
No sábado, 31 de maio de 2025, o Hamas anunciou ter enviado aos mediadores sua resposta à proposta de cessar-fogo apresentada pelo enviado dos EUA, Steve Witkoff. Apesar de considerar o texto “positivo”, o grupo inseriu uma exigência de caráter inédito: o acordo deve levar ao fim da guerra em Gaza, algo que até então era inaceitável para Israel.
Essa manifestação ocorre após meses de negociações que não conseguiram conter as hostilidades iniciadas em 7 de outubro de 2023, data em que o Hamas realizou uma série de ataques que deixaram cerca de 1.200 mortos em Israel e resultaram na tomada de 251 reféns. Desde então, a resposta militar israelense devastou grande parte da Faixa de Gaza, onde, segundo autoridades de saúde locais, mais de 54.000 palestinos perderam a vida. A seguir, apresenta-se uma análise detalhada das implicações políticas, humanitárias e estratégicas desse novo momento.
Contexto Atual do Conflito
Em 7 de outubro de 2023, o Hamas lançou uma ofensiva que resultou em pilhagem de comunidades no sul de Israel, causando aproximadamente 1.200 mortes e levando 251 reféns para Gaza, segundo dados oficiais israelenses. Imediatamente, Israel reagiu com uma campanha militar de larga escala que persiste há mais de 19 meses. A hostilidade recorrente e a escassez de ajuda humanitária transformaram a Faixa de Gaza em uma das regiões mais afetadas por crises humanitárias no mundo.
- Número de reféns remanescentes: 58, segundo estatísticas israelenses.
- Mortes de civis palestinos: Mais de 54.000, conforme o Ministério da Saúde de Gaza.
- População deslocada: Cerca de 80% dos habitantes de Gaza foram obrigados a abandonar suas casas, vivendo em abrigos ou locais improvisados.
A campanha israelense endureceu o bloqueio a Gaza, limitando o fluxo de alimentos, água e suprimentos médicos, o que ampliou o risco de fome e resultou em casos de saques de comboios de ajuda humanitária por grupos armados e civis desesperados.
Principais Pontos da Proposta de Cessar-Fogo de Witkoff
O enviado americano Steve Witkoff apresentou aos mediadores um plano que engloba:
- Troca de reféns
- Hamas libera 28 reféns (10 vivos e 18 corpos) em troca de mais de 1.200 prisioneiros palestinos detidos por Israel. O número exato sugerido é a libertação de 125 palestinos com penas de prisão perpétua, 1.111 detentos provenientes de Gaza e a repatriação de 180 corpos de mortos palestinos.
- Trégua inicial de 60 dias
- Suspensão das hostilidades por 60 dias, sujeita a prorrogação se as condições forem cumpridas.
- Retirada parcial das tropas israelenses
- Israel reduziria operações ofensivas dentro de Gaza, mas manteria bloqueios externos.
- Fluxo seguro de ajuda humanitária
- Garantia de corredores monitorados para entrada de alimentos, água e medicamentos, sem interferência de grupos armados.
- Faseamentos de liberação
- Hamas solicitou que a libertação dos reféns se desse em fases, a fim de atestar compromissos de ambas as partes.
A proposta original não mencionava explicitamente o ‘fim definitivo da guerra’ nem a retirada completa das forças israelenses, tornando-se essa a principal divergência para o Hamas, que passou a exigir tal previsão como condição indispensável.
Reação do Hamas: Exigência de “Fim da Guerra”
No comunicado divulgado em seu site oficial e nas redes sociais, o Hamas afirmou que:
- Considera positiva a iniciativa de Witkoff, mas condiciona-a a que o acordo seja capaz de “levar ao fim da guerra” em Gaza.
- Concorda em liberar 10 reféns vivos e 18 corpos, porém exige retirada total das tropas de Israel do território, e que o cessar-fogo seja permanente e irreversível.
- Pede ampliação imediata do fluxo humanitário, sem restrições, e a participação de observadores internacionais para monitorar o cumprimento do pacto.
