EUA pedem que Austrália aumente gastos de defesa para 3,5% do PIB

Secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, discursa durante cerimônia do Memorial Day no Cemitério Nacional de Arlington, em 26 de maio de 2025.
Pete Hegseth, Secretário de Defesa dos Estados Unidos, faz discurso na cerimônia anual do Memorial Day no Anfiteatro Memorial do Cemitério Nacional de Arlington, Virgínia, em 26 de maio de 2025. REUTERS/Ken Cedeno

Durante o Shangri-La Dialogue, importante fórum de segurança do Indo-Pacífico, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, reuniu-se com o ministro da Defesa da Austrália, Richard Marles, e, conforme comunicado oficial do Pentágono, pediu que a Austrália elevasse seus gastos de defesa a 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) “o mais rápido possível” . Pouco depois, o primeiro-ministro Anthony Albanese afirmou que o país definiria sua própria política de defesa e projetou elevar o orçamento militar para cerca de 2,4% do PIB até 2033-34, com investimento de US$ 10 bilhões nos próximos quatro anos. Embora Marles tenha negado ter concordado publicamente em discutir esse percentual exato, o episódio reforça a crescente pressão dos EUA para que a aliança se posicione de forma mais robusta no contexto das tensões regionais.

Panorama atual dos gastos de defesa da Austrália

Atualmente, a Austrália destina cerca de 2% do PIB ao orçamento de defesa, com previsão de atingir 2,03% em 2024-25 e chegar a 2,4% até 2033-34, conforme projeções oficiais do governo australiano.

  • Comparação Internacional:
    • Nos EUA, o orçamento de defesa alcança em torno de 3,5% a 3,7% do PIB, variando conforme as revisões anuais do Congresso.
    • Entre membros da OTAN, a meta de 2% do PIB foi estabelecida em 2014, mas apenas alguns países europeus a mantêm consistentemente.
    • No Indo-Pacífico, aliados como Japão e Coreia do Sul concentram esforços para subir de 1–1,5% do PIB para cerca de 2%, em resposta às ameaças percebidas.

Elevar para 3,5% do PIB posicionaria a Austrália entre os maiores investidores em defesa globalmente, sinalizando compromisso elevado com a dissuasão regional e com a parceria estratégica aos olhos de Washington.

Motivações estratégicas no Indo-Pacífico

Crescimento das capacidades chinesas

A China segue ampliando seu poderio militar no mar do Sul da China, com expansão naval e aérea sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial. O aumento de sua presença em ilhas artificiais, o reforço de bases em regiões disputadas e o fortalecimento de uma força de mísseis antinavio obrigam vizinhos e aliados a reajustar suas posturas defensivas.

Importância da aliança EUA-Austrália

A aliança entre EUA e Austrália (formalizada no Tratado ANZUS – 1951) mantém relevância estratégica para manter o equilíbrio de poder no Indo-Pacífico. Em 2021, o pacto AUKUS (Austrália, Reino Unido e Estados Unidos) reforçou essa cooperação, prevendo a transferência de tecnologia para a construção de submarinos nucleares australianos. Esse acordo exige grandes investimentos contínuos, não apenas em plataformas, mas também em infraestrutura, treinamento e manutenção.

Posição geográfica crítica

Sendo a nação ocidental mais próxima do Sudeste Asiático e do Oceano Índico, a Austrália é vista pelos EUA como “guarda avançada” para conter possíveis expansões militares chinesas. A intensificação de exercícios conjuntos e a presença contínua de forças americanas em solo australiano reforçam sua importância como base de projeção estratégica.

Debates no encontro de Singapura

Pedido para 3,5% do PIB

No encontro realizado na manhã de sexta-feira, Pete Hegseth destacou diante de Marles:

“On defense spending, Secretary Hegseth conveyed that Australia should increase its defense spending to 3.5 percent of its GDP as soon as possible.”

Porém, minutos depois, Marles ressaltou que não houve alinhamento em torno de um percentual específico durante a conversa, embora tenha reconhecido a importância de continuar o diálogo sobre o tema.

Aceleração de capacidades americanas em solo australiano

O comunicado do Pentágono indicou que ambos discutiram:

  • Forças rotativas: aumentar a frequência de rotações de contingentes da Marinha e Força Aérea dos EUA em bases australianas, como Darwin e Williamtown;
  • Exercícios conjuntos de maior escala: planejar manobras multidomain (naval, aérea e cibernética) em 2025-2026, elevando a interoperabilidade;
  • Infraestrutura avançada: modernizar as instalações militares para hospedar equipamentos mais sofisticados, inclusive mísseis de longo alcance e sistemas de vigilância avançada.

Cooperação na base industrial de defesa

As partes enfatizaram a necessidade de:

  1. Transferir tecnologias críticas para que indústrias australianas produzam componentes avançados de sistemas americanos (mísseis, radares, eletrônica embarcada).
  2. Financiar projetos conjuntos de P&D em cibersegurança, inteligência artificial e guerra eletrônica.
  3. Integrar fornecedores locais à cadeia de suprimentos global dos EUA, assegurando fornecimentos alternativos fora de mercados vulneráveis, como o sudeste asiático, onde interrupções logísticas são mais frequentes.

Resiliência da cadeia de suprimentos

A pandemia e as disputas comerciais entre grandes potências revelaram fragilidades logísticas no Ocidente. Neste contexto, discutiu-se:

  • Diversificação de fornecedores para semicondutores e metais críticos, reduzindo dependência de regiões politicamente instáveis;
  • Estoque estratégico nacional de componentes essenciais (chips, peças de reposição de sistemas de defesa) para assegurar continuidade de operações em crise;
  • Parcerias com Japão e Coreia do Sul para suprir insumos intermediários, projetando rotas alternativas caso cadeias sejam interrompidas.

