Eleição Presidencial na Coreia do Sul: Desafios Institucionais, Polarização Política e Cenário Geopolítico

Lee Jae-myung, candidato presidencial do Partido Democrático da Coreia do Sul, em comício eleitoral em Hanam, junho de 2025.
Lee Jae-myung participa de comício eleitoral em Hanam, Coreia do Sul, na reta final da campanha presidencial de 2025. Foto: REUTERS/Kim Hong-Ji

A eleição presidencial de 3 de junho de 2025 na Coreia do Sul ocorre em um contexto de crise institucional sem precedentes desde a democratização dos anos 1980. Decorrida da destituição de Yoon Suk Yeol em 4 de abril de 2025, após sua tentativa de impor lei marcial em dezembro de 2024, a votação expressa o clamor por recuperação democrática e renovação econômica. Com Lee Jae-myung (Partido Democrático) liderando as intenções de voto e Kim Moon-soo (Partido do Poder Popular) em busca de reconquistar a confiança de eleitores conservadores, o pleito reflete a disputa entre propostas de reforma social expansiva e uma agenda mais pró-mercado e alinhada aos Estados Unidos. Este artigo analisa os principais elementos que moldaram a disputa, incluindo os antecedentes da crise, os perfis dos candidatos (sem o cabeçalho específico), as estratégias de campanha, o comportamento dos eleitores, as implicações domésticas e o impacto nas relações internacionais.

Contexto da Crise Institucional

Em 3 de dezembro de 2024, o então presidente Yoon Suk Yeol declarou lei marcial em Seul e regiões adjacentes, sob o argumento de conter protestos contra seu governo. A medida, revogada poucas horas depois, foi vista como uma tentativa de interferir no processo democrático, gerando intensa mobilização popular e parlamentar. Em 14 de dezembro de 2024, a Assembleia Nacional aprovou o segundo pedido de impeachment contra Yoon, suspendendo suas funções. A Corte Constitucional, em 4 de abril de 2025, confirmou a procedência do impeachment, apontando que a imposição de lei marcial constituiu uma grave violação dos deveres presidenciais, culminando na remoção definitiva de Yoon.

De acordo com a Constituição sul-coreana, a vacância do cargo presidencial exige a realização de eleição em, no máximo, 60 dias. Em 8 de abril de 2025, o presidente interino Han Duck-soo anunciou que o pleito ocorreria em 3 de junho de 2025. Em razão da decisão tardia da Corte, não houve o período tradicional de transição de dois meses: o presidente eleito seria empossado horas após a certificação do resultado, prevista para 4 de junho de 2025. Essa urgência reforçou a sensação de afronto à estabilidade institucional, tornando a eleição um divisor de águas para a República da Coreia.

Candidatos e suas Propostas

Lee Jae-myung (Partido Democrático)
Ex-governador da província de Gyeonggi e ex-prefeito de Seongnam, Lee Jae-myung, de 60 anos, emergiu como figura central na movimentação parlamentar que resultou na destituição de Yoon. Seu perfil de advogado de direitos humanos e sua atuação como líder da bancada que articulou o impeachment conferiram-lhe legitimidade entre setores progressistas, sobretudo jovens desiludidos com práticas autoritárias. Lee enfrenta processos judiciais por suposta corrupção, mas, caso eleito, goza de imunidade presidencial, o que suspenderia temporariamente esses julgamentos.

Na campanha, seu discurso centrou-se na necessidade de unir a nação e reparar as feridas deixadas pela crise. Em seu comício final na Grande Seul, Lee destacou que o pleito era um “momento decisivo” entre a continuidade democrática e o retrocesso ao autoritarismo, acusando o Partido do Poder Popular de agir como “simpatizante de insurreição” ao proteger, ainda que tacitamente, a decisão de Yoon. Em termos econômicos, propôs três pilares principais:

  1. Redução imediata do custo de vida para famílias de renda média e baixa, com subsídios direcionados a energia e alimentos básicos.
  2. Fortalecimento de pequenos empresários, via linhas de crédito subsidiadas e isenções fiscais temporárias, em resposta à queda de 0,4% no PIB registrada no primeiro trimestre de 2025.
  3. Reativação do diálogo intercoreano, condicionando avanços econômicos à desnuclearização gradual da Coreia do Norte, com supervisão internacional.

