Crise política e econômica na Argentina: derrota de Milei em Buenos Aires abala mercados e intensifica incertezas

Javier Milei durante discurso na Hoover Institution
O presidente argentino Javier Milei em discurso na Hoover Institution

A Argentina voltou a ser palco de turbulências políticas e econômicas após a derrota do partido de Javier Milei nas eleições legislativas da província de Buenos Aires, reduto estratégico e o mais populoso do país. O resultado, considerado um revés significativo para o presidente, provocou reações imediatas nos mercados financeiros, aprofundando a já frágil confiança dos investidores no rumo da economia nacional.

Esse episódio se soma a outros sinais recentes de enfraquecimento político do governo, como a decisão do Congresso Argentino de derrubar um veto presidencial, movimento que já havia exposto as dificuldades de Milei em manter controle sobre a agenda legislativa (leia mais aqui).

A derrota eleitoral e o peso de Buenos Aires

A província de Buenos Aires, responsável por quase 40% do eleitorado argentino, sempre foi vista como um termômetro político crucial. O fracasso do partido governista em conquistar apoio majoritário nesse território fortaleceu os setores ligados ao peronismo, que historicamente mantém influência sólida na região.

Para Milei, que ascendeu ao poder prometendo romper com as velhas práticas políticas e implementar reformas radicais de livre mercado, a derrota representa não apenas um obstáculo legislativo, mas também um sinal de desgaste precoce de sua agenda econômica.

Reação imediata dos mercados

O impacto foi sentido rapidamente: o índice Merval despencou quase 13%, enquanto o peso recuou cerca de 4%, atingindo a mínima permitida em sua faixa cambial. Algumas estimativas apontam uma queda ainda mais acentuada de 5%, e os títulos de dívida de 2035 passaram a render em torno de 15%, sinalizando desconfiança crescente entre investidores.

O ETF GlobalX MSCI Argentina teve recuo de até 10% no dia, com ações do setor financeiro e energético registrando perdas de até 12%. Analistas internacionais apontaram o movimento como uma forte deterioração da confiança no governo Milei e um indicativo de maior risco de fuga de capitais.

O governo em alerta

Em meio à pressão, Milei convocou uma reunião emergencial na Casa Rosada com figuras-chave de sua administração, incluindo Karina Milei, considerada sua principal articuladora política, e Patricia Bullrich, ministra de Segurança. O objetivo foi avaliar estratégias para conter os efeitos da derrota e transmitir uma mensagem de estabilidade à sociedade e aos mercados.

Apesar do discurso oficial de continuidade, fontes próximas ao governo indicam preocupação crescente com a governabilidade. Sem maioria legislativa consolidada e diante de uma oposição fortalecida, o presidente poderá enfrentar dificuldades para aprovar projetos centrais de sua agenda, como cortes de gastos e desregulamentações.

Reação da oposição peronista

A oposição não demorou a reagir. Cristina Fernández de Kirchner, ainda em prisão domiciliar, afirmou em rede social que o escândalo envolvendo a irmã de Milei seria “letal” para suas chances eleitorais.

Já Axel Kicillof, governador da província de Buenos Aires, celebrou o resultado nas urnas com críticas diretas ao governo: “as urnas disseram a Milei que obras públicas não podem parar, que aposentados não podem ser abandonados”. Essas declarações refletem a tentativa do peronismo de reforçar sua narrativa de proteção social em contraponto ao programa liberal do governo.

O impacto para a economia argentina

A crise política ocorre em um momento de forte vulnerabilidade econômica. A inflação anual permanece em patamares elevados, o desemprego pressiona a base social e o endividamento externo limita a margem de manobra fiscal. Para investidores estrangeiros, a Argentina segue sendo um ambiente de risco, o que restringe fluxos de capital e dificulta a recuperação sustentada.

Especialistas apontam que, sem consenso político mínimo, Milei terá de recorrer a decretos e negociações pontuais, aumentando o custo político de cada medida. Essa instabilidade tende a prolongar a volatilidade do peso e a pressionar ainda mais os preços internos.

Contexto histórico e riscos de default

A instabilidade atual revive ecos de crises passadas. Cristina Kirchner chegou a alertar para o perigo de um default iminente, comparando o modelo econômico liberal defendido por Milei à crise de 2001, quando o país enfrentou o maior calote da sua história.

Esse paralelo reforça a ideia de que, na Argentina, instabilidade política e vulnerabilidade econômica costumam andar de mãos dadas, alimentando ciclos repetidos de crise.

Cenário político: fortalecimento do peronismo

Do outro lado, o peronismo aproveita o resultado em Buenos Aires para se reposicionar como principal força de oposição. A vitória local reforça lideranças tradicionais, como Cristina Fernández de Kirchner, e abre espaço para que o movimento dispute com mais força a narrativa nacional.

Para a população argentina, acostumada a crises recorrentes, o episódio aprofunda a sensação de incerteza sobre o futuro imediato do país. A polarização política, combinada com a fragilidade econômica, coloca a Argentina em um cenário de difícil previsibilidade.

Conclusão

A derrota de Milei em Buenos Aires e a reação negativa dos mercados expõem a delicada relação entre política e economia na Argentina. Mais do que um revés eleitoral, o episódio coloca em xeque a capacidade do governo de implementar reformas estruturais e de manter estabilidade institucional.

Nos próximos meses, a habilidade do presidente em negociar com o Congresso e em tranquilizar investidores será decisiva para determinar se a Argentina conseguirá evitar uma nova crise prolongada — ou se caminhará para mais um ciclo de instabilidade econômica e política.

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