
Nos dias 28 e 29 de maio de 2025, fortes chuvas combinadas ao rompimento de uma barragem próxima submergiram a cidade de Mokwa, no estado de Níger, resultando em uma das piores tragédias recentes da região. Até o momento, 151 pessoas foram confirmadas mortas, pelo menos 78 ficaram feridas e entre 100 e 800 continuam desaparecidas. Mais de 6.400 pessoas foram deslocadas, com 3.018 residências afetadas e 265 completamente destruídas. Além disso, dois pontes desabaram, duas estradas foram levadas pela correnteza e mais de 10.000 hectares de plantações foram arruinados, gerando prejuízos que somam bilhões de nairas.
O Impacto Humano e Estrutural
O aumento repentino do volume de água sobrecarregou os diques e, em seguida, levou ao colapso de uma barragem na região. Em Mokwa, centenas de famílias não tiveram tempo hábil para retirar pertences ou buscar locais mais altos:
- Mortes e desaparecidos: As 151 vítimas mortas foram contabilizadas após corpos serem encontrados até 10 km rio abaixo de Mokwa, indicando que várias comunidades ribeirinhas a montante também sofreram perdas de vidas.
- Deslocados e abrigos: Mais de 6.400 pessoas estão fora de suas casas. Muitas encontraram refúgio em escolas públicas, ginásios esportivos e abrigos improvisados em igrejas e mesquitas.
- Infraestrutura destruída: Duas pontes estratégicas — incluindo a ponte Maokwa, que ligava as regiões norte e sudoeste — desabaram, isolando comunidades e dificultando a chegada de suprimentos básicos.
- Colapso de serviços essenciais: Cerca de 45 escolas e 44 unidades de saúde foram destruídas, comprometendo o atendimento à população no médio prazo. A rede elétrica e o saneamento colapsaram em várias localidades, elevando o risco de surtos de doenças de veiculação hídrica.
Moradores descrevem cenas dantescas. Mohammed Tanko, habitante de um dos bairros mais afetados, afirmou:
“Perdemos tudo. Não temos para onde ir; nossas casas desapareceram. Pelo menos 15 pessoas da minha família se foram”.
Outro sobrevivente relatou:
“Fugi apenas com a roupa do corpo. Agora nem sei onde minha casa ficava”.
Equipes de resgate, auxiliadas por barcos e escavadeiras, têm se dedicado a remover destroços e corpos que ficaram presos sob escombros. A extensão da destruição ficou evidente quando repórteres encontraram roupas escolares e utensílios domésticos espalhados pelas margens do rio, indicando que áreas residenciais inteiras foram varridas pela correnteza.
Causas e Fatores Contribuintes
A tragédia em Mokwa não decorre apenas de um evento climático isolado, mas de uma confluência de fatores:
- Rompimento de barragem: Autoridades locais confirmaram que a barragem próxima a Mokwa cedeu após o excesso de chuvas, aumentando abruptamente o fluxo de água que atingiu a cidade.
- Chuvas intensas em curto período: Dados meteorológicos apontam que, em poucas horas, choveu volume equivalente a quase dois meses de precipitação esperada para maio, saturando solos e impossibilitando qualquer escoamento adequado.
- Infraestrutura precária: A ausência de diques reforçados ao longo das margens do rio Níger, aliada à falta de sistemas de drenagem urbanas eficientes, agravou o impacto. Engenheiros entrevistados destacam que, mesmo durante estações chuvosas mais brandas, as águas já invadiam áreas vulneráveis.
- Desmatamento e uso do solo: A retirada da vegetação nativa nas encostas próximas acelerou o escoamento superficial, impedindo que parte da água fosse absorvida pelo solo, o que acabou aumentando o volume que desceu rio abaixo.
Pesquisador Ugonna Nkwunonwo, da Universidade da Nigéria, reforça:
“Este desastre é resultado direto da mudança climática, que intensifica os ciclos de secas prolongadas seguidas por chuvas torrenciais. A combinação com gestão inadequada de barragens e ocupação desordenada de áreas ribeirinhas torna eventos como este cada vez mais prováveis”.
Resposta Governamental e Desafios Logísticos
O presidente Bola Tinubu emitiu mensagens de solidariedade e determinou que o governo federal destinasse recursos emergenciais para a região. Entre as medidas anunciadas:
- Envio imediato de mantimentos: Kits de alimentos, água potável, cobertores e lonas plásticas para abrigos de emergência.
- Mobilização das Forças Armadas: Militares atuam no transporte de suprimentos por via fluvial, uma vez que as estradas principais permaneceram bloqueadas.
- Apoio à recuperação de infraestrutura: Equipes de engenharia militar iniciaram a reconstrução de acessos pontuais, mas a retomada plena depende da construção de pontes provisórias e reparos nas estradas.
Apesar dessas ações, a logística encontra diversos entraves:
- Acesso restrito às áreas isoladas: As pontes destruídas obrigam motoristas a percorrer rotas alternativas — muitas vezes intransitáveis — para chegar aos vilarejos mais remotos.
- Capacidade hospitalar excedida: Hospitais regionais estão com leitos ocupados em mais de 120%. Feridos atendidos em ambulâncias de campanha expostas a condições rudimentares.