Kim Moon-soo (Partido do Poder Popular)
Com 73 anos, Kim Moon-soo é ex-ministro do Trabalho no governo de Park Geun-hye e carrega ligações históricas ao conservadorismo sul-coreano, tendo elogiado o legado autoritário de Park Chung-hee em debates anteriores. Indicado de forma controvertida pelo partido, Kim superou resistências internas a seu nome, mantendo base entre funcionários públicos, empresários e eleitores mais velhos que priorizam estabilidade e alianças tradicionais com os EUA.

Em seu discurso de encerramento na ilha de Jeju, seguido por comícios em províncias-chave, Kim repetiu um pedido de desculpas públicas pelas ações de Yoon e se posicionou em prol de uma “reforma política” que coíba futuros abusos de poder. Seu principal temor foi a ascensão de Lee, a quem chamou de “perigoso” e capaz de governar sem freios, dada a maioria do Partido Democrático no parlamento. Economicamente, defende:

  1. Desregulação econômica ampla, com redução de impostos para grandes investidores estrangeiros e simplificação de barreiras burocráticas, visando atrair capitais e retomar o crescimento.
  2. Política de segurança rígida: aumento de gastos militares e aprofundamento dos exercícios conjuntos com os EUA, em face das crescentes atividades nucleares da Coreia do Norte.
  3. Reforço das relações trilaterais com Japão e Estados Unidos, mantendo longevidade das bases militares americanas no território sul-coreano.

Terceiros e Independentes (informação atualizada)
Embora a disputa se integre sobretudo entre Lee e Kim, candidatos de partidos menores mantêm presença simbólica na tela nacional. Destacam-se:

  • Kwon Yeong-guk (Partido do Trabalho / Social Transformation Solidarity), líder do Partido Democrático Trabalhista, que defende a liquidação de forças “insurrecionais” que ameaçaram a democracia durante a crise, ao mesmo tempo em que propõe uma agenda de combate à desigualdade e fortalecimento dos direitos trabalhistas. Apesar de qualificado para debates televisivos, Kwon não ameaça as duas principais candidaturas.
  • Koo Joo-wa (Partido Liberal da Unificação), substituta de Jeon Kwang-hoon, inabilitado para concorrer, com foco em pautas conservadoras cristãs. Tais candidaturas agregam fragmentos de eleitorado, mas não alteram significativamente as projeções para Lee e Kim.
  • Retirada de Hwang Kyo-ahn em 1º de junho de 2025, que anunciou apoio a Kim Moon-soo, reforçou a consolidação do voto conservador em torno do candidato oficial do Partido do Poder Popular.

Dinâmica da Campanha e Estratégias

Nos últimos dias de campanha, Lee concentrou suas ações na Grande Seul, região que concentra cerca de 50% do eleitorado nacional (aproximadamente 22 milhões de eleitores). Realizou comícios em distritos como Gangnam, Songpa e Seongbuk, enfatizando a ideia de que a eleição definiria se a Coreia do Sul continuaria como “república democrática” ou retornaria a práticas autoritárias. O discurso de Lee mesclou retórica de reconciliação nacional com promessas concretas de auxílio a famílias vulneráveis, buscando capitalizar a crescente percepção de crise econômica (inflação de 3,2% ao ano e desemprego em 3,5%) e sob pressão por cortes de gastos públicos.

Em contrapartida, Kim iniciou a jornada final em Jeju, simbolizando a tentativa de retomar a confiança em regiões tradicionalmente mais conservadoras. Ao longo do dia, percorreu províncias chave como Gyeongsang do Sul e Jeolla do Norte, acusando Lee de “populismo” e de pretender governar sem freios, dado o controle do parlamento pelo Partido Democrático. Em Seul, seu comício final procurou atrair eleitores moderados que estivessem receosos com um governo de esquerda: Kim argumentou que só sua proposta de desregulação e forte aliança com Washington garantiria estabilidade econômica e segurança nacional frente às ameaças de Pyongyang.

