
Na próxima semana, de 24 a 25 de junho de 2025, 32 países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) estarão reunidos em Haia para uma cúpula com dois grandes imperativos: atender ao exigente apelo do presidente americano Donald Trump por elevação substancial dos gastos militares europeus e lidar com a escalada de tensão no Oriente Médio, após os recentes bombardeios americanos em sítios nucleares iranianos. O encontro de dois dias, marcado pela busca de unidade diante de ameaças russas e instabilidades geopolíticas, ganha contornos imprevisíveis em razão dos desdobramentos no Golfo Pérsico.
O desafio de conquistar Trump
Desde 2017, Trump não cessa de criticar o desequilíbrio nos gastos em defesa, pressionando os aliados a cumprir — e agora ampliar — a meta estabelecida em 2014 de 2% do PIB. Para satisfazer o presidente dos EUA, o rascunho do comunicado final propõe:
- 3,5% do PIB em “defesa central” (tropas, armas, operações regulares);
- 1,5% do PIB em “investimentos de segurança”, voltados à adaptação de infraestrutura (rodovias, portos, pontes), proteção de redes críticas e ciberdefesa.
Esse incremento, gradualmente implementado ao longo de dez anos, representaria centenas de bilhões de dólares adicionais ao esforço conjunto — hoje em 2,6% do PIB agregado, equivalente a cerca de US$ 1,3 trilhão em gastos totais, sendo US$ 818 bilhões aportados pelos EUA em 2024. Espanha, porém, já declarou que não seguirá a meta dos 5%: o premiê Pedro Sánchez afirmou que Madrid não planeja elevar seus gastos a esse nível, ainda que tenha ratificado o comunicado.
A Rússia, ameaça persistente — ou secundária?
O objetivo declarado em Haia é também enviar um alerta claro a Vladimir Putin, reafirmando o Artigo 5 do Tratado de Washington (“ataque a um é ataque a todos”). Ainda assim, o texto final conterá apenas uma menção breve à “ameaça russa” e outra ao apoio à Ucrânia, na tentativa de manter Trump engajado e evitar divisões internas. Enquanto líderes europeus veem a Rússia como o maior risco desde a Guerra Fria, Trump tem sinalizado interesse em reaproximação econômica com Moscou, o que inquieta Bruxelas.
O fator iraniano e a imprevisibilidade
Os ataques dos EUA a instalações nucleares iranianas em Fordow, Natanz e Isfahan deram novo fôlego às tensões no Golfo. Teerã já indicou que “retaliações são inevitáveis”. A cúpula deve incluir:
- Avaliação conjunta de riscos às rotas de energia e à segurança de bases europeias no Oriente Médio;
- Comentários oficiais de chefes de governo, caso o Irã responda antes ou durante o encontro;
- Coordenação informal entre ministros de Defesa e Segurança, na véspera, para planejar cenários de escalada.
O governo alemão já confirmou que o Irã será tema de debate na cúpula.
Segurança reforçada e protestos em Haia
Os Países Baixos lançaram a Operação Orange Shield, mobilizando mais de 10.000 militares e policiais, helicópteros de combate, patrulhas marítimas, esquadrões antibombas e sistemas de defesa aérea para proteger o evento. Além disso, desde 23 de junho vigora uma zona de exclusão aérea num raio de 16 km ao redor de Haia, proibindo voos civis — salvo emergências médicas.
Na contramão dessa ostentação, cerca de 5.000 manifestantes se reuniram no dia 22 de junho contra a militarização da OTAN, criticando tanto os novos gastos propostos quanto os recentes ataques ao Irã. O movimento de esquerda e grupos pacifistas organizam um “contra-cúpula” paralelo em defesa da paz e do desarmamento.
Participantes de destaque e ausências
- Outros líderes: a maioria das capitais europeias enviou chefes de Estado ou de Governo, mas evitou temas potencialmente explosivos nos discursos de abertura — para não desagradar Washington.
- Donald Trump: confirmado para os dias 24 e 25, mas o programa foi encurtado para atender à sua agenda — inclusive sem a tradicional coletiva conjunta com o secretário-geral Mark Rutte.
- Volodymyr Zelensky: presente apenas no jantar prévio a portas fechadas, sem vaga na sessão plenária de chefes de Estado, em razão de sua relação conturbada com Trump.
- Fumio Ishiba (Japão): não participará, optando por reuniões em Tóquio com parceiros indo-pacíficos.
Riscos de coesão e cenários futuros
Caso o comunicado de Haia falhe em demonstrar um compromisso sólido e equilibrado entre enfrentar tanto o desafio russo quanto a nova crise iraniana, a OTAN poderá ser vista como:
- Dividida, se os 5% de PIB não tiverem clara trajetória de implementação;
- Surpreendida, caso ações iranianas comprometam rotas de energia ou imponham missões de evacuação naval;
- Relativa dependente, diante de ameaças de cortes de tropas americanas na Europa — uma hipótese sempre presente em discursos de Trump.
A coesão da aliança será testada nos próximos meses, especialmente na linha de frente dos Bálcãs, Mar do Norte e Mar Cáspio — mas, acima de tudo, no Estreito de Ormuz.
Conclusão
A cúpula da OTAN em Haia emerge num momento de tensões múltiplas: a pressão sem precedentes de Trump por mais gastos, a persistente ameaça russa e a imprevisibilidade de um conflito ampliado no Oriente Médio. A efetividade do encontro dependerá menos de promessas de metas orçamentárias e mais da capacidade de reação imediata a crises — teste decisivo para uma aliança que busca reinventar-se 76 anos após sua criação.
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