Entendendo a Estratégia Russa no Mar Negro: Como Fortalecer a Abordagem da Europa e da OTAN na Região

Navio varredor de minas da Marinha da Turquia realiza manobra circular em operação no Mar Negro, visto de cima com trilha de espuma na água.
Navio varredor de minas da Marinha da Turquia participa de operação de contra-minagem no Mar Negro, em 26 de junho de 2022, no distrito de Erdek, Balıkesir./ chathamhouse

O Mar Negro tornou-se o epicentro de uma disputa geopolítica crucial, onde a Rússia busca reafirmar sua hegemonia regional frente a uma Ucrânia resiliente e ao apoio estratégico da Europa e da OTAN. O controle sobre esta bacia marítima não apenas dita o equilíbrio militar, mas impacta diretamente a economia, a segurança alimentar global e a estabilidade regional. O bloqueio ou domínio russo da costa ucraniana ameaça cortar as exportações agrícolas vitais da Ucrânia, afetando mercados mundiais e aprofundando crises humanitárias já agravadas pela guerra. A compreensão das estratégias russas, que combinam desde confrontos convencionais até táticas híbridas e desinformação, é essencial para moldar uma resposta eficaz do Ocidente.

A Persistência da Ambição Russa e o Papel do Mar Negro

Por quase duas décadas, a Europa e a OTAN subestimaram a determinação russa de dominar o Mar Negro como parte fundamental de sua identidade neoimperial e da busca por status de grande potência. A invasão da Ucrânia, longe de ser um desvio, representa uma escalada das tensões existentes, centrada em impedir a expansão da influência ocidental — sobretudo da União Europeia e da OTAN — na região.

O controle ucraniano sobre o porto de Odesa e sua linha costeira adjacente é crucial. Caso a Rússia consiga interromper o acesso ucraniano ao Mar Negro, não apenas a viabilidade econômica da Ucrânia será devastada, mas o país perderá seu peso estratégico para toda a região. Por isso, qualquer acordo de cessar-fogo ou paz futura deve incluir mecanismos robustos de dissuasão para evitar a repetição dessa tentativa de isolamento.

Impactos Econômicos e Humanitários do Conflito no Mar Negro

O bloqueio ou ataques ao porto de Odesa têm provocado uma crise que extrapola a região. Segundo dados do Ministério da Agricultura da Ucrânia (2024), cerca de 90% das exportações agrícolas do país — incluindo trigo, milho e óleo de girassol — transitam pelo Mar Negro. Com os bloqueios, o aumento dos preços globais de alimentos já afeta mercados na África, Oriente Médio e Ásia, elevando o risco de insegurança alimentar em países vulneráveis.

Além disso, o conflito marítimo e terrestre causou deslocamentos significativos e crises humanitárias. O bombardeio de infraestruturas portuárias e ataques a navios civis geram não só perdas econômicas, mas ameaças diretas às vidas de civis e trabalhadores locais. O acesso humanitário via Mar Negro também enfrenta severas restrições, dificultando a entrega de ajuda a populações afetadas.

A Nova Face da Guerra: Táticas Híbridas e Desinformação

A Rússia vem ampliando o uso de táticas híbridas na região, combinando operações militares convencionais com campanhas de desinformação e influência política. Em 2024 e 2025, houve relatos confirmados de campanhas de desinformação direcionadas à Bulgária e à Romênia, duas nações costeiras da OTAN no Mar Negro. Essas campanhas incluem a disseminação de notícias falsas para minar a confiança nas instituições europeias, fomentar divisões sociais e desacreditar o apoio ocidental à Ucrânia.

Essas ações fazem parte da estratégia russa para evitar um confronto militar direto com membros da OTAN, mas ainda assim alcançar seus objetivos políticos e estratégicos por meios menos convencionais.

A Turquia: Pivô Estratégico e Política Ambígua

A Turquia mantém um papel central no equilíbrio do Mar Negro. Controlando os Estreitos Turcos, por onde circulam as principais rotas marítimas, e possuindo a maior linha costeira da região, Ancara é peça-chave na implementação da Convenção de Montreux, que restringe a passagem de navios militares durante períodos de guerra.

Porém, a política externa turca é marcada por uma postura independente e, por vezes, ambígua. Ancara apoia as capacidades militares ucranianas e rejeita a hegemonia russa, mas evita uma escalada direta do conflito para não comprometer seus interesses estratégicos e econômicos. Esta dualidade dificulta a expansão da presença militar direta da OTAN no Mar Negro, mas mantém a Turquia como um parceiro vital para a estabilidade regional.

Cooperação Regional e o Desafio da Diminuição do Engajamento dos EUA

Com a redução do envolvimento militar direto dos Estados Unidos na região, aumenta a importância da cooperação entre União Europeia, Reino Unido, Turquia e os aliados costeiros da OTAN, como Bulgária e Romênia. Projetos de desminagem conjunta e exercícios militares coordenados mostram um caminho promissor, mas também atraem esforços russos para desestabilizar a colaboração por meio de campanhas de desinformação.

Uma estratégia integrada, que combine dissuasão militar, cooperação funcional e apoio econômico à Ucrânia, é vital para conter as ambições russas e preservar a segurança europeia.

Multipolaridade e o Crescente Papel da China

Embora a presença econômica chinesa no Mar Negro ainda seja limitada, ela cresce gradualmente, contribuindo para uma percepção de multipolaridade na região. Diferente da Rússia, a China não carrega os mesmos legados imperialistas, o que facilita seu engajamento com os países locais.

Moscou vê essa multipolaridade sob a ótica de um reequilíbrio anti-Ocidente, tolerando a expansão chinesa como contrapeso ao poder ocidental. Entretanto, no longo prazo, a influência chinesa poderá se tornar um novo elemento de competição estratégica, complexificando ainda mais o cenário regional.

Conclusão: A Urgência de uma Resposta Coerente e Integrada

O Mar Negro é mais do que um campo de batalha entre Rússia e Ucrânia; é um espaço estratégico onde se definem os rumos da segurança europeia e global. Se a Rússia conquistar uma vitória clara, ou mesmo um avanço percebido como tal, será impulsionada a expandir sua influência sobre seus vizinhos, forçando-os a alinhamentos sob pressão.

Para impedir esse desfecho, a Europa e a OTAN precisam agir rapidamente, consolidando uma estratégia robusta que combine apoio militar a um Ucrânia resiliente, fortalecimento das parcerias regionais — especialmente com a Turquia — e mecanismos eficazes de combate à guerra híbrida. Sem essa resposta integrada, a região pode se tornar palco de uma reordenação autoritária, com consequências econômicas, políticas e humanitárias de longo alcance.

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