As pesquisas de mais de uma centena de institutos, compiladas ao longo de maio, indicaram Lee à frente com média de 49,2% das intenções de voto, contra 36,8% de Kim, mas com cerca de 13% de indecisos. Essa margem ainda sugeria possibilidade de reviravolta, pois a volatilidade dos eleitores jovens (18–29 anos) e de renda média criou cenários de “última hora” que poderiam favorecer Kim, caso Lee enfrentasse desgastes por eventuais declarações controversas.

Perfil do Eleitorado e Tendências

A taxa de participação projetada chegou a 72%, em linha com o histórico de engajamento eleitoral sul-coreano, especialmente após escândalos que abalaram a confiança nas instituições. Observam-se as seguintes tendências:

  • Jovens (18–29 anos): inicialmente inclinados a Lee por rejeitarem o conservadorismo e o legado autoritário de Park Geun-hye, muitos passaram a questionar seu pragmatismo, receosos de que políticas sociais amplas pudessem elevarem o déficit público de modo insustentável. A incerteza dessa faixa etária chegou a ser destacada em enquetes de 30 de maio, que mostraram 15% ainda indecisos, potencialmente chave para o resultado.
  • Eleitores de 30–49 anos: a avaliação do desempenho econômico recente (inflação em 3,2% e desemprego em 3,5%) fez com que boa parte buscasse um candidato capaz de implementar políticas eficazes no combate ao aumento dos preços. Um estudo do Instituto Coreano de Políticas Sociais, publicado em 28 de maio, apontou que 58% desse grupo confiam em Lee para reduzir o custo de vida, ao passo que 32% declaram-se mais alinhados às propostas de Kim sobre atração de investimentos.
  • Eleitores rurais e de pequenas cidades: historicamente mais conservadores, privilegiaram Kim, sobretudo após seu compromisso em desburocratizar suporte a produtores agrícolas e industriais, que enfrentaram quedas de receita no primeiro trimestre de 2025. Em províncias de Jeolla do Norte e Gyeongsang do Sul, cadernos eleitorais registraram minoritários protestos contra Lee, chegando a 2% nas vésperas da votação.
  • Híbridos políticos e indecisos: cerca de 13% dos eleitores mantinham dúvida até o último momento, oscilando conforme os debates e comícios de 1º e 2 de junho. Fatores como declarações de autoridades religiosas, baseball players endossando candidatos e posicionamentos de influenciadores digitais criaram micro-picos de indecisão, mas não suficientes para modificar a liderança de Lee nos índices gerais.

Implicações Domésticas da Eleição

Se Lee Jae-myung Vencer

  • Reforço de Políticas Sociais: prevê-se aumento de investimentos em programas de bem-estar, moradia social e geração de empregos para jovens, o que pode elevar o déficit público. Agências de rating, como a Moody’s e a S&P, já manifestaram preocupação em fevereiro de 2025 com possíveis cortes nos gastos em setores produtivos para sustentar crescentes programas sociais.
  • Mediação da Polarização: caberá a Lee promover diálogo entre facções políticas, em especial com parlamentares do Partido do Poder Popular, para evitar bloqueios legislativos. O risco imediato é a obstrução de projetos de orçamento que priorizem concessões sociais, potencialmente gerando impasse entre Executivo e Legislativo.
  • Relações Trabalhistas: espera-se revisão de leis trabalhistas, com fortalecimento dos sindicatos e regulamentação de contratos precários, o que pode gerar resistência de grandes conglomerados (chaebols) e tensionar o mercado de trabalho.
  • Diálogo Intercoreano: Lee enfatiza negociação gradual com Pyongyang mediante desnuclearização progressiva, resgatando iniciativas de cúpulas realizadas em 2018–2019. O governo chinês assinalou em maio de 2025 que apoiaria esforços de paz, desde que não envolvam retirada das sanções econômicas impostas à Coreia do Norte.

