Erdogan rejeita exigências de descentralização curda na Síria como “um sonho”

Presidente turco Tayyip Erdogan no Fórum de Diplomacia de Antalya, 11 de abril de 2025
Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, discursa no Fórum de Diplomacia de Antalya em 11 de abril de 2025, destacando temas chave sobre segurança regional e política internacional./ REUTERS/Kaan Soyturk

O presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, minimizou como “um sonho” as recentes chamadas de partidos curdos na Síria para a adoção de um sistema de governo descentralizado. As declarações foram feitas durante o retorno de Erdoğan de uma visita a Roma e reafirmam a postura de Ancara em favor de uma Síria unificada, sem cantões autônomos no território vizinho .

Contexto político e militar

Em um encontro no último sábado, partidos curdos rivais, incluindo as forças dominantes da Força Democrática Síria (SDF), anunciaram uma visão política comum que prevê maior autonomia para a minoria curda no nordeste sírio. A proposta de federalismo foi rejeitada tanto pela liderança síria quanto por Ancara. O gabinete sírio afirmou que “a unidade do território sírio e de seu povo é uma linha vermelha” .

A SDF, apoiada pelos EUA, é considerada terrorista pela Turquia devido à ligação com o YPG . Em março, Damasco e as milícias curdas assinaram um acordo para integrar órgãos de governança e forças de segurança curdas ao governo central, mas Ancara condiciona qualquer apoio à completa desmobilização do YPG.

Impacto militar das incursões turcas

Desde 2018, operações turcas como Operação Rama do Olivo em Afrin deslocaram cerca de 200.000 civis curdos e causaram a destruição de mais de 60% da infraestrutura local, segundo relatório do Observatório Sírio de Direitos Humanos . Em Tell Abyad, estima-se que 50.000 pessoas foram forçadas a fugir durante a Operação Escudo do Eufrates (2016-2017), com danos significativos a residências, hospitais e escolas . Essas ações alteraram profundamente o tecido social e aumentaram o ressentimento contra Ancara.

Dados e relatórios específicos

  • Deslocados internos curdos: Mais de 430.000 curdos foram deslocados internamente na Síria desde 2016, de acordo com a Organização Internacional para Migrações (OIM) .
  • Perdas humanas: Estima-se que comunidades curdas sofreram cerca de 3.500 mortes civis em conflitos e bombardeios turcos entre 2016 e 2024, conforme relatório da Rede Síria de Direitos Humanos .
  • Infraestrutura destruída: Relatório do Banco Mundial aponta que, apenas no nordeste sírio, os danos à infraestrutura somam cerca de US$ 1,2 bilhão, incluindo estradas, sistemas de água e eletricidade .

Identidade curda e resistência

A identidade curda tem raízes em uma longa história de autonomia tribal, língua própria e tradições culturais que atravessam Turquia, Síria, Iraque e Irã. O anseio por autogoverno é alicerçado em valores de igualdade de gênero, gestão comunitária e pluralismo étnico, destacados no projeto político de Rojava. A cultura curda, marcada pela música, literatura e celebrações como o Newroz, fortalece o sentimento de pertencimento e legitima a busca por representação política .

Resistência e autogoverno em Rojava

Desde 2012, o modelo de autogoverno de Rojava implementa conselhos locais, justiça restaurativa e cooperativas econômicas, ganhando apoio de ONGs e alguns setores da sociedade síria. Ancara e Damasco veem esse experimento como ameaça separatista, mas para muitos curdos representa um exemplo de democracia direta e autonomia cultural .

Perspectivas dos civis e relatos de campo

Moradores de Raqqa relatam que, sob administração curda, foram reabertos 120 escolas e reconstruídas 45 clínicas, mas que as ofensivas turcas recentes destruíram parte desses avanços . Agricultores afirmam que a instabilidade retorna a cada operação militar, prejudicando safras e acesso à água.

Análise de especialistas

  • Dr. Laleh Behrouz, analista de segurança no Oriente Médio, vê em Erdoğan o uso da questão curda como moeda de negociação com EUA e Rússia.
  • Prof. Mahmoud al-Hamidi, da Universidade de Damasco, afirma que a rejeição ao federalismo preserva o controle centralizado, mas pode intensificar ressentimentos e insurgência.

Implicações para as relações Turquia-EUA

Erdoğan pretende encontrar-se com o presidente dos EUA, Donald Trump, “na primeira oportunidade”, reiterando busca de compromisso em temas sírios, mas mantendo pressão para desmantelar o YPG .

Caminhos para o futuro

  1. Negociação multinacional com Turquia, Síria, curdos, Rússia, EUA e ONU.
  2. Pressão diplomática da UE e ONU vinculada a ajuda humanitária.
  3. Mecanismos de transição e responsabilidade para proteger direitos civis e investigar abusos.

Conclusão

A recusa de Erdoğan ao federalismo curdo não é apenas um desdobramento de segurança, mas um fator que moldará as relações internacionais da Turquia e definirá o futuro da estabilidade síria. A longo prazo, a negação de autonomia pode radicalizar ainda mais setores curdos, perpetuando ciclos de violência e fragilizando qualquer processo de reconciliação nacional.

A comunidade internacional deve intensificar a pressão diplomática sobre Ancara e Damasco para:

  • Garantir acesso irrestrito de agências humanitárias às áreas mais afetadas.
  • Apoiar a reintegração de estruturas de autogoverno curdas em um marco constitucional sírio.
  • Estabelecer um monitoramento independente de direitos humanos para prevenir novas violações.

Somente um esforço coordenado, que combine diplomacia, assistência humanitária e justiça transicional, poderá transformar o “sonho” de estabilidade em realidade para todas as comunidades na Síria.

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