- Consultou outras facções, incluindo a Jihad Islâmica, antes de oficializar o texto de resposta, demonstrando união política interna.
“Esta proposta visa atingir um cessar-fogo permanente, uma retirada completa da Faixa de Gaza e garantir o fluxo constante de ajuda ao nosso povo e às nossas famílias aqui.’Enfatizamos que somente com essas garantias poderemos aceitar a troca de reféns e avançar para a paz.” – trecho do comunicado do Hamas.
Segundo fontes palestinas, o grupo solicitou emendas para detalhar cada fase de liberação de prisioneiros e reféns, de modo a assegurar que Israel realmente cumprirá o compromisso de encerrar as operações militares após a troca inicial de 28 reféns.
Posição de Israel e Resistência às Exigências
O Gabinete do Primeiro-Ministro de Israel, liderado por Benjamin Netanyahu, não se pronunciou imediatamente depois do comunicado do Hamas. Contudo, declarações prévias e relatos de imprensa indicam que:
- Desmilitarização total do Hamas
- Israel insiste que qualquer trégua definitiva só ocorrerá se o Hamas entregar todas as suas armas e renunciar formalmente a qualquer ação militar futura.
- Libertação completa dos reféns
- Tel Aviv exige que os 58 reféns remanescentes sejam libertados antes de qualquer cessar-fogo permanente.
- Garantias de segurança
- Condição de que forças israelenses mantenham “supervisão” a distância, para impedir reativação de ataques, possivelmente com apoio de aliados internacionais ou regionais.
- Retirada escalonada ou parcial
- Israel propõe retirar tropas apenas de áreas urbanas centrais de Gaza, mantendo posições estratégicas no entorno, sob argumento de “evitar vácuo de segurança” que beneficie facções extremistas.
Pesquisas de opinião pública em Israel apontam que grande parte da população apoia a libertação dos reféns mas não quer abrir mão de garantias de segurança. Parlamentares de partidos de direita e coligações religiosas pressionam Netanyahu a não conceder “concessões unilaterais” que possam comprometer a segurança nacional.
Aspectos Humanitários
Crise em Gaza
A proibição de um cessar-fogo definitivo agrava o colapso humanitário em Gaza:
- Fome iminente: Mais de 70% dos dois milhões de habitantes dependem de ajuda externa para sobreviver; há registros de saques de comboios de alimentos por grupos armados e civis.
- Infraestrutura destruída: Estima-se que 95% das instalações de tratamento de água estão inoperantes e 90% dos hospitais sofreram danos graves, provocando surtos de doenças infecciosas.
- Deslocamento massivo: Cerca de 80% da população está desalojada, abrigando-se em escolas, mesquitas ou tendas improvisadas, sem condições sanitárias básicas.
Organizações como a Cruz Vermelha Internacional e a Human Rights Watch denunciam obstáculos ao ingresso seguro de ajuda, ressaltando que a continuação dos combates pode levar ao colapso total de serviços de saúde e saneamento.
Impacto em Israel
Embora o território israelense não sofra destruição em larga escala, as consequências sociais e econômicas são relevantes:
- Trauma psicológico: Famílias de reféns permanecem em estado de incerteza, organizando protestos frequentes e pressionando o governo por soluções imediatas.
- Economia local abalada: Regiões próximas à fronteira com Gaza, como Ashdod e Sderot, convivem com alertas constantes de bombardeios, o que interrompe o comércio, o turismo e prejudica a atividade agrícola.
- Polarização política: A continuidade do conflito fortalece partidos de direita e coligações ultranacionalistas, que acusam o governo de ceder demais às exigências palestinas, dificultando eventuais concessões futuras.