- Risco de surtos de doenças: Com água parada e falta de saneamento, há preocupação com doenças como cólera e malária.
- Assistência jurídica e documentação: Muitos deslocados perderam documentos de identidade e, sem registro formal, encontram dificuldade para acessar programas de auxílio governamental.
Organizações internacionais e ONGs já atuam em campo:
- O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) monitora potenciais fluxos de deslocados para regiões urbanas e pressões sobre abrigos temporários.
- A Cruz Vermelha Nigeriana coordena a montagem de centros de triagem e encaminhamento de feridos para hospitais.
- O Programa Mundial de Alimentos (PMA) está preparando a distribuição de cestas básicas para pelo menos 5.000 famílias, com foco nos grupos mais vulneráveis (idosos, gestantes e crianças).
Impacto Socioeconômico e Perspectivas Regionais
Mokwa é um importante hub agrícola: produtores locais abastecem mercados de exportação de arroz, milho e feijão. Com mais de 10.000 hectares de plantios alagados, estima-se que a produção agrícola de 2025 sofra redução de ao menos 30%, elevando o risco de insegurança alimentar nas próximas safras.
- Perda de colheitas e rebanhos: Agricultores e pecuaristas relatam que lavouras inteiras foram inundadas em questão de horas e grande parte dos animais desapareceu ou morreu.
- Desemprego sazonal: Trabalhadores informais, que dependem da agricultura de subsistência e do comércio local, verão renda reduzida pelos próximos meses.
- Quebra na cadeia de abastecimento: A colisão entre a oferta limitada de produtos e a demanda de mercados vizinhos pode elevar preços em até 25% nos próximos dois trimestres, segundo economistas locais.
Regiões vizinhas aos estados de Kwara e Kebbi também sentirão o efeito cascata. Algumas comunidades ribereiras de Kwara já registraram transbordamentos menores, sinalizando que novas cheias podem ocorrer caso não haja medida imediata de contenção. Agrônomos recomendam a implantação de sistemas de irrigação de emergência e a distribuição de sementes de ciclo curto para mitigar o impacto das perdas.
Lições e Necessidade de Políticas de Resiliência
A ocorrência dessa tragédia evidencia pontos que exigem atenção:
- Gestão de barragens: Revisão de manuais operacionais para liberação controlada de água antes de períodos de chuvas intensas, evitando rompimentos abruptos.
- Monitoramento meteorológico: Fortalecimento do Instituto Meteorológico Nigeriano (NiMET) e da Serviço Hidrológico (NIHSA) com estações de monitoramento em tempo real, alertas precoces e treino de equipes comunitárias.
- Infraestrutura de contenção: Construção de diques ao longo do rio Níger, bacias de amortecimento e sistemas de drenagem urbana nas principais cidades de risco.
- Expansão de corredores humanitários: Definição de rotas alternativas para acesso a áreas isoladas, com brigadas de engenharia prontas para construir pontes provisórias.
- Reflorestamento de margens: Programas comunitários de reflorestamento em nascentes e encostas para aumentar a retenção de água no solo.
Ugonna Nkwunonwo reforça:
“A Nigéria precisa passar de um modelo puramente emergencial para um de gestão proativa de riscos climáticos. Investir em infraestrutura verde, associada a políticas que restrinjam ocupação de áreas inundáveis, é crucial”.
Em fevereiro de 2025, o fundo CERF (Central Emergency Response Fund) das Nações Unidas destinou US$ 5 milhões para ações de prevenção de enchentes na Nigéria, mas a alocação não foi suficiente para cobrir todas as regiões vulneráveis. Segundo a coordenação do PMA, esse montante deve ser complementado por recursos do governo local e parcerias público-privadas para fortalecer a rede de alerta e resposta.
Conclusão: Os Desafios de um Futuro Incerto
As 151 mortes, os 78 feridos, as centenas de desaparecidos e os mais de 6.400 deslocados em Mokwa não podem ser tratados como números isolados. Eles representam um retrato nítido do impacto acelerado das mudanças climáticas no Sahel e na África Ocidental, onde cheias repentinas se alternam com secas prolongadas. A tragédia demonstra que, sem ações integradas—que envolvam governo federal, estados, sociedade civil e organismos internacionais—o ciclo de desastre, reconstrução e novo desastre continuará se repetindo.
Em curto prazo, a prioridade é atender necessidades básicas: abrigo, água potável, alimentos, atendimento médico e prevenção de surtos de doenças. Em médio e longo prazos, é indispensável contruir mecanismos de resiliência, como sistemas de irrigação que também funcionem como bacias de retenção, diques reforçados e um programa nacional de reflorestamento. Além disso, a fiscalização de ocupações irregulares em margens de rios e a revisão das normas de construção urbana são tarefas urgentes.
Enquanto as águas começam a baixar e os moradores de Mokwa tentam retomar suas vidas, permanece o alerta: o futuro climático exige políticas que antecipem crises, não apenas que reaja a elas. O desastre em Mokwa deveria servir de lição para toda a Nigéria—e para países vizinhos—sobre a necessidade de implementar, o quanto antes, medidas estruturais de adaptabilidade às mudanças climáticas.
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