Se Kim Moon-soo Vencer

  • Agenda Pró-Mercado: a desregulação ampla e redução de impostos devem atrair investimentos de curto prazo, mas pode enfraquecer proteções a setores vulneráveis, como pequenas empresas e agricultura familiar. Especialistas advertem que a desigualdade poderia se exacerbar sem contrapartidas sociais.
  • Fortalecimento da Aliança com os EUA: Kim promete expandir exercícios militares conjuntos e potencialmente autorizar maior contingente de tropas norte-americanas em solo sul-coreano, o que pode inflamar tensões com Pequim, que já manifestou descontentamento em março de 2025 com manobras navais em Mar do Leste.
  • Reformas Políticas: embora Kim tenha se comprometido a coibir excessos autoritários, sua história de ligação ao establishment conserva­dor gera desconfiança de que possa manter vetos a insurreições, limitando a autonomia de movimentos cívicos. A oposição afirma que seu governo poderia restringir manifestações de rua mediante leis de ordem pública mais rígidas.
  • Relações com o Japão e a China: Kim tende a priorizar a aliança trilateral com EUA e Japão, o que poderia resultar em tensões comerciais com Pequim, já que em maio de 2025 ocorreram ameaças veladas de Pequim sobre tarifas em produtos eletrônicos sul-coreanos caso avanços da Otan na região asiática se intensifiquem.

Cenário Internacional e Segurança Regional

A geopolítica da Península Coreana permanece instável. Enquanto Lee Jae-myung busca retomar o diálogo intercoreano conduzido por iniciativas multilaterais (sob supervisão de ONU e EUA), Kim Moon-soo defende política de contenção máxima a Pyongyang. O Departamento de Estado dos EUA divulgou em 1º de junho de 2025 que manterá exercícios militares conjuntos “independentemente do resultado” e que aguarda cooperação com o próximo governo sul-coreano no esforço de contenção nuclear norte-coreana.

A China, embora seja principal parceiro comercial da Coreia do Sul (38% das exportações em 2024), vê com cautela qualquer emergência de governo que reforce presença militar americana no território sul-coreano. Em documento divulgado pelo Ministério do Comércio Chinês em 28 de maio, Pequim advertiu sobre riscos à “estabilidade regional” em razão de possíveis novos arranjos de segurança liderados pelos EUA. Já o Japão aguarda garantir a continuação do diálogo trilateral de segurança, especialmente face ao avanço nuclear de Pyongyang e às incursões de mísseis norte-coreanos em 2025, que ocorreram em março e abril.

No âmbito do G7 e da União Europeia, há expectativa de que o novo governo sul-coreano retome a agenda de acordos comerciais e cooperação em temas como mudanças climáticas e tecnologias emergentes (5G/6G). Analistas apontam que, caso Lee seja eleito, poderá haver maior ênfase em energia limpa e normas ambientais mais rígidas para produtos exportados, o que impactaria cadeias globais de suprimentos.

Considerações Finais

A eleição presidencial de 3 de junho de 2025 na Coreia do Sul não é apenas uma disputa por poder executivo, mas um teste decisivo à resiliência democrática do país após a tentativa de imposição de lei marcial. Independentemente de quem vença—Lee Jae-myung ou Kim Moon-soo—, o próximo presidente terá diante de si um quadro de urgência econômica (inflação de 3,2%, PIB estagnado no início de 2025), polarização política intensa e pressão internacional sobre as questões de segurança regional.

Uma vitória de Lee deverá implicar em um salto qualitativo em políticas sociais, mas traz o desafio de evitar o estrangulamento fiscal e lidar com a desconfiança de setores econômicos tradicionais. Caso Kim triunfe, o país avançará em alianças estratégicas com EUA e Japão, sacrificando, porém, parte do espaço de manobra diplomático em relação a Pequim e — potencialmente — endurecendo a disputa ideológica interna.

Ao final do processo de certificação em 4 de junho de 2025, o novo presidente assumirá praticamente imediatamente, sem período de transição, em um país que vive uma de suas fases mais turbulentas. O desafio será restaurar a confiança nas instituições democráticas, ao mesmo tempo em que gere coesão social e resposta assertiva às pressões econômicas e de segurança. O desfecho dessa eleição moldará os rumos da República da Coreia nos próximos anos e repercutirá em toda a dinâmica geopolítica do Leste Asiático.

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