Análise de Especialistas
Viabilidade Diplomática
Dr. Lia Ashqar, analista de segurança especializado em conflitos no Oriente Médio, observa:
“A proposta de Witkoff cria um ponto de partida interessante, mas continua distante das exigências de segurança de Israel e da vontade política do Hamas de preservar seu instrumento militar. O grande impasse é que Tel Aviv não aceita um cessar-fogo sem garantias eficazes de que o Hamas será definitivamente desarmado e impedido de retomar ataques, enquanto o Hamas não abre mão de manter sua capacidade de resistência.”.
Pressões Regionais
- Egito e Qatar: Tradicionais mediadores, intensificam esforços para inserir cláusulas que permitam a retirada total de tropas israelenses, mas também negociar mecanismos de verificação conjuntos com a ONU.
- Turquia: Tem se posicionado como articulador de uma rede de observadores muçulmanos, oferecendo-se para fiscalizar entregas de ajuda e monitorar eventualmente a desmilitarização interna de Gaza.
- Arábia Saudita: Embora envolvida nas negociações dos Acordos de Abraão, mantém postura cautelosa, pois vê no diálogo israel-palestino a possibilidade de normalizar relações formais com Israel sob condições mais favoráveis para a causa palestina.
Cenário Político Interno em Gaza
O Hamas enfrenta desafios internos para manter coesão entre suas facções e a Jihad Islâmica. A consulta a outras lideranças, mencionada no comunicado, sinaliza preocupação em não repetir divisões que ocorreram no acordo de janeiro de 2025, quando um cessar-fogo de 42 dias, mediado pelo Catar e Egito, foi interrompido após Israel retomar operações militares em Gaza e negar certas garantias de segurança ao grupo palestino.
Evolução das Negociações e Desafios Futuramente
“Fim da Guerra” vs. Segurança de Israel
- Definir “fim da guerra”: Para o Hamas, trata-se de uma declaração formal de cessar permanente das hostilidades e de retirada completa de todas as tropas israelenses de Gaza, sem exceções. Já Israel enxerga isso como risco de um “vácuo de segurança” em que o Hamas poderia se rearmar rapidamente.
- Mecanismos de monitoramento: A inclusão de forças de paz da ONU ou da Liga Árabe para supervisionar a retirada israelense e fiscalizar estoques de armas do Hamas é um ponto de convergência, mas esbarra na resistência de Israel em aceitar presença de tropas internacionais em seu entorno.
Impacto da Liberação de 28 Reféns
A troca de 10 reféns vivos e 18 corpos (já realizada em fases anteriores) gerou pressão política interna em Israel para buscar um acordo mais amplo. No entanto, 58 reféns ainda permanecem sob custódia do Hamas. A parcialidade dessa liberação causa dupla pressão:
- Para as famílias israelenses: Algum alívio ao receber entes queridos ou corpos, mas aumenta a cobrança para que o governo retome negociações até libertar todos.
- Para o Hamas: Demonstra capacidade de manter vantagem na mesa de negociações, usando os reféns como moeda de troca para obter concessões estratégicas, como o pedido de “fim da guerra”.
Cenário Político em Israel
O futuro de Netanyahu e de sua coalizão depende em grande parte de:
- Reação dos partidos de direita: Alguns já ameaçaram retirar apoio ao governo caso ele aceite ceder em pontos cruciais, como a saída total de Gaza.
- Pressão diplomática americana: O governo Trump (relembre-se: Donald Trump reassumiu a presidência em janeiro de 2025) vem pressionando aliados da coalizão israelense a considerar acordos que reduzam a escalada militar, sob o argumento de reforçar a imagem de “América como pacificadora” no Oriente Médio.
- Opinião pública: Pesquisas mostram divisão entre a defesa da “segurança a qualquer custo” e o desejo de que as tropas retornem o mais rápido possível, diante do desgaste financeiro e moral de um conflito prolongado.
Potenciais Caminhos de Evolução
- Negociações intensificadas em Doha ou Cairo
- Caso o Hamas detalhe o texto incluindo prazos claros para retirada israelense e liberação completa de prisioneiros, Israel poderá aceitar uma retirada escalonada sob supervisão internacional.
