A Espinha Dorsal Partida de uma Síria em Transição

Vista aérea do mercado de carros em Sarmada, Idlib, Síria, em 17 de março de 2025.
Vista aérea do movimentado mercado de carros na cidade de Sarmada, em Idlib, destacando a crescente economia da região após a mudança política e a abertura de mercado. REUTERS/Khalil Ashawi/File Photo

Desde a deposição de Bashar al-Assad, em 9 de dezembro de 2024, a Síria vive um experimento econômico inédito. Sob o governo dos ex-rebeldes do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), o país assiste a um choque de modelos: de um regime protecionista e centralizado para uma economia de mercado aberto, com tensões crescentes entre as antigas áreas governistas (como Damasco) e o novo núcleo econômico de Idlib.

Duas realidades econômicas

RegiãoModelo sob AssadModelo sob HTSImpacto principal
Damasco e entornoProtecionismo e cronyismoAbertura sem proteção industrialQuebra de empresas estabelecidas; desemprego
Idlib e fronteiraBloqueios e escassezLivre-importação via TurquiaExplosão de comércio; duplicação de vendas
  • Damasco: empresários como Haytham Joud veem seu faturamento cair cerca de 70%, vítimas da concorrência de importadores idlibitas e da perda de poder de compra da população.
  • Idlib: Mohammad al-Badawi dobrou as vendas de refrigerantes importados da Turquia, aproveitando a aceitação de lira turca e dólar, eletricidade estável e internet rápida pela rede local.

A engenharia do poder econômico pelo HTS

Centralização político-econômica

  • Nomeação de aliados em ministérios-chave;
  • Shamcash, app ligado ao HTS, paga salários públicos (ainda não cumpriu o prometido aumento de 400% em Damasco).

Redefinição de redes de favorecimento

  • Fiscalização de empresas com supostos vínculos ao regime Assad, buscando “compensações” e renegociação de dívidas;
  • Incentivo a novos players em Idlib, sem tarifas elevadas, atraindo investimentos e agentes comerciais.

Análise de Impacto para a População Comum

  • Custo de vida: A abertura econômica levou à importação de produtos a preços competitivos em Idlib, mas elevou o custo de itens básicos em Damasco, onde a inflação do preço do pão e dos combustíveis ultrapassou 50% nos últimos quatro meses.
  • Escassez de essenciais: Famílias em Damasco enfrentam falta de medicamentos e produtos alimentícios básicos. Clínicas relatam faltas de antibióticos e insulina; mercearias, ausência de farinha de trigo subsidiada, forçando compras no mercado negro a preços até cinco vezes superiores.
  • Poder de compra: O salário médio público em Damasco equivale hoje a menos de 20 USD mensais, contra cerca de 80 USD em Idlib, ampliando a desigualdade no consumo de serviços de saúde e educação.

Avaliação das Consequências de Longo Prazo

  • Polarização social: A disparidade de renda e serviços entre regiões pode cristalizar divisões étnicas e sectárias, minando a coesão nacional.
  • Classe média: Sem políticas de capacitação, os jovens em áreas afetadas podem migrar ou se engajar em economias informais, retardando a formação de uma classe média sustentável.
  • Educação e treinamento: Programas de formação técnica e de empreendedorismo serão cruciais para reintegrar ex-combattentes e desempregados, fortalecendo indústrias locais e diversificando a economia.

Desafios Ambientais

  • Crise hídrica: A infraestrutura de irrigação está destruída em mais de 60% das fazendas, reduzindo a produção agrícola e elevando o preço de frutas, legumes e arroz em até 70%.
  • Recuperação agrícola: A reconstrução de barragens e canais exige investimentos que hoje concorrem com gastos emergenciais em segurança e serviços urbanos.
  • Sustentabilidade: Sem gestão integrada de recursos, a expansão do livre-mercado pode acelerar a exploração predatória de água e solo, agravando a desertificação.

Citação de Testemunhos Pessoais

  • Rania, mãe de três em Damasco: “Antes, eu pagava 1 USD por um quilo de farinha; agora, pago 5 USD e ainda encontro prateleiras vazias. Meus filhos vão à escola de manhã sem café da manhã.”
  • Omar, pequeno comerciante em Idlib: “Com o livre mercado, comprei novas geladeiras e ampliei meu mercadinho. Mas temo que, se as tarifas mudarem, eu perca essa vantagem.”
  • Lina, professora de agricultura: “Sem água, não há colheita. Voltamos a métodos manuais e poços comunitários, mas é insuficiente para alimentar nossas famílias.”

Conclusão

A Síria pós-Assad vive um experimento de liberalização em meio a escombros políticos, sociais e ambientais. O dinamismo de Idlib revela o potencial de um mercado aberto, mas também expõe riscos de fragmentação, desigualdade e degradação dos recursos. O êxito da reconstrução dependerá de um equilíbrio entre mercado livre e intervenção estratégica do Estado—incluindo políticas de proteção industrial, programas de capacitação, gestão ambiental e coesão social—para unir as duas Sírias num projeto econômico inclusivo e sustentável.

Trabalhador carrega caixas de medicamentos em um caminhão em Sarmada, Idlib, Síria, em 17 de março de 2025.
Trabalhador carrega caixas de medicamentos em um caminhão em Sarmada, Idlib, ilustrando o crescente comércio e distribuição de produtos essenciais na região sob o novo governo de Idlib.REUTERS/Khalil Ashawi/File Photo
Trabalhadores supervisionam a fabricação de medicamentos na fábrica Reva Pharma em Sarmada, Idlib, Síria, em 17 de março de 2025
Trabalhadores na fábrica Reva Pharma, em Sarmada, Idlib, supervisionam a produção de medicamentos, refletindo o crescimento da indústria farmacêutica local após a queda do regime de Assad.REUTERS/Khalil Ashawi/File Photo

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