Repercussões internas na Austrália

Reação do governo e do Parlamento

Primeiro-ministro Anthony Albanese respondeu ao pedido americano afirmando que:

“Australia determines our national interest. Estamos comprometidos a elevar nossos gastos de defesa, mas seguiremos um cronograma que leve em conta nossas prioridades sociais e econômicas.”

Albanese destacou que o orçamento de US$ 56 bilhões (aproximadamente 2,03% do PIB em 2024-25) já inclui fatia significativa para mísseis, sistemas de defesa aérea e aquisição de submarinos nucleares. O governo planeja elevar gradualmente ao objetivo de 2,4% até 2033-34, sem comprometer setores sociais críticos.

Posicionamento da oposição e da sociedade civil

  • Partidos de oposição (Liberal e Nacional) pressionam para que o governo apresente um cronograma claro, sugerindo que 3,5% do PIB seria mais plausível “diante do cenário de ameaças”.
  • Organizações não governamentais, como o Australian Strategic Policy Institute (ASPI), reforçam a necessidade de transparência, alerta para possíveis sobrepreços e recomenda auditorias regulares no setor de defesa .
  • Opinião pública divide-se: cerca de 45% apoiam aumento rápido dos gastos, conforme pesquisa interna do governo; 40% demonstram preocupação com cortes em saúde e educação, segundo levantamento do instituto YouGov (maio/2025).

Impactos econômicos

  1. Mercado de defesa local: empresas como BAE Systems Australia, Thales Australia e ASC (responsável pelos submarinos) preveem aumento de contratos, gerando emprego qualificado.
  2. Setor fiscal: elevar para 3,5% do PIB exigiria aproximadamente US$ 100 bilhões anuais até 2030, forçando cortes ou realocações no Orçamento Federal.
  3. Pressão inflacionária: aquisições de tecnologia avançada podem afetar balanço comercial, já que muitos sistemas ainda dependem de importação de componentes.

Perspectivas e desdobramentos futuros

Consolidação do AUKUS e autonomia estratégica

Para manter a coerência com o AUKUS, a Austrália precisa:

  • Concluir a transição para submarinos nucleares (programados para início de 2032), o que demanda investimento contínuo em infraestrutura portuária, treinamento de tripulações e manutenção especializada.
  • Fortalecer a indústria local de defesa, garantindo que empresas australianas absorvam transferência de tecnologias sensíveis (propulsão nuclear, sistemas de propulsão avançados, sensores de longo alcance).

Aliança ampliada no Indo-Pacífico

Além da cooperação bilateral com os EUA, Camberra amplia laços com:

  • Japão: recentemente anunciado contrato de fragatas conjuntas, visando adquirir navios com tecnologia japonesa para patrulha marítima.
  • Índia e Indonésia: intercâmbio de inteligência cibernética e treinamento conjunto em guerra eletrônica.
  • ASEAN: aprofundar integração com comandos regionais, reforçando o “balanço de poder” que não dependa apenas de grandes alianças, mas inclua segurança coletiva.

Reação chinesa e diplomacia equilibrada

A China já expressou desconforto, classificando o pedido como “esforço coercitivo” e alerta para consequências econômicas, especialmente no comércio bilateral. Enquanto isso, a Austrália busca gerenciar o equilíbrio entre:

  • Relações econômicas: a China ainda é o maior parceiro comercial da Austrália, com exportações de minério de ferro e carvão sendo cruciais para o PIB nacional;
  • Segurança nacional: reforçar dissuasão sem descentralizar completamente a diplomacia, evitando romper canais de diálogo com Pequim.

Opinião de Especialistas

Analistas de Segurança

  • Richard Fisher (Small Wars Journal): “Elevar gastos para 3,5% do PIB reforça credibilidade de Camberra como ator de primeira linha na dissuasão do Indo-Pacífico. Por outro lado, é uma meta ambiciosa, que exige ajustes significativos na estrutura orçamentária.” .
  • Elaine Tan (CSIS): “A ênfase na resiliência da cadeia de suprimentos reflete lições aprendidas com a pandemia e conflitos recentes. Diversificar fornecedores e fortalecer estoques estratégicos são medidas sensatas para mitigar riscos de interrupções.” .

Organizações Especializadas

  • Australian Strategic Policy Institute (ASPI): em relatório de março de 2025, destaca que, ao atingir 3,5% do PIB, a Austrália “passaria a investir proporcionalmente mais em defesa do que diversos membros europeus da OTAN, aproximando-se dos níveis americanos”. Porém, o ASPI adverte para “necessidade de fiscalização rigorosa e metas claras de desempenho”.

Conclusão

O pedido do Secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, para que a Austrália eleve seus gastos de defesa a 3,5% do PIB expõe:

  1. Uma disputa interna em Camberra entre apoiar integralmente a demanda americana e manter equilíbrio fiscal;
  2. A importância estratégica de fortalecer a aliança no contexto de tensões com a China;
  3. A necessidade de transparência para assegurar que investimentos em defesa resultem em capacidades concretas, sem desperdício de recursos públicos.

Embora Albanese tenha reafirmado que a Austrália determinará suas próprias metas—com previsão de chegar a 2,4% do PIB até 2033-34—o debate continuará, pois aliados como Japão, Reino Unido e EUA pressionam para que Camberra assuma papel ainda mais contundente. Até que haja definição parlamentar, a Austrália seguirá ajustando seu orçamento, priorizando custos sociais e econômicos, mas atenta às urgências de dissuasão regional.

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