- Mediador Turco ou Saudita
- Se Egito e Catar não avançarem nas negociações, Turquia e Arábia Saudita podem oferecer garantias financeiras e de segurança adicionais ao Hamas para que aceite a redução gradual de seu arsenal.
- Retomada de hostilidades em maior escala
- Caso as partes não se convençam mutuamente, Israel poderá lançar uma nova fase intensificada de ataques, arriscando aprofundar ainda mais a crise humanitária e gerar mais reações negativas na comunidade internacional.
Repercussões Humanitárias e Socioeconômicas
Gaza à Beira do Colapso
- Insegurança Alimentar: Relatórios da ONU indicam que três em cada quatro moradores de Gaza estão em situação de insegurança alimentar aguda, sofrendo com racionamento de calorias por dia, abaixo das recomendações mínimas para sustentar a vida.
- Saúde Pública em Ruínas: Com 90% dos hospitais danificados e escassez de medicamentos, surto de cólera e outras doenças infecciosas começa a se manifestar em áreas densamente povoadas.
- Desemprego Extremo: Taxa de desemprego supera 60%, especialmente entre jovens e mulheres, já que a destruição da infraestrutura impossibilita a retomada de atividades de comércio e serviços.
Impactos em Israel
- Deslocamento Interno Parcial: Algumas cidades próximas à fronteira com Gaza, como Sderot e Ashkelon, ainda registram alerta de bombardeio quase diariamente, obrigando moradores a permanecerem em porões ou abrigo antiaéreo.
- Despesa Militar Elevada: O orçamento de defesa triplicou desde 2023, comprometendo investimentos em outras áreas, como educação e saúde.
- Polarização Social: A sociedade israelense está dividida entre apoiadores de trégua a qualquer custo (para resgatar reféns e aliviar pressões econômicas) e defensores de estratégia de “aniquilação do Hamas” como único caminho seguro.
Considerações Finais
A reação do Hamas à proposta de Steve Witkoff, condicionando o cessar-fogo ao fim da guerra, evidencia a profundidade das divergências entre as partes. O grupo palestino quer garantias explícitas de que Israel:
- Se retire completamente de Gaza.
- Cesse toda e qualquer operação militar de maneira permanente.
- Permita a entrega irrestrita de ajuda humanitária sob supervisão internacional.
Em contrapartida, Israel continua a exigir:
- Desarmamento total do Hamas, sem exceções.
- Libertação prévia de todos os 58 reféns remanescentes.
- Mecanismos de segurança eficazes que impeçam o Hamas de recompôr seu arsenal.
Principais desafios a serem ultrapassados:
- Redefinir “fim da guerra”: Traduzir o termo em cláusulas concretas, com cronogramas e verificadores independentes (ONU, Liga Árabe, Turquia, Qatar).
- Conciliar liberação gradual de reféns e confiança mútua: Estabelecer fases claras de troca e supervisionar o cumprimento no terreno.
- Atender à crise humanitária urgente: Garantir corredores humanitários seguros, com fiscalização de organizações internacionais, a fim de evitar colapso total de serviços básicos.
- Pressões domésticas nos dois lados: Em Israel, as famílias de reféns e partidos de direita demandam posição dura; em Gaza, facções internas cobram unidade para não parecerem “fracas” nas negociações.
Se for possível superar essas barreiras, as negociações em Doha, Cairo ou em qualquer centro diplomático poderão avançar para um acordo de paz parcial, seguido por ações de reconstrução e reintegração. Porém, a dificuldade em estabelecer um mínimo de confiança reforça a probabilidade de que, no curto prazo, novas ofensivas ou operações pontuais persistam, mantendo o ciclo de violência e aprofundando o trauma de populações civis de ambos os lados.
A comunidade internacional segue atenta à possibilidade de inserir forças de paz multilaterais e oferecer pacotes de reconstrução econômica, mas a viabilização desses componentes depende, em última instância, de um consenso bilateral mínimo que, até o momento, permanece distante.
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