Segunda Rodada em Doha Fracassa e Impasse no Leste da RDC se Aprofunda

Presidentes da RDC e de Ruanda se reúnem com o Emir do Catar em Doha, março de 2025
O presidente da República Democrática do Congo, Félix Tshisekedi, e o presidente de Ruanda, Paul Kagame, encontram-se com o Emir do Catar, Sheikh Tamim bin Hamad Al Thani, durante tentativa de mediação diplomática em Doha, em 18 de março de 2025. (Foto: Ministério das Relações Exteriores do Catar/REUTERS)

No artigo anterior “Impasse nas Negociações: Conflito no Leste da RDC Persiste Mesmo com Primeiros Diálogos” trouxemos o panorama inicial dos diálogos em Doha. Hoje, apresentamos a atualização sobre a segunda tentativa de paz, que também terminou sem acordo.

Contexto do Conflito

Desde janeiro de 2025, o grupo rebelde M23 lançou uma ofensiva que resultou na queda de Goma e Walikale, duas cidades estratégicas ricas em minerais. As motivações do M23 incluem disputas étnicas e reclamações de falta de representatividade política, enquanto o governo de Félix Tshisekedi exige a retomada imediata dos territórios ocupados. O avanço rebelde agravou a crise humanitária, com milhares de mortos e centenas de milhares de deslocados.

Segunda Rodada em Doha e Novo Fracasso

Em 9 de abril de 2025, estava prevista uma nova reunião em Doha. No entanto, essa rodada foi adiada sem nova data confirmada, pois convites formais ainda não haviam sido emitidos para todas as partes. Em 23 de abril de 2025, delegações do governo da RDC e do M23 encerraram as conversações em Doha sem avanços práticos rumo a um cessar-fogo. As discussões emperraram em:

  • Demandas do M23: liberação de centenas de prisioneiros acusados de vínculos com o grupo e com Ruanda.
  • Posição do governo: recusa em anular condenações, sob o argumento de que “crimes foram cometidos e alguns devem ser responsabilizados”.

Fontes rebeldes descreveram tais exigências como “pré-requisitos intransponíveis” ao prosseguimento das negociações. Após o impasse, ambos os lados deixaram Doha sem planos imediatos de retorno.

Impactos no Terreno e Crise Humanitária

Logo após o colapso das conversas, combates recomeçaram em Walikale, conforme relatório da ONU

  • Mortes: milhares de civis já foram mortos desde o início da ofensiva.
  • Deslocamento: mais de 300 000 pessoas foram forçadas a fugir de suas casas.
  • Serviços básicos: colapso no acesso a água potável, alimentos e cuidados médicos nas áreas afetadas.

Mediação Internacional e Riscos Regionais

A falha sucessiva das negociações derrubou também o papel mediador de Angola, que em março anunciou sua saída do processo, abrindo espaço para que a União Africana ou outro Estado-assessor assumisse a liderança.

Paralelamente, cresce o temor de regionalização do conflito:

  • Ruanda é apontada como apoiadora do M23, fornecendo armas e logística.
  • Uganda e Burundi reforçam tropas na fronteira, receosos de propagação da guerra.

Propostas de Soluções Concretas

Para desbloquear o impasse, é preciso ir além das mesas de Doha:

  1. Co-mediação regional pela SADC
  • Envolver a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, que possui experiência em missões de paz na região, pode aumentar a legitimidade do processo e pressionar ambos os lados a ceder em pontos críticos.

2. Formato de Diálogo Inclusivo

  • Ampliar a mesa de negociações para incluir representantes de comunidades locais, ONG’s humanitárias e líderes tradicionais, garantindo que as preocupações civis e humanitárias sejam tratadas paralelamente aos termos militares e jurídicos.

3. Mecanismo de Garantias Jurídicas

  • Criar um tribunal híbrido (internacional-nacional) para julgar crimes graves, assegurando que anistias sejam condicionadas a um processo de verdade e reconciliação, em vez de absolvições automáticas.

4. Fundo de Reconstrução e Monitoramento

  • Estabelecer um fundo multilateral, gerido pela ONU e pela SADC, para financiar a reconstrução de infraestrutura e a reintegração de ex-combatentes, atrelado ao cumprimento de etapas do acordo de paz.

5. Calendário de Conferências Regionais

  • Realizar encontros trimestrais em países vizinhos (por exemplo, Uganda, Burundi e Tanzânia) para acompanhar o progresso, facilitar trocas comerciais legais e reduzir incentivos ao apoio rebelde externo.

Conclusão

Duas rodadas consecutivas em Doha fracassaram, evidenciando a profundidade do desconfiamento e dos interesses conflitantes. Uma estratégia de co-mediação regional, diálogo inclusivo e garantias jurídicas pode representar um caminho mais promissor para romper o ciclo de violência e mitigar a grave crise humanitária no leste da RDC.

1 Trackback / Pingback

  1. Ataque RSF A Campo De Deslocados No Sudão

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*