
O Shangri-La Dialogue, encontro anual de segurança realizado em Singapura, historicamente focaliza a rivalidade entre Estados Unidos e China no Indo-Pacífico. Na edição de 2025, realizada entre 31 de maio e 2 de junho, a ausência do Ministro da Defesa chinês, Dong Jun, e a presença limitada de Pequim abriram espaço para outra linha de tensão emergir: as divergências entre Washington e seus aliados europeus sobre até que ponto a Europa deve se envolver na segurança asiática. Paralelamente, a aparição de delegações militares da Índia e do Paquistão, pouco após um breve cessar-fogo na Caxemira, escancarou a hostilidade existente entre as duas potências nucleares. Além disso, a participação-surpresa do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acrescentou um componente extra de complexidade ao debate, relacionando conflitos europeus e asiáticos.
Este artigo revisado busca manter o tom analítico e jornalístico, corrigindo possíveis falhas, incluindo informações recentes e confiáveis, e aprofundando a análise das motivações e implicações geopolíticas observadas em Singapura.
Mudança de Foco no Shangri-La Dialogue
Historicamente, o Shangri-La Dialogue se consolidou como espaço de diálogo sobre segurança regional, com ênfase em disputas no Mar do Sul da China, capacidade militar chinesa e posições dos EUA. Nesta edição, entretanto, a ausência de Dong Jun e a substituição por uma delegação de acadêmicos militares de patamar inferior escancararam o recuo relativo de Pequim. Esse vácuo diplomático permitiu que as divergências entre Estados Unidos e Europa ganhassem maior visibilidade, deslocando temporariamente o eixo de atenção.
A Voz de Zelensky
Em um movimento inesperado, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, participou do fórum para denunciar a cooperação militar sino-russa que sustenta o esforço de guerra russo na Ucrânia. Zelensky ressaltou que a “diplomacia de paz” pode ser sabotada por pressões de Moscou e Pequim, convidando países asiáticos a apoiar uma cúpula de segurança em Kyiv que abordaria segurança nuclear, segurança alimentar e a libertação de prisioneiros de guerra e crianças ucranianas mantidas na Rússia. Essa aparição sublinhou a interconexão entre conflitos europeus e asiáticos, reforçando que decisões nesse fórum repercutem além dos limites regionais.
Posicionamento dos EUA: Foco no Indo-Pacífico e Advertência sobre a China
No dia 31 de maio, durante seu discurso, o Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, fez um alerta contundente sobre a “**ameaça iminente” representada pela China, especialmente em relação a Taiwan. Ele enfatizou que “qualquer agressão chinesa contra Taiwan teria consequências devastadoras para todo o mundo”. Ao cobrir as lacunas deixadas pela União Europeia no Indo-Pacífico, Hegseth conclamou os asiáticos a aumentar seus investimentos militares, destacando que, enquanto a Europa reorienta recursos ao seu território, os EUA assumem a liderança no teatro asiático.
Além disso, Hegseth diretor enfatizou a necessidade de uma divisão estratégica de responsabilidades: os europeus concentrariam recursos em sua defesa contra eventuais ameaças russas, enquanto Washington ampliaria seu escopo no Indo-Pacífico. Ele apontou ainda a ausência de Dong Jun como prova de que Pequim reduz seu compromisso direto, ao enviar apenas acadêmicos militares, e não seu principal oficial de defesa.
Reação Europeia: Segurança Interligada entre Europa e Pacífico
Apesar da cobrança norte-americana para que a Europa “focasse no próprio quintal”, diversos líderes europeus sublinharam que segurança europeia e asiática são interdependentes.
- Kaja Kallas, alta-representante da União Europeia, frisou: “A segurança da Europa e a segurança do Pacífico estão profundamente interligadas. Se nos preocupamos com a China, devemos nos preocupar com a Rússia.” Kallas ressaltou que, mesmo aumentando o orçamento militar europeu, o bloco continuará investindo em parcerias no Indo-Pacífico, devido a laços comerciais intensos e a uma visão global de conflito que extrapola fronteiras geográficas.
- Emmanuel Macron, Presidente da França, tomou postura ainda mais enfática, propondo uma “coalizão de independência” entre Europa e Ásia para enfrentar potências coercitivas, sem ter de escolher entre Washington e Pequim. Segundo Macron: “Não somos nem a China nem os Estados Unidos. Não queremos depender de nenhum dos dois. Propomos um terceiro caminho de cooperação simultânea, visando estabilidade e prosperidade global.” O mandatário francês advertiu que permitir a agressão russa a Ucrânia sem resposta só incentivaria iniciativas chinesas no Mar do Sul da China, principalmente quanto a Taiwan e territórios contestados. Macron ainda criticou a omissão chinesa em coibir o envio de combatentes nortenho-coreanos à Ucrânia, apontando riscos de uma eventual escalada de guerra ao longo de várias frentes.
Presença Europeia de Longo Alcance no Indo-Pacífico
Apesar das cúpulas e discursos, o engajamento real da Europa na região mantém-se robusto, com bases militares, exercícios conjuntos e acordos de defesa de longa data:
- Reino Unido
- Visita programada de um porta-aviões a Singapura faz parte do Five-Power Defence Arrangement (FPDA), pacto firmado em 1971 que une Reino Unido, Singapura, Malásia, Austrália e Nova Zelândia.
- AUKUS, aliança firmada com EUA e Austrália em 2021, prevê compartilhamento de tecnologia nuclear para submarinos, com potencial deslocamento de unidades britânicas à Austrália para exercícios conjuntos.
- França
- Mantém mais de 8 mil soldados na região, especialmente em Nova Caledônia, Polinésia Francesa e bases no Oriente do Sudeste Asiático.
- Opera 12 caças Rafale em Singapura, mantendo 200 militares para manutenção técnica, evidenciando um laço estratégico de décadas.
- Em 2024, reforçou cooperação com Japão e Índia em manobras navais no Oceano Índico.
- Espanha, Alemanha e Itália
- Empresas como Naval Group (França), Airbus (Europa) e Fincantieri (Itália) mantêm contratos de fornecimento de navios de guerra e sistemas de radar a diversas marinhas asiáticas, incluindo Indonésia, Malásia e Tailândia.
- A Saab (Suécia) negocia com a Tailândia a venda de caças Gripen, superando a concorrência do F-16, reforçando a crescente demanda por aeronaves de última geração no Sudeste Asiático.
Segundo relatório do International Institute for Strategic Studies (IISS), os gastos de defesa asiáticos subiram 46 % na década até 2024, totalizando US$ 629 bilhões, o que atrai constantemente a atenção de fornecedores europeus, mesmo diante da concorrência do Oriente Médio, liderada por Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Cenário Índia-Paquistão: Exposição da Hostilidade
Um dos pontos altos (e mais tensos) do evento foi a presença das delegações militares da Índia e do Paquistão, apenas semanas depois de cessarem combates intensos ao longo da fronteira da Caxemira. Em 10 de maio, um cessar-fogo interrompeu quatro dias de confrontos, mas a desconfiança mútua permaneceu evidente.
- Índia: liderada pelo Chefe do Estado-Maior Unificado, a delegação indiana circulou pelos corredores evitando qualquer aproximação dos paquistaneses, demonstrando postura rígida.
- Paquistão: sob o comando do Presidente do Estado-Maior Conjunto, a equipe militar paquistanesa igualmente se manteve isolada, recusando interações informais, mesmo nos intervalos das sessões.
Esse destacamento simétrico, com uniformes ornamentados e medalhas em evidência, simbolizou que, apesar de um cessar-fogo temporário, a corrida armamentista e a rivalidade histórica continuam vigorosas. Esse ambiente afasta investigações de cooperação regional e torna mais difícil selar acordos duradouros para o desenvolvimento de infraestrutura e comércio na Caxemira.
Análise Geopolítica: Implicações e Tendências
- Divisão Transatlântica e Autonomia Estratégica
- A divergência entre Hegseth e líderes europeus evidencia que a aliança transatlântica enfrenta tensão sobre onde direcionar investimentos defensivos. Para países limítrofes com a Rússia (como Finlândia, que conta 1.340 km de fronteira), a prioridade está em reforçar as defesas continentais. Entretanto, França e Reino Unido buscam equilibrar recursos para manter influência global, adotando uma postura de autonomia estratégica ao defender interesses no Indo-Pacífico sem subserviência a Washington ou Pequim.
- China: Participação Discreta e Recuo Tático
- A estratégia chinesa de enviar apenas acadêmicos militares em vez de diplomatas de alto escalão indica que Pequim pode estar reavaliando seu engajamento direto em fóruns multilaterais de defesa, talvez para evitar confrontos diretos ou para focar em diplomacia bilateral. Ainda assim, o aviso de Dong Jun de 2024 sobre Taiwan (ramificação do mesmo contexto) demonstra que a postura de alerta de Pequim mantém-se constante, mesmo que mais velada em grande parte das negociações.
- Reconfiguração de Alianças e Indústria de Defesa
- A AUKUS, as colaborações do Five-Power Defence Arrangement e os esforços de empresas europeias (Airbus, Thales, Saab) mostram que a indústria de defesa está reagindo ao aumento dos orçamentos asiáticos. Essa dinâmica fortalece a posição europeia no Indo-Pacífico, independentemente de debates políticos sobre prioridades orçamentárias.
- A corrida por contratos de caças e navios de guerra reforça que qualquer recuo diplomático não equivale a desinvestimento industrial, pois parcerias de longo prazo se consolidam por décadas.
- Risco de Escalação Local e Efeitos Globais
- O episódio Índia-Paquistão lembra que, mesmo sem escalonar a um conflito total, show de força e posturas simbólicas podem prolongar tensões e afetar projetos de paz e desenvolvimento regional.
- A participação de Zelensky reforça que conflitos distantes, como o da Ucrânia, têm efeitos contágio no Indo-Pacífico, instigando países a repensar alianças e defender valores de integridade territorial e segurança alimentar.
Conclusão
O Shangri-La Dialogue 2025 confirmou que a lógica de poder global ultrapassou a dualidade EUA versus China. As tensões entre Estados Unidos e Europa sobre alocação de recursos — seja para conter a Rússia no flanco leste ou para frear a China no Indo-Pacífico — refletem que a aliança transatlântica está em processo de redefinição. Ao mesmo tempo, a hostilidade entre Índia e Paquistão reforça a fragilidade da estabilidade no Sul da Ásia, capaz de gerar repercussões em cadeias produtivas e rotas comerciais.
A presença de Zelensky no fórum sublinhou que conflitos europeus e asiáticos são “do mesmo tabuleiro de xadrez”, exigindo respostas coordenadas. França e Reino Unido provaram, com compromissos militares concretos, que continuarão ativos nos dois teatros, apostando em uma “terceira via” de cooperação multiliteral. Já Finlândia e outras nações fronteiriças com a Rússia insistem na urgência de priorizar a defesa europeia, concedendo aos EUA maior liberdade para conter a China.
Em síntese, as escolhas estratégicas definidas em Singapura em 2025 terão impacto direto na arquitetura de segurança global. Decisões sobre onde investir, com quem cooperar e quais ameaças priorizar desenharão não apenas o futuro da OTAN, mas também a evolução de alianças no Indo-Pacífico, a estabilidade de regiões como a Caxemira e a viabilidade de coalizões multiestatais comprometidas com a ordem internacional liberal. Somente um aprofundamento nos laços trans-regionais e um entendimento compartilhado de ameaças poderão evitar “vazios estratégicos” exploráveis por potências revisionistas.
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