinta-feira.
Posição Europeia
- França e Alemanha descartam qualquer negociação que valide a anexação da Crimeia ou o fim antecipado das sanções;
- Exigem manutenção das restrições econômicas até que um acordo final seja firmado;
- Propõem garantia de segurança via força europeia, sem demilitarização precoce da Ucrânia.
Essas divergências expõem um fosso entre o pragmatismo das propostas estadunidenses e as “linhas vermelhas” ucranianas e europeias, dificultando uma frente unida.
Inclusão de citações de especialistas
Para reforçar a autoridade e a profundidade analítica do texto, apresentamos a seguir opiniões de reconhecidos especialistas em política internacional e segurança:
“A falta de coesão entre os aliados ocidentais envia um sinal de fraqueza a Moscou, que poderá explorar essas fissuras para obter concessões maiores no futuro”, avalia Ian Bremmer, presidente do Eurasia Group, especialista em riscos geopolíticos.
Segundo Martha Finnemore, renomada professora de Relações Internacionais na Universidade de Oxford, “um cessar-fogo sem garantias robustas de fiscalização e mecanismos de verificação será instável e provavelmente colapsará, revertendo qualquer progresso diplomático”.
Para Michael Kofman, pesquisador sênior do CNA Institute for Security Studies, “a proposta de neutralidade da usina de Zaporizhzhia é inteligente, mas sua implementação prática exigirá fiscalização internacional intensiva e um acordo claro sobre regras de engajamento”.
Próximos passos e cenários possíveis
- Reagendamento pelo governo americano da cúpula de alto nível, provavelmente após definição de um texto comum entre EUA e aliados europeus.
- Reforço das negociações técnicas, lideradas por Gen. Kellogg, focando em detalhes de um possível cessar-fogo e desenho de zonas neutras.
- Pressão doméstica e internacional: Trump busca um feito político até maio; aliados europeus resistem a concessões que poderiam fragilizar o regime de sanções.
- Risco de impasse prolongado, caso não se alinhem as expectativas sobre Crimeia, sanções e garantias de segurança.
Conclusão
O rebaixamento das conversas de paz em Londres reflete as tensões entre realismo geopolítico e princípios de soberania. Enquanto Washington sinaliza flexibilidade para avançar rapidamente, Ucrânia e Europa mantêm posições rígidas sobre integridade territorial e sanções. O equilíbrio entre essas visões definirá se, nos próximos meses, haverá um avanço concreto rumo a um cessar-fogo ou se o conflito se arrastará, perpetuando a crise humanitária e os riscos de